23 Abril 2019
Pescadores do MPP viajam pelo rio Paraopeba para prestarem solidariedade aos atingidos pelo crime da Vale.
A reportagem é publicada por Conselho Pastoral dos Pescadores - CPP, 11-04-2019.
O pescador José de Souza trabalha todo dia fazendo a travessia de uma margem à outra do rio Paraopeba. Cada passagem custa R$ 1,50 dos passageiros, mas seu José recebe apenas R$ 0,50, já que o barco e o combustível não pertencem a ele. O dinheiro minguado que tem recebido é algo recente na vida do pescador. Ele que costumava pescar no Rio Paraopeba, tirava uma renda mensal que variava entre R$ 1500 e R$ 3000. O rompimento da barragem de Brumadinho, no dia 25 de janeiro desse ano, impediu a continuidade da profissão praticada desde a infância, pelo Seu José, deixando como expectativa apenas a promessa de receber um salário mínimo por mês, durante um ano, como tem anunciado a mineradora Vale.
A história de Seu José não é única e segue uma tendência de relatos muito parecidos entre todos os atingidos que foram encontrados pela comitiva de pescadores e pescadoras artesanais do MPP (Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais), que estão percorrendo desde terça-feira (09/04) o rio Paraopeba. O objetivo da missão é conhecer os impactos do rompimento da barragem de Brumadinho (MG) nas comunidades e cidades que foram atingidas pelo crime da mineradora Vale. Além de percorrer a bacia do rio Paraopeba, os pescadores e pescadoras artesanais também seguirão pelos municípios banhados pelo rio São Francisco, que já começa a ser impactado pela lama de rejeitos da mineração. A missão deve ser encerrada no dia 16 de abril e ao final será feito um relatório que deve ser divulgado até internacionalmente pelo movimento.
No dia de ontem (10/04), os participantes da missão tiveram a oportunidade de conhecerem o impacto do rompimento da barragem de Brumadinho no acampamento Pátria Livre, do Movimento Sem Terra, localizado no município de São Joaquim de Bicas, em Minas Gerais. Os agricultores relatam que já começam a sentir mudanças importantes no modo de vida deles. A água do rio que era usada como lazer pelos agricultores e para irrigar a plantação já não pode mais ser usada. “Desde que aconteceu o crime da Vale, as pessoas e comerciantes locais não estão mais comprando os produtos que produzimos”, lamenta o agricultor e dirigente do acampamento, Marcão.
O acampamento Pátria Livre existe desde 2017 e surgiu a partir de uma mobilização nacional feita pelo MST com o lema “Corruptos, devolvam as nossas terras!”. As terras da fazenda pertenciam ao grupo comandado por Eike Batista e é cercada por mineradoras. A ocupação ocorrida há dois anos afrontou a indústria da mineração na área, com aquilo que os agricultores do movimento sabem fazer de melhor: uma produção vigorosa de alimentos orgânicos, mesmo que em pequenos lotes. “Tinha agricultores que chegavam a ganhar até R$ 2000 por mês só com a produção da horta”, explica Marcão.
Após o crime, além da dificuldade de venderem os alimentos, os agricultores já começam a sentir os impactos na saúde. D. Ana Mendes produz no seu quintal, principalmente, ervas medicinais. Ela é a referência do acampamento quando os moradores adoecem e precisam de alguma indicação de medicamento. Após o incidente, D. Ana criou uma pomada que tem ajudado na cura de feridas que apareceram misteriosamente nos moradores e que eles atribuem a origem à lama que contaminou o rio. “O pessoal diz que a pomada tem funcionado. Depois da lama eu mesma tive uma pneumonia que nunca tive antes”, lamenta a agricultora.
O pagamento de um salário mínimo para os moradores que estão a até 1 km da calha do rio, durante o período de um ano é, até o momento, a única resposta dada pela Vale.
As populações locais tem iniciado um processo de mobilização ainda tímido. Mas novas alternativas começam a ser buscadas pelos moradores do município para enfrentarem o luto e assim recuperar a vida e o Paraopeba.
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Missão pelo rio Paraopeba revela a situação dos impactados pelo crime da Vale - Instituto Humanitas Unisinos - IHU