06 Mai 2019
Sheri Meyerhoffer, ex-lobista da Associação Canadense de Produtores de Petróleo, foi encarregada de supervisionar as atividades das empresas canadenses no exterior – principalmente indústrias extrativistas, de mineração de ouro e perfuração de petróleo –, e muitos defensores dos direitos humanos e ambientais não ficaram satisfeitos.
A reportagem é de Dean Dettloff, publicada por America, 29-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 8 de abril, o ministro do Comércio Internacional do Canadá, Jim Carr, anunciou que Meyerhoffer se tornaria a primeira ombudswoman [pessoa encarregada pelo Estado de defender os direitos dos cidadãos, recebendo e investigando queixas e denúncias] das empresas canadenses que fazem negócios em outros países, mas Carr deferiu as perguntas sobre exatamente quais poderes a ombudswoman terá. Os críticos estão desapontados pelo fato de o escritório de Meyerhoffer não ser independente, mas, ao contrário, será financiado pelo escritório de Carr e responderá a ele.
O novo escritório, anunciado em janeiro de 2018, seguiu-se a anos de petições, campanhas publicitárias e organizações de base em todo o mundo. O Canadá abriga a maior parte das empresas de mineração do mundo, e a maioria delas opera na América Latina, onde histórias angustiantes de abuso de trabalhadores e dos ecossistemas locais são generalizadas.
Mas os ativistas, muitos deles católicos, dizem que o novo escritório empalidece em comparação com aquilo que eles esperavam e com aquilo que eles pensavam que o governo se comprometeria a implementar.
“Há 15 meses, nós estávamos celebrando”, disse Elana Wright, oficial de advocacia da Development and Peace, a organização internacional de desenvolvimento da Igreja Católica no Canadá. “Os católicos canadenses de todo o país, centenas de organizações da sociedade civil ao redor do mundo, pessoas com quem trabalhamos e que fazem parte das nossas redes, todos estávamos celebrando a criação de um ombudsman.”
Então, eles esperaram. Eles esperaram enquanto François-Philippe Champagne, que anunciou por primeiro o ombudsman, foi substituído como ministro da Diversificação do Comércio Internacional por Carr em julho passado. Com o passar dos meses, eles pediram que seus membros contatassem seus representantes perguntando sobre o escritório. Depois de tanto tempo, disse Wright, “é difícil acreditar e ter fé nos compromissos do ministro”, mesmo naqueles que estão aquém do que os defensores esperavam.
Os proponentes de um ombudsman haviam pedido um escritório independente com o poder de reunir provas, obrigar as empresas a entregar documentos e realizar investigações completas sobre denúncias de abusos ambientais e de direitos humanos por parte das empresas canadenses. Os “cães de guarda” da mineração dizem que o poder aparentemente sem brilho dado ao escritório, ao contrário, pode ser o resultado de um intenso lobby por parte da Associação de Mineração do Canadá.
O chamado para um ombudsman independente foi o resultado do descontentamento com uma posição anterior, a de “conselheiro de responsabilidade social corporativa”, que foi estabelecido pelo governo conservador em 2009, liderado na época pelo primeiro-ministro Stephen Harp, mas que nunca mediou com sucesso um caso entre as indústrias extrativistas e as comunidades afetadas por elas.
Wright disse que a Development and Peace está disposta a ver quais poderes estão disponíveis para o novo escritório do ombudsman antes de fazer um julgamento final. “Mas, neste ponto”, perguntou, “esse ombudsman realmente será capaz de prover justiça para uma comunidade na Guatemala, que realmente experimentou crimes, incluindo o estupro, o deslocamento forçado de sua comunidade e o assassinato? São crimes sérios, e, ao criar basicamente um ofício que é muito semelhante a esse antigo conselheiro, isso quase nos faz questionar se isso vale a pena (...) por causa das expectativas que cria.”
A referência à Guatemala é significativa no Canadá, onde três importantes batalhas judiciais entre a gigante canadense da mineração Hudbay Minerals e vários demandantes indígenas da Guatemala estão em andamento há quase uma década. Todos os processos envolvem a mina de níquel Fenix, adquirida pela HudBay em 2008 e vendida em 2011.
Em um processo, Angelica Choc alega que as forças de segurança da empresa assassinaram seu marido, Adolfo Ich, um respeitado líder comunitário conhecido por se opor às operações de mineração. Em outro, 11 mulheres alegam que foram estupradas por homens, incluindo membros uniformizados da força de segurança privada da Fenix, e, no terceiro, um homem chamado German Chub alega que o chefe de segurança atirou nele à queima-roupa, deixando-o paralítico.
As expectativas estavam realmente altas em janeiro de 2018 com a criação do Conselho Consultivo sobre Conduta Empresarial Responsável, composto por representantes do trabalho, da sociedade civil – incluindo um membro da Development and Peace – e representantes da indústria.
“Ficamos muito animados por estar ao lado ex-ministro, François-Philippe Champagne, no anúncio do ombudsman e ficamos felizes em ser representados no conselho”, disse Wright. “Eu participei de duas reuniões desse órgão, nas quais o diálogo entre os diferentes representantes era difícil (...) Há muito pouco em comum.”
A Development and Peace ainda queria propor uma legislação vinculante para a responsabilidade corporativa, disse Wright, e pelo menos agora havia um lugar para se ter um diálogo. “Desde que o ministro Champagne foi substituído pelo ministro Carr, não houve nenhuma reunião desse conselho. A última reunião foi em junho de 2018, e aqui já estamos em abril de 2019, e a mídia não cobriu esse aspecto.”
A decepção em relação ao ombudsman vem logo após um escândalo, depois que a ex-procuradora-geral Jody Wilson-Raybould disse que se sentiu pressionada pelo escritório do primeiro-ministro e por outros funcionários federais para ir devagar em relação à SNC-Lavalin, uma empresa com sede no Quebec que tinha sido acusada de corrupção nas negociações com a Líbia. Wright disse que os eventos “sugerem que o governo de Trudeau não quer que as corporações canadenses respondam por corrupção, violações de direitos humanos ou danos ambientais”.
Wright disse que vários bispos estão bem informados sobre os abusos das empresas canadenses de mineração em particular. A Conferência Canadense dos Bispos Católicos emitiu uma carta ao primeiro-ministro, Justin Trudeau, em agosto de 2017, acusando as atividades da indústria canadense de mineração no exterior e pedindo, entre outras coisas, “a criação de meios objetivos e imparciais (como um ombudsman) para monitorar e investigar as denúncias de abusos em conexão com as empresas canadenses de mineração no exterior”.
Wright disse que as ações do governo canadense estão em forte contraste com a liderança do Papa Francisco. “Ele quer promover o diálogo, encorajar as empresas de mineração a serem mais responsáveis. Ele organizou um Sínodo sobre a Amazônia e a mineração, onde os extrativistas estão causando desmatamento, e aqui estamos nós no Canadá, onde o nosso governo sequer implementa ou cria de verdade esse escritório do ombudsman, que é realmente um pequeno gesto.”
“Os católicos canadenses estão motivados a respeitar o que o Papa Francisco está propondo, trabalhando para colocar as pessoas antes do lucro. O nosso governo realmente não está respeitando essa abordagem, mesmo que digam que estão comprometidos em enfrontar as mudanças climáticas e proteger o ambiente”, disse Wright.
A Development and Peace pretende acompanhar de perto os desenvolvimentos do escritório do ombudsman no período que antecede a eleição federal de outubro, incluindo a preparação de um relatório descrevendo a posição de cada partido sobre o escritório, entre outros itens relacionados à responsabilidade corporativa.
“Eu temo que essa seja uma batalha entre Davi e Golias, em que os eleitores canadenses não têm muito a dizer quanto as corporações canadenses”, disse Wright. Mas, acrescentou ela, “somos pessoas de esperança. Nós apenas temos que continuar tentando.”
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Católicos canadenses estão céticos diante de medidas do governo para controlar a exploração das empresas de mineração no exterior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU