19 Março 2019
Um pároco e escritor dos Estados Unidos, que sofreu abuso sexual por parte do clero, aborda em suas palestras a “crise da masculinidade” na sociedade e na Igreja Católica, sempre “sendo realista” e lembrando que, “até mesmo no meio de toda essa escuridão, sempre há esperança”.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada em Crux, 18-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Precisamos ser chamados para essa nova masculinidade, que não é algo poderoso, não se trata de dominar nada”, disse o Pe. Larry Richards, em entrevista ao Crux, em 14 de março. “Uma verdadeira masculinidade é aquela de quem dá a sua vida com amor.”
“Uma verdadeira masculinidade é Cristo na cruz”, acrescentou.
Richards é padre diocesano há mais de 30 anos, ordenado sacerdote pela Diocese de Erie, na Pensilvânia, por Dom Michael Murphy. Ele foi capelão católico em campi universitários e professor em escolas masculinas de Ensino Médio.
Em 2004, ele fundou a Fundação “The Reason For Our Hope” [A razão para a nossa esperança], que – em suas palavras – se concentra em aproximar as pessoas da fé católica e em mostrar a elas que “Deus não está por aí para pegar você. Ele quer amar você”.
Em 2009, ele lançou seu primeiro livro, “Be a Man! Becoming the Man God Created You To Be” [Seja homem! Tornando-se o homem que Deus lhe criou], que se tornou o livro número um em vendas da editora Ignatius Press em 2010.
“Meu objetivo é tentar ajudar as pessoas – especialmente os homens – a conhecer a Deus, a conhecer o amor de Deus”, disse.
As experiências de Richard levaram-no a entender como falar aos homens e, em particular, aos seminaristas, em tempos de escândalos e incertezas dentro da Igreja e da sociedade. Seu conselho para os seminaristas deriva da compreensão do que significa ser homem hoje, utilizando uma linguagem que lembra muito a do Papa Francisco ao falar com o clero.
Assim como o pontífice argentino, Richards explora a cultura da masculinidade que atravessa a sociedade e a Igreja Católica hoje, que tem sido corrompida pelo poder, pelo sigilo e pelos escândalos, enquanto lembra aos homens jovens que desejam entrar na Igreja hoje que sempre há esperança.
Os pais de Richards eram policiais, o que o levou a se definir como um “policial espiritual”. Seu pai – alcoólatra – esteve ausente durante a maior parte de sua vida depois de abandonar Richards e sua mãe, que começaram uma nova vida em Las Vegas.
Aos 43 anos, seu pai estava morrendo em uma cama de hospital devido a uma severa cirrose.
“Eu julguei o meu pai a vida toda, porque ele não era o pai que eu queria”, disse Richards, mas “Jesus nos mandou amar e nos proibir de julgar. Frequentemente, os católicos são grandes julgadores, mas não tão grandes amantes”.
A primeira coisa que Richards disse a seu pai foi “eu te amo”.
Ser capaz de dizer essas palavras para aqueles que amamos faz parte da “maior coisa” que Richards indica aos homens. Para os muitos homens que ouvem suas palestras, o padre diz para escreverem uma carta para aqueles que amam como se fosse seu último dia nesta terra.
“Eu vejo homens voltando à vida e começando a chorar, porque, em primeiro lugar, eles sabem que são amados, mas, depois, sabem que devem ser os melhores pais”, disse Richards.
Ensinar os homens a serem bons pais e maridos é um aspecto importante do trabalho de Richards, não apenas para levar fé até eles, mas também para assegurar que as gerações futuras sejam criadas em famílias onde os homens se tornem modelos de humanidade e de fé.
Com base em sua experiência no ensino de alunos do Ensino Médio, Richards disse que muitos homens jovens olham para os jogadores de futebol e para as estrelas de cinema como exemplos do que significa ser homem e evitam a Igreja porque não é um lugar onde eles são desafiados.
“Os meninos não querem se tornar homens. Eles querem continuar adolescentes, porque tudo gira em torno de ‘mim’. E a sociedade diz aos homens que tudo gira em torno de ‘mim’”, disse Richards. “Mas um homem é aquele que faz tudo girar em torno de ‘você’, em vez de ‘mim’. Aí é quando um menino se torna um homem.”
Na visão de Richards, a masculinidade hoje tem menos a ver com conceitos autoexaltantes de poder, dominação e machismo, e mais com o fato de ser capaz de dar a vida pelos outros e oferecer um exemplo “do amor do Pai”.
Os desafios enfrentados pelo conceito de masculinidade na sociedade estão diante da Igreja e, segundo Richards, “a crise no sacerdócio é que os padres têm medo de ser homens”.
Naturalmente, ser “homem”, no livro de Richards, significa colocar as necessidades dos outros antes das suas, o que está no cerne daquilo que ele transmite aos jovens seminaristas que ensinou e acompanhou.
Ao contrário de alguns que apontam a homossexualidade como a raiz dos problemas no sacerdócio, Richards não compra essa explicação e identificou a “falta de santidade” como a causa primária.
O conselho número um que ele dá aos jovens que entram no sacerdócio é “ser um padre santo” e não se unir às fileiras do clero que fracassaram nessa tentativa. A oração tem um papel central na formação dos padres, acredita Richards.
“Acima de tudo, temos que ter certeza de que nenhum homem seja ordenado sem ser um homem de profunda oração”, disse.
Esse sentimento é semelhante ao expressado pelo Papa Francisco no dia 7 de março, durante um encontro a portas fechadas com a Cúria Romana na Basílica de São João de Latrão, em Roma. Lá ele convidou os padres a rezarem “face a face com Deus”, não como um administrador, mas como um fiel disposto a lutar com Deus pelo seu povo.
Os padres, disse o papa, devem falar com Deus “não como covardes, mas como homens”.
O segundo princípio básico de Richards para o clero é “ser realista”, mantendo um laço forte com os outros e consigo mesmo, o que é uma reminiscência do frequente refrão de Francisco sobre os padres que precisam ter “o cheiro das ovelhas”.
“Precisamos de seminaristas que sejam reais. Não se escondendo atrás de qualquer tipo de piedade. Porque, quando alguém é muito piedoso, isso me assusta. Eu quero correr. Parece que estão escondendo alguma coisa”, disse Richards. “Seja real! Cristo foi real!”
Como padre e tendo sofrido o abuso sexual clerical nas mãos do reitor do seu seminário há quase 40 anos, Richards tem uma visão única sobre os escândalos de abuso que atingem todos os níveis da hierarquia da Igreja Católica.
Deixando de lado a escuridão, ele percebeu que “a maior coisa que nos aconteceu foi o escândalo”.
“No meu tempo, quando eu fui molestado, eu não consegui contar nada a ninguém. Essa não era sequer uma opção”, disse Richards, mas hoje ele acredita que a exposição e a conscientização sobre a questão dentro da Igreja está forçando os seminaristas a passarem por um processo de verificação muito mais difícil, levando-o a dizer que “não existe um lugar no mundo mais seguro agora do que a Igreja Católica”.
Isso não significa que a Igreja Católica não tenha muito mais o que fazer. A prioridade, disse Richards, é “assegurar que todas as vítimas sejam ouvidas, que todas elas sejam curadas”. Sabendo em primeira mão o que significa ser enganado por alguém que prometeu levá-lo para mais perto de Cristo, o padre encontrou no perdão uma ferramenta para retomar o controle sobre a própria vida.
“Eu não sou uma vítima. Eu não sou um sobrevivente. Eu sou um guerreiro. Porque eu não vou deixar que aquilo que outra pessoa fez contra mim afete a minha vida”, disse.
A responsabilização e a transparência são os outros passos fundamentais e necessários para promover a salvaguarda das pessoas vulneráveis na Igreja, segundo Richards.
“Hoje temos que assegurar que se ensine aos meninos que estão entrando no seminário que você tem que ser real. Se alguém acima de vocês ou no meio de vocês estiver fazendo algo errado, vocês deve dizer algo e levar a luz de Cristo para ele”, afirmou.
Richards, que recentemente foi criticado pelo grupo conservador Church Militant por dizer que o defensor da inclusão LGBT e padre jesuíta James Martin “é um bom padre que busca a vontade de Deus”, também tem uma ou duas coisas a dizer sobre a crescente divisão na Igreja.
“Temos que parar de demonizar as pessoas que não concordam conosco”, disse ele, acrescentando que a divisão dentro da Igreja Católica torna mais difícil enfrentar os desafios de hoje. Olhando para a crise que atinge a Igreja, Richards sugere ter em mente o quadro geral.
“Sempre houve o mal na Igreja, desde o início, e ainda há o mal na Igreja”, afirmou, mas acrescentou que, para além de tudo isso, “há muito mais bem”.
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Padre sobrevivente de abuso aborda a ''crise de masculinidade'' na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU