14 Fevereiro 2019
O assassinato da Irmã Dorothy completa neste 12 de fevereiro 14 anos. Sua morte ocorre num cenário de grande disputa por terras, destruição ambiental e violação de direitos dos povos ribeirinhos e indígenas. Essa disputa, na qual a irmã Dorothy foi mais uma vítima é antiga no Brasil e a justiça anda distante desse processo. Dorothy lutava bravamente em defesa dos mais empobrecidos, pela reforma agrária e foi esse o motivo que a fez ser vítima brutal dos interesses dos grileiros e fazendeiros do Norte do Brasil.
A história de violência contra Dorothy Stang percorreu o mundo e chocou as pessoas pela forma covarde com que tentaram calar a idosa de 73 anos. Mas o efeito foi ao contrário: o assassinato ecoou ainda mais a luta entre os desiguais desse país.
Ao lado da Irmã Dorothy, esteve por anos promovendo também o trabalho pastoral, o Padre José Amaro, hoje com 52 anos. Ameaçado de morte e perseguido pelos mesmo grupos poderosos que mandaram matar Dorothy Stang, foi preso com acusações infundadas em 27 de março de 2017. Passou 92 dias no Centro de Recuperação de Altamira-Pará, e como ele mesmo afirma: “Se eu fiz alguma coisa de errado, foi ajudar a garantir um pedacinho de terra na mão de trabalhadores e trabalhadoras para dar o sustento do pão de cada dia a sua família”.
Em memória aos 14 anos da morte da Irmã Dorothy, o Portal das CEBs entrevistou Padre José Amaro Lopes de Souza, 52 anos. Ele fala da atual situação dos conflitos na região do Pará e chama atenção para tantas mortes ocorridas nesses 14 anos. Lamenta a injustiça do caso da Irmã Dorothy e sua missão de continuar o trabalho mesmo diante de tantas ameaças.
Padre Amaro nasceu em Itapecuru Mirim – MA. Trabalhou por 20 anos na Paróquia Santa Luzia de Anapu e coordenou Comissão Pastoral da Terra. Graduado em Filosofia e Teologia, atua incansavelmente na defesa da vida e dos direitos do trabalhador e da trabalhadora do campo.
A entrevista por Portal das Ceb's, 11-02-2019.
Eis a entrevista.
Qual atual realidade de Anapu referente os conflitos de terra?
No momento atual é muito preocupante quando o governo se posiciona ou há comentários de ameaças a criminalizar os movimentos sociais, e explicitamente criticou o trabalho dos organismos e comissões pastorais da Igreja (CIMI, CPT).
A realidade atual apresenta invasões nas reservas dos Planos de Desenvolvimento Sustentável (PDSs) em Anapu, esses idealizados por Ir Dorothy Stang.
De que forma o trabalho pastoral com Ir Dorothy Stang marcou sua vida?
Ajudou-me a entender como se vive na prática o Evangelho. Defendendo os pequenos e pequenas em qualquer situação que ameaça a sua integridade física e de sobrevivência. Para mim foi uma mãe.
Após 14 anos de sua morte, como está à situação e o andamento do processo e da punição dos assassinos?
Muito lento, um dos mandantes continua respondendo em liberdade, os outros envolvidos estão soltos. E o consócio de morte continua agindo.
Em sua opinião qual o legado do trabalho da Ir. Dorothy para o Anapu e para CEBs do Brasil?
O legado de conscientização do povo da luta por seus direitos, independentemente de credo religioso, e que as grandes conquistas começam nas pequenas comunidades.
Em 27 de março de 2018 o senhor foi preso de forma injusta e arbitrária. Como está o seu processo e qual o apoio que o senhor recebeu ao longo desse tempo?
O processo está na fase de ouvir as testemunhas de acusação e defesa; ouvir em precatórias. A minha audiência, quando o juiz irá me interrogar, será no dia 13 de março.
Recebi o apoio da família, dos bispos da prelazia em que atuo, da Comissão Pastoral da Terra, da Sociedade Paraense de Direitos Humanos, dos movimentos sociais e populares de todo país, de instituições internacionais, da igreja católica com seus organismos e pastorais; Igrejas evangélicas, religiões de raízes afrobrasileiras, orientais, movimento de mulheres, Consciência negra, LGBTs e todos e todas que defendem a vida e aos quais sou muito grato pelo carinho, orações e presença nesse momento de sofrimento. Seu apoio ajudou-me muito!!!
Qual a importância da Igreja na defesa da Casa Comum e dos Povos da Floresta?
Uma Igreja missionária, comunitária, orante, participativa, presente e ativa junto ao povo de Deus e, principalmente, profética que está sempre ao lado dos pequenos e pequenas, presente e apoiando a luta por organização das bases, defendendo a vida, o meio ambiente e os povos originários e tradicionais que tenham seus direitos violados para que todos tenham vida, e vida plena.
Algo a mais que o senhor queira acrescentar?
Trabalhei com a Ir Dorothy Stang e demais irmãs Notre Dame de Namur e aprendi a viver com o povo na humildade e simplicidade. Depois do assassinato da Ir Dorothy vários trabalhadores foram perseguidos, ameaçados e assassinados, e isso tudo continua na impunidade. Fui preso, passei 92 dias no Centro de Recuperação de Altamira-Pará, e fiz a seguinte reflexão: Se eu fiz alguma coisa de errado, foi ajudar a garantir um pedacinho de terra na mão de trabalhadores e trabalhadoras para dar o sustento do pão de cada dia a sua família.
Leia mais
- "Se fiz algo de errado foi ajudar a colocar a terra na mão do trabalhador"
- Bolsonaristas promovem cruzada contra sucessor de Dorothy Stang
- Testemunha de acusação inocenta padre Amaro durante audiência em Anapu
- STJ liberta padre Amaro, aliado de Dorothy Stang e vítima de perseguição política
- Moção de Solidariedade ao Padre José Amaro Lopes Sousa
- REPAM articula dia de oração em solidariedade a Padre Amaro
- Justiça nega pedido de revogação e mantém a prisão do padre Amaro no sudoeste do Pará
- Bispos do Xingu exigem apuração da prisão do padre Amaro em Anapu
- Padre Amaro, da CPT: um incansável defensor dos direitos humanos
- Nota de solidariedade e apoio ao padre José Amaro Lopes de Souza
- Manifestações de apoio e solidariedade a Padre Amaro
- PDS Esperança: conflitos e esperança. Entrevista especial com Amaro Lopes de Souza
- Dorothy Stang dedicou vida a trabalhar entre “os pobres mais pobres”
- Romaria da Floresta relembra assassinato de Irmã Dorothy, em Anapu, no Pará
- Josimo: o padre negro que amou seu povo ao ponto de entregar sua vida por ele
- O que mais nos poderá surpreender? Nota pública da CPT sobre a soltura do mandante do assassinato de Dorothy Stang
- Anapu - PA, um barril de pólvora minado pelo latifúndio. Entrevista especial com Paulo Joanil da Silva
- Comissão Pastoral da Terra (CPT) registra 65 pessoas assassinadas em conflitos no campo em 2017
- Mandante do assassinato de Dorothy Stang deixa prisão no Pará
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Irmã Dorothy Ajudou-me a entender como se vive na prática o Evangelho”, afirma padre José Amaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU