18 Dezembro 2018
Pescadores e pescadoras artesanais, agricultores e agricultoras familiares, pesquisadores, representantes de sindicatos e de movimentos populares reafirmaram neste final de semana, em encontro realizado em Rio Grande e São José do Norte, posição contrária aos projetos de mineração que pretendem se instalar na região. Durante três dias, esses projetos foram tema central de debate no I Encontro sobre Impactos da Mineração nos Pescadores Artesanais e no II Seminário Regional sobre os Impactos dos Projetos de Mineração. Promovidos pela Seção Regional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) e pelo Sindicato dos Professores da Universidade Federal do Rio Grande (Aprofurg), os encontros também contaram com a participação de convidados do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e do Chile que relataram problemas de contaminação por mineração enfrentados em suas comunidades.
A reportagem é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 16-12-2018.
Na manhã de sexta-feira, foi apresentado um panorama da mineração no Brasil e seus possíveis desdobramentos a partir da posse de Jair Bolsonaro na presidência da República, no dia 1o. de janeiro de 2019. A tendência é de uma ofensiva ainda maior do setor minerador sobre terras indígenas, quilombolas, de preservação ambiental e de áreas de fronteira, alertou Márcio Zonta, integrante da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Na sexta-feira à tarde, debateu-se o impacto da mineração em zonas portuárias e possíveis formas de enfrentamento a esses projetos. Ao final do encontro, na tarde de domingo, foi aprovada a Carta de São José do Norte, assinada por várias entidades, que apresenta as principais conclusões dos três dias de debate (ver no final desta materia).
Ricardo Díaz Cortes, professor de Filosofia e presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente de Antofagasta, fez um relato dos problemas de contaminação por chumbo, arsênio e outros minerais na cidade portuária chilena. Segundo um estudo realizado por pesquisadores chilenos, entre 2014 e 2016, os níveis de contaminação em Antofagasta alcançaram um recorde mundial, superando os níveis encontrados nas cidades mais contaminadas da China. A maior concentração de elementos contaminantes encontra-se numa área de 500 metros em torno do porto. Ele também falou sobre algumas das principais estratégias adotadas pela comunidade daquela região para enfrentar as empresas responsáveis pela contaminação.
O discurso das empresas mineradoras sobre desenvolvimento sustentável, assinalou o professor chileno, na prática, acaba funcionando como uma permissão para poluir e contaminar. Essas empresas também utilizam a ideia de valor compartilhado, vendendo a promessa de que todos serão beneficiados por seus empreendimentos. “A melhor arma que temos é comunicar tudo o que acontece e que expõe como essas promessas não se realizam. Fazer fotos, vídeos, publicar tudo nas redes sociais. Nós fomos a Londres dizer que as mineradoras não estavam cumprindo a licença social (instrumento desenvolvido pelas empresas para obter a anuência da comunidades aos seus projetos). Precisamos comunicar tudo para mostrar que a mineração traz riqueza apenas para alguns. O discurso das empresas é muito poderoso. Não podemos nos deixar enganar. As comunidades têm que se organizar e resistir a isso ou serão destruídas”, afirmou Ricardo Cortes.
Professor da área de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Sérgio Botton Barcellos, apontou os riscos apresentados pelos projetos de mineração para todo o complexo naval do Porto de Rio Grande. O Projeto Caçapava do Sul prevê que os minérios extraídos na região do Camaquã serão escoados pelo porto de Rio Grande. Além disso, o fosfato extraído em Lavras do Sul será processado na unidade da Yara, também em Rio Grande. O pesquisador citou os exemplos das cidades portuárias de Antofagasta, no Chile, e de Callao, no Peru, onde a população passou a conviver com elevados índices de contaminação por chumbo e outros minerais. Rio Grande, no entanto, destacou Sérgio Barcellos, está na área de risco e de impacto direto deste projeto de mineração de chumbo, mas isso não é considero no estudo de impacto ambiental apresentado pela empresa.
Geovane Martins Teixeira, secretário de Formação e Cultura do Sindiágua-RS (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul), defendeu que a luta contra os impactos dos projetos de mineração deve sempre ter em mente o que diz o Artigo 225 da Constituição Federal de 1988: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Isso implica, segundo a Constituição, “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”. O próprio EIA-Rima do projeto de mineração em São José do Norte, observou Geovane Teixeira, aponta a existência na região de 41 espécies de fauna e 4 espécies de flora em risco de extinção. O diretor do Sindiágua anunciou que o sindicato decidiu se posicionar contrariamente à implementação desse projeto pelos riscos que ele traz para o meio ambiente e para a saúde da população.
O debate sobre os impactos dos projetos de mineração também diz respeito diretamente às universidades que acabam sendo procuradas pelas empresas para elaborar laudos e pesquisas que atestem a segurança ambiental dos mesmos e emprestem legitimidade acadêmica a esses empreendimentos. O biólogo Eduardo Forneck, da Associação de Professores da FURG (Aprofurg), chamou a atenção para esse fato, afirmando que “a universidade também está em disputa, uma vez que há pesquisadores que emprestam legitimidade e autoridade da universidade a essas empresas”. “O compromisso da universidade pública não é estar ao lado do capital. Esse debate será fundamental no momento em que a universidade pública enfrenta uma séria ameaça de desconstrução”, defendeu.
Além dos anúncios de geração de emprego e renda para a população dos municípios abrangidos por seus projetos, as empresas mineradoras também fazem promessas de que os impactos sobre o meio ambiente serão mínimos e que as áreas mineradas serão posteriormente recuperadas. Para Gerhard Overbeck, professor do Departamento de Botânica da UFRGS, muito do que essas empresas apresentam como recuperação ecológica, não o é de fato. “Não há tecnologia hoje para recuperar áreas como a do Pampa na Serra do Sudeste. Não estamos preparados especialmente para recuperar áreas degradadas por mineração”.
A luta das comunidades ameaçadas de sofrer esses impactos pode encontrar um importante aliado na arqueologia. O historiador e arqueólogo Marlon Borges Pestana, professor da FURG, chamou a atenção para esse fato lembrando que a região onde as empresas de mineração pretendem se implantar no extremo sul do Estado, é riquíssima em sítios arqueológicos. Em praticamente todas as áreas em que há afloramentos rochosos há sítios arqueológicos, assinalou. “Na região de São José do Norte e do litoral gaúcho há sítios arqueológicos tupi-guaranis importantíssimos. É um patrimônio histórico e cultural extremamente valioso que precisa ser protegido. Nós tivemos cerca de 3 mil sítios arqueológicos destruídos pela barragem da Samarco. É preciso lembrar que havia cerca de 5 milhões de indígenas no Brasil com aproximadamente 300 variedades lingüísticas. Até hoje nunca fui a qualquer lugar onde não havia vestígios dessa presença”.
Outro patrimônio histórico e cultural que é colocado em risco com a instalação de grandes projetos de mineração é o dos povos e comunidades tradicionais do Bioma Pampa, onde se incluem indígenas, quilombolas, ciganos, pomeranos, benzedeiras, pescadores, agricultores e pecuaristas familiares. “Nós já estamos na quinta ou sexta geração livre, mas seguimos sofrendo impactos sociais e ambientais que ameaçam nossas terras e nosso modo de vida”, disse Mariglei Dias, moradora da comunidade quilombola do Rincão da Chirca. Todas essas comunidades temem que as promessas das mineradoras se transformem em degradação de seus territórios e de seu modo de vida.
Essa preocupação foi reafirmada no domingo em um encontro que reuniu mais de cem pescadores, pescadoras, agricultores e agriculturas no salão da Comunidade Nossa Senhora da Conceição, no Estreito, interior de São José do Norte. Durante o encontro foi exibido o documentário “Dossiê Viventes – O Pampa Viverá”, dirigido por Tiago Rodrigues, que mostra a luta de comunidades da bacia do Camaquã contra o projeto de instalação de uma mineradora de chumbo, das empresas Votorantim Metais (Nexa) e Iamgold, às margens do rio. Após um almoço coletivo, os moradores ouviram os relatos da pescadora Adenisia Sena, do Espírito Santo, e do pescador Sergio Hiroshi Okasaki, sobre os impactos destruidores que a mineração já teve em suas comunidades. Além disso, conversaram sobre a importância de fortalecer e ampliar o movimento de resistência à mineração junto aos moradores da região. Ao final, aprovaram uma carta onde reafirmam sua posição contrária aos projetos de mineração e sua disposição em aprofundar a luta para evitar sua instalação em suas terras. Abaixo, a íntegra do documento:
Nos dias 13, 14 e 15 de dezembro de 2018 ocorreu o “I Encontro sobre os impactos da mineração nos(as) pescadores(as) artesanais” e o “II Seminário sobre os impactos da mineração: O que sabemos? Para onde vamos?”. Nos eventos estiveram presentes membros de comunidades pesqueiras e agricultores familiares locais, movimentos sociais, pesquisadores(as) e estudantes em âmbito nacional, regional e local.
Promoveram-se debates que dialogam com aspectos da mineração e seus impactos, desde questões de ordem política e decisória, questões relativas a extração, transporte e armazenamento dos minérios. Sendo assim, foram possíveis extrair diversas conclusões, dentre as quais se destacam:
Estreito São José do Norte, 15 de dezembro de 2018.
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Carta de São José do Norte: projetos de mineração representam um “projeto de morte” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU