01 Março 2019
«A árvore é reconhecida pelos seus frutos»: Este dito popular, com pequenas variações, está presente em três das quatro leituras deste domingo. Da mesma forma que a árvore produz bons ou maus frutos, também os homens, se bons, tiram coisas boas “do bom tesouro do seu coração” e, se maus, as tiram más “do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio”.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 8º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (03 de março de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª Leitura: “A palavra mostra o coração do homem” (Eclesiástico 25,5-8)
Salmo: Sl. 91(92) - R/ Como é bom agradecermos ao Senhor.
2ª Leitura: “O morte, onde está tua vitória? Onde está o teu aguilhão?” (1 Coríntios 15,54-58)
Evangelho: “Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos” (Lucas 6,39-45)
Um cego e outro cego estão ambos em pé de igualdade. Um mestre e seu discípulo, ambos também alcançam a igualdade a partir do momento em que este aprende tudo o que o mestre tinha para lhe comunicar. Igualdade na cegueira e na ignorância; igualdade no saber. Nos dois casos, ninguém está qualificado para guiar o outro. «Guia» e «Mestre» são termos que encontramos em Mateus 23,8-11.16. Quanto ao cego, está também em Mateus 15,14.
Estes temas, em Mateus, são utilizados na controvérsia contra os fariseus que se erigem em guias, doutores e mestres. Ora, em Mateus 23 está dito que ninguém pode instituir-se como guia ou mestre: somente Deus e o Cristo estão habilitados para isto. Saindo do contexto polêmico destes textos, Lucas, que não está falando para os judeus palestinos, lhes dá uma dimensão ainda mais universal. Em lugar nenhum no mundo, pode um homem pretender substituir a sua vontade e seus pontos de vista pela liberdade de outro; ninguém pode obrigar quem quer que seja a passar por caminhos que são os seus. Sequer os pais, a respeito de seus filhos e filhas.
Aí também poderíamos tomar as palavras de Cristo como se fossem comandos de ação a serem aplicados ao pé da letra. Trata-se, na realidade, de uma inspiração, uma sabedoria. O que nos é pedido é o respeito, que é por onde se inicia a caridade. E isto decorre de sermos todos irmãos (palavra repetida nos versículos 41 e 42).
Ser irmãos é ser iguais; todos cegos, de certa forma, e da mesma cegueira. Irmãos, portanto, também na cegueira. Irmãos também na ciência, uma vez que o trabalho do mestre junto ao discípulo consiste em ajudá-lo a alcançar o mesmo nível que ele.
Mas a palavra irmão implica em algo de mais fundamental: cada homem está ligado a Deus através de um laço direto e este laço, a ligação do filho ao Pai, é que funda o nosso respeito mútuo. Assim, para além de uma moral apequenada, somos conduzidos a uma visão teológica das nossas relações. Lembremos o comentário precedente e compreendamos que pretender dirigir e guiar (“guia” é também a palavra que designa os instrumentos que servem para conduzir os animais) já é julgar os outros, considerá-los incapazes de se dirigirem por si mesmos. Guiar, não; ajudar as pessoas a fazerem seu próprio caminho, sim.
Não estamos mais aqui no mesmo nível de igualdade existente entre dois cegos atingidos por cegueira idêntica. Podemos dizer que quem tem a trave em seu olho é mais cego do que quem somente sofre com o cisco. Numa primeira aproximação, podemos dizer que cada um está convidado a fazer esta limpeza em si mesmo e a ver-se assim como é, antes de sonhar se pôr como um pretenso defensor dos oprimidos.
Para além deste sentido imediato, vejo outro, que decorre do que acabamos de dizer: desde que nos metemos a corrigir alguém, enfiamos nós mesmos a trave em nosso olho, porque nos erigimos em juízes, tomando assim o lugar de Deus. Eis-nos então aqui no pecado fundamental.
Ao lado disto; o que é um mísero cisco no olho do nosso irmão? Ele, portanto, pode ver isto com muito maior clareza do que nós. Uma vez que tivermos renunciado a esta pretensão, veremos então também mais claro à nossa volta. E a ajuda que levarmos ao nosso irmão não será mais estragada pela cegueira que temos para conosco. Este, então, será um serviço humilde. O serviço de um homem bom, que tira coisas boas de seu coração que é bom.
Tirar algo de si é produzir fruto. A ligação com o que veio antes não aparece à primeira vista. A 1ª leitura, que não chegou ainda ao «não julgueis», permite-nos, no entanto, compreender porque estas sentenças são postas em sequência. A boca fala da abundância do coração (v. 45). É pelo fruto dos lábios, quando um homem exprime-se totalmente, que se pode ver o que ele de fato é. Guardemo-nos, portanto, de intervir durante a maturação do fruto. Deus é quem dá o crescimento (1 Coríntios 3,6).
Em resumo, somos convidados a esperar a hora da colheita. Somente depois do acontecido é que se pode ver o que ele vale. Deixemos nascer, deixemos crescer; não busquemos separar antes do tempo o joio do trigo (Mateus 13,24-31 e Marcos 4,26-29). Ainda aqui o respeito.
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«A árvore é reconhecida pelos seus frutos» - Instituto Humanitas Unisinos - IHU