26 Outubro 2018
"Estes são tempos difíceis na Igreja. Não é fácil estar na pele de um católico, quanto mais ministrar como um. Mas lembre-se: no seu batismo, Deus chamou você pelo nome. E em seu ministério, Deus o chamou novamente. É importante lembrar disso", escreve James Martin, S.J., editor da revista America e autor do livro Building a Bridge, 10-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Este artigo é baseado no discurso do pe. James Martin, S.J., na Inaugural Daniel J. Harrington, SJ, Lecture celebrando os dez anos da Escola de Teologia e Ministério do Boston College, realizado no dia 20 de setembro.
O que é preciso para ser um bom ministro da Igreja? Seja você um leigo, irmã, irmão ou sacerdote - o ministério efetivo é caracterizado por três itens: preparação cuidadosa, trabalho diligente e compaixão pelas pessoas a quem você serve. Para ajudar a ilustrar esses pontos, gostaria de compartilhar sete lições que aprendi em meu próprio ministério como jesuíta.
Daniel J. Harrington, S.J., era um renomado professor de Novo Testamento no Boston College e, antes disso, na Weston Jesuit School of Theology. Ele também foi, até onde sei, gentil, diligente e uma pessoa orante. Harrington provavelmente sabia mais sobre o Novo Testamento do que talvez qualquer pessoa dentre aqueles que falam a língua inglesa no mundo.
Quando ele morreu em 2014, uma piada de admiração que circulava pelos jesuítas era que Jesus havia chamado Daniel Harrington para o céu porque ele precisava de uma explicação sobre o Livro do Apocalipse.
Em nossa aula introdutória ao Novo Testamento, um estudante fez uma pergunta memorável sobre um dos milagres de Jesus, que recém havia sido abordada.
Ele disse: “Padre Harrington, com o que sabemos sobre a identidade de Jesus, como a Segunda Pessoa da Trindade, seu relacionamento com o Pai e o Espírito e a união hipostática de suas naturezas humana e divina, quando ele está realizando um milagre como este, o que passa por sua cabeça, sabendo que é o Filho de Deus?”
"Não temos ideia", disse Daniel.
Quando se trata de ministério, você não pode saber tudo. Claro, você se prepara da melhor maneira possível. Você estuda muito, leva o seu trabalho a sério e se entrega plenamente a ele. Mas você não será capaz de responder a todas as perguntas, resolver todos os problemas e atender a todos os desafios ministeriais - ou, para os acadêmicos, saber tudo sobre o seu campo. Nos ministérios pastorais, você pode não saber o que dizer para alguém que perdeu um emprego, contraiu uma doença ou teve uma morte na família.
Você deve sempre ter a consciência de que foi Deus quem lhe concedeu o ministério. Mais precisamente, Deus colocou você lá na frente da pessoa necessitada, e não do Papa Francisco, Madre Teresa, Jean Vanier ou Helen Prejean. Deus colocou você no lugar e na hora certa para ajudar este indivíduo. Isso significa que Deus quer você lá, com todas as suas forças e fraquezas.
Entre 1992 e 1994, trabalhei com o Serviço Jesuíta para Refugiados no Quênia. Meu ministério estava ajudando refugiados de toda a África Oriental que se estabeleceram em Nairóbi para iniciar pequenos negócios com a finalidade de sustentar a si mesmos e suas famílias. Com o tempo, abrimos uma pequena loja em uma favela, que comercializava artesanato para exilados, turistas e ricos quenianos. Foi o ministério mais agradável e gratificante que fiz.
Depois de um certo tempo, comecei a ficar estressado. Na época, eu estava muito envolvido com a administração da loja e na supervisão dos pequenos negócios dos refugiados, o que significava uma convivência diária, visitando suas casas nas favelas e os ajudando não apenas com seus problemas de negócios, mas também com suas preocupações com saúde, com os proprietários e questões legais.
Certo dia eu falei ao meu diretor espiritual: "Eu não sei como posso fazer tudo isso!"
E respondeu: "Quem disse que você tem que fazer tudo?"
“É o que Jesus faria! Ele ajudaria todas essas pessoas”, observei.
"Bem, talvez. Mas eu tenho novidades para você: você não é Jesus!", ressaltou o diretor espiritual.
Ao citar Jesus, precisamos nos lembrar de algo sobre seu próprio ministério: Quando Jesus deixou a Galileia e a Judeia, ainda havia doentes. Em outras palavras, Jesus não curou a todos. Em seu ministério público, Jesus lidou com as pessoas diante de si, e somos chamados para fazer o mesmo.
Um dos ministérios mais incomuns que já fiz foi trabalhar no que veio a ser conhecido como o Marco Zero nas semanas seguintes aos ataques de 11 de setembro de 2001, em Nova York. No primeiro dia em que cheguei ao local, vi a cena familiar a muitos americanos: as torres arruinadas, os prédios fumegantes, as cinzas, o papel e os escombros. Foi impressionante.
Ao me ver, um policial do local disse: "O necrotério está ali". Graças à minha formação jesuíta, conheci minhas próprias limitações e o suficiente para saber que provavelmente não poderia trabalhar no necrotério. Então, diante de todos aqueles papéis e cinzas, comecei a pensar no que eu poderia fazer. Percebi que poderia ministrar aos bombeiros, aos paramédicos e aos policiais. Isso foi uma solução efetiva.
Então foi isso que fiz: ouvi e acompanhei todo o sofrimento daquelas pessoas. Essa foi uma lição importante da minha formação jesuíta e da educação teológica: você não pode fazer tudo, mas pode ajudar de alguma forma. Eu teria ficado sobrecarregado ou paralisado se achasse que tinha que fazer tudo. Em vez disso, fiz o que pude: o ministério da presença.
Recentemente, estou aprendendo muito sobre o que eu considero um novo ministério: alcançar a comunidade católica LGBT. Ano passado eu escrevi um livro chamado “Building a Bridge” (Construindo uma Ponte, em tradução livre) sobre como a Igreja pode alcançar o público LGBT. com mais efetividade. Poucos meses depois do livro ter sido publicado, fui convidado a falar em uma reunião anual de representantes dos estudantes LGBTs de 28 faculdades e universidades jesuítas.
Na minha palestra, iniciei dizendo que não sabia tudo sobre o ministério L.G.B.T., algo que ficou claro para mim ao longo do fim de semana. Eu me encontrei tendo que aprender uma nova linguagem, um novo tom e uma nova apreciação pelas vidas dos estudantes LGBTs. Minha experiência pode ser resumida quando eu digo a eles: "Deus ama você", e eles dizem, "Sim, nós sabemos!"
Quando disse de que eu ainda estava aprendendo, os alunos se tornaram mais abertos e dispostos a me ensinar. Em certo ponto da minha palestra mencionei "transgenerismo", e logo após, surgiu uma manifestação. "Padre, eu não sou um 'ismo'", disse um estudante.
"Tudo bem. O que devo dizer, 'experiência transgênero'?". A partir desta conduta, estabelecemos um bom diálogo. Você sempre pode aprender algo novo.
Enquanto a grande maioria dos católicos, tanto a hierarquia quanto os fiéis, acolhem o Building a Bridge de braços abertos, uma pequena, mas contundente minoria, não. Alguns dias depois da publicação do livro, comecei a ser atacado por sites de grupos e comentaristas de extrema-direita que me chamavam de “herege”, “apóstata”, “sodomita”, “homossexualista”, “fada”, “falso padre”,“lobo em pele de ovelha”, etc. Depois disso, várias palestras que eu havia sido convidado a dar foram canceladas por causa de petições on-line e campanhas que provocaram ódio e homofobia.
O que tudo isso tem a ver com o ministério? Apenas que nem todo mundo vai gostar de você. Nos relatos evangélicos da “Rejeição em Nazaré” é importante notar como Jesus é tratado depois de proclamar sua identidade. Inicialmente, o povo de sua cidade natal o elogia, mas depois se voltam contra ele, o expulsam do convívio social e o preparam para jogá-lo de um penhasco. Mesmo assim, ele “enfrentou essa barreira”.
Certa vez, em um retiro, perguntei a Jesus: “Como você conseguiu fazer isso? Pois eu não conseguiria conviver com pessoas que me rejeitam”.
E a resposta que ouvi em oração foi: "Todos precisam gostar de você?"
No ministério, é essencial deixar de lado a necessidade de que todos o aprovem, o amem ou até que gostem de você. Claro, simplesmente porque você enfrenta a oposição não significa que está fazendo a coisa certa. Como meu diretor costumava dizer: “Se as pessoas discordarem de você, isso não significa que você é um profeta, e sim que você pode estar errado!”. Mas se você estiver ministrando em nome de Jesus, inevitavelmente enfrentará oposição e talvez até mesmo perseguição.
Muito ocasionalmente, quando encontro pessoas que ministram na Igreja, jesuítas e religiosos, padres e leigos, solteiros e casados, noto alguma coisa diferente. Alguns deles são cruéis. Não com frequência, mas o suficiente para ser percebido. Geralmente são mal-humorados com seus funcionários, denigrem os outros verbalmente. e podem ser, para usar uma palavra que precisa ser recuperada em nosso vocabulário teológico, malvados.
A hipocrisia no cenário do ministério cristão é surpreendente e escandalosa. Alguns ministros supostamente cristãos tratam as pessoas com total desprezo, gritam com seus colegas e dizem as coisas mais cruéis que você possa imaginar. Sempre há desculpas, é claro. Cada pessoa malvada tem uma desculpa: eles estão cansados, estão estressados, estão no meio de um ambiente de trabalho difícil. Mas mesmo em meio a dificuldades no ministério e em sua vida pessoal, você deve ser sempre gentil.
Na verdade, ultimamente comecei a pensar no ministério cristão em termos de um "ascetismo de bondade": sempre sendo compassivo, gentil e útil. Eu nem sempre alcanço esse objetivo, pergunte a qualquer pessoa que trabalhe ou viva comigo, mas este é um bom objetivo.
Estes são tempos difíceis na Igreja. Não é fácil estar na pele de um católico, quanto mais ministrar como um. Mas lembre-se: no seu batismo, Deus chamou você pelo nome. E em seu ministério, Deus o chamou novamente. É importante lembrar disso.
Quando as coisas ficam difíceis para mim, penso em Pedro e André, Tiago e João, Maria Madalena e todos aqueles discípulos que Jesus chamou no início de seu ministério na Galileia. Depois da ressurreição e da ascensão, após a missão de Jesus na terra, essas pessoas enfrentaram tremendas dificuldades, até mesmo o martírio. Tenho certeza de que nos piores momentos eles pensaram, às margens do Mar da Galileia, em quem os chamou.
No final das contas, então, a chave para o ministério não são as questões que isso implica, e sim uma pessoa: Jesus.
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7 lições que aprendi sobre o ministério sendo jesuíta. Artigo de James Martin, SJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU