07 Dezembro 2018
Notícias da conferência do clima da Polônia.
A reportagem é de Claudio Angelo, publicada por Observatório do Clima, 06-12-2018.
O Brasil recebeu nesta quarta-feira (5) em Katowice o Fóssil do Dia, um antiprêmio concedido pelas ONGs na COP24 aos países que mais atrapalham as negociações climáticas. A CAN (Climate Action Network), rede de mais de mil organizações que concede o “troféu” diariamente nas conferências do clima, decidiu dar a premiação ao país por causa das ameaças que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tem feito à agenda de clima. “O que aconteceu com você, Brasil? O berço da Convenção do Clima da ONU, celebrado por seus avanços espetaculares no controle do desmatamento e na mitigação do aquecimento global, virou motivo de piada entre os negociadores em Katowice”, diz a nota da CAN.
“Apenas dez dias antes da COP24, o presidente eleito do Brasil, o capitão do Exército Jair Bolsonaro, cancelou a oferta de sediar a COP25 no ano que vem porque leu no WhatsApp que o Acordo de Paris ameaça a soberania do Brasil.” Mais cedo, em seu boletim Eco, a CAN chamou o Brasil de “delinquente climático” devido às ameaças de Bolsonaro à Amazônia.
A Arábia Saudita ganhou o Fóssil juntamente com o Brasil por ter proposto que a expressão “mecanismo de ambição” fosse deletada do texto que diz respeito ao chamado Global Stocktake (apelidado por aqui pela sigla GST), um dispositivo do acordo cujo propósito é justamente aumentar a ambição. Numa analogia culinária, a proposta saudita seria o equivalente a um bolo de chocolate sem chocolate.
Sabe quando você se apaixona e se casa e acha que nada nunca vai dar errado e ignora solenemente os alertas daquele seu primo advogado para definir o regime de partilha de bens? E três anos depois o príncipe vira sapo, a princesa vira bruxa e o pau quebra pra ver quem vai ficar com o apartamento? Algo parecido está acontecendo na COP24 com o eterno esqueleto no armário da Convenção do Clima: a diferenciação.
Até a COP21, que fechou o Acordo de Paris, a grande questão a atravancar as negociações era a da divisão das obrigações entre países desenvolvidos (que causaram a maior parte do aquecimento global no passado) e emergentes (que têm causado a maioria das emissões de carbono nas últimas décadas). Em Paris, o clima mágico de união dos povos – marcado pelo bromance entre os dois maiores poluidores do planeta, os EUA de Barack Obama e a China de Xi Jinping – permitiu que o acordo fosse fechado e que discussões fundamentais sobre diferenciação fossem postergadas para o momento da regulamentação. “Paris empurrou a diferenciação com a barriga”, diz a advogada Caroline Prolo. Por exemplo: como os países em desenvolvimento vão reportar suas emissões? Que métricas usarão? As mesmas dos países desenvolvidos?
O Dia do Juízo chegou: em Katowice, as questões de diferenciação que ficaram abertas em Paris precisam ser solucionadas. Países em desenvolvimento pedem flexibilidade no chamado mecanismo de transparência, uma das decisões centrais a serem tomadas na COP. “Não podemos enviesar os países para o fracasso”, costuma dizer o Brasil. Países desenvolvidos querem, claro, que os emergentes se submetam às mesmas regras que eles. Hora de chamar aquele primo advogado para resolver a partilha. Ou os ministros, que começam a chegar no fim de semana e precisarão tomar as decisões políticas mais espinhosas.
O Brasil é o segundo país do G20 que mais subsidia combustíveis fósseis. Com US$ 16 bilhões de dólares por ano em descontos fiscais para o consumo de derivados de petróleo, o país perde apenas para a Arábia Saudita, com seus US$ 30 bilhões por ano. Os dados são do relatório Brown to Green 2018, lançado nesta quarta-feira (5) em Katowice pela Climate Transparency.
Segundo o relatório, os países do G20 precisam cortar suas emissões pela metade para atingir a meta do Acordo de Paris. Só que, em 15 dos 20 países mais ricos do mundo, as emissões do setor de energia subiram e 2017. Os subsídios a combustíveis fósseis saltaram de US$ 75 bilhões para US$ 147 bilhões entre 2007 e 2017, apesar das repetidas promessas do grupo dos 20 de eliminar progressivamente os subsídios perversos. Segundo a Climate Transparency, a continuarem as políticas atuais, a Argentina, a Coreia do Sul, o México, a Turquia e os Estados Unidos não vão cumprir suas NDCs (as metas nacionais com que se comprometeram em Paris). O Brasil também não cumprirá, mas ninguém precisa se preocupar com a continuação das políticas atuais – já que o presidente eleito as considera excessivas.
Seis brasileiros atingidos pelas mudanças climáticas em cinco Estados contaram suas histórias no documentário O Amanhã é Hoje, exibido nesta quinta-feira (6) no Espaço Brasil na COP24. O filme foi produzido por sete organizações (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Engajamundo, Greenpeace, Instituto Alana e Instituto Socioambiental) que buscaram “tirar da invisibilidade” os afetados pelo clima.
Entre os casos apresentados no documentário estão o de uma jovem da etnia krikati que tornou-se brigadista voluntária depois de um incêndio florestal sem precedentes atingir a terra indígena de seu povo, os Krikati; o da pequena agricultora do sertão de Pernambuco que enfrentou seis anos de seca; o da comunidade caiçara centenária do litoral paulista obrigada a mudar de lugar em razão erosão causada pelo avanço do mar; o comerciante fluminense que testemunhou seu negócio ser destruído pelas chuvas e deslizamentos que deixou centenas de mortos em Nova Friburgo (RJ), em 2011; o do produtor de ostras catarinense penalizado pelo aumento da temperatura do mar; o da mulher que perdeu dois carros, em Santos (SP), para as ressacas cada vez mais violentas que avançam na costa brasileira.
Também a pedido das organizações, estudiosos do clima produziram dois documentos técnicos inéditos que apontam os riscos iminentes para as pessoas e para o planeta: “Mudanças climáticas, impactos e cenários para a Amazônia” e “A Amazônia precisa de uma economia do conhecimento da natureza”.
O filme pode ser visto neste link.
Acabou-se a ilusão de que as emissões de gases de efeito estufa estivessem se estabilizando e enfim se descasando do crescimento econômico. Em 2018 elas deverão ter alta recorde de 2,7%, depois de um crescimento de 2% no ano passado, por sua vez seguido a três anos de estagnação. Os dados foram publicados nesta quarta-feira (5) pelo consórcio internacional Global Carbon Project, e aumentaram a pressão sobre os negociadores na COP24.
Na véspera, os delegados já haviam sido formalmente apresentados ao relatório especial do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de aquecimento global de 1,5oC, que sentenciou que o mundo tem apenas 12 anos para cortar emissões em 45% se quiser evitar que o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris seja perdido.
Os novos dados foram publicados no periódico Earth System Science Data, acompanhados de um comentário na revista Nature segundo o qual o limite de 1,5oC, dada a tendência atual de emissões, será rompido em 2030 e não em 2040, como alguns modelos indicavam.
Nem mesmo os países desenvolvidos, nos quais as emissões em geral vinham declinando, escaparam da alta: segundo um comunicado da Agência Internacional de Energia, o uso de petróleo pelas economias avançadas superou neste ano o declínio do consumo de carvão, fazendo com que no geral os ricos cheguem ao fim de 2018 emitindo 0,5% mais carbono.
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Silesianas: Um fóssil para o Brasil e outros despachos de Katowice - Instituto Humanitas Unisinos - IHU