Por: André | 28 Setembro 2015
“Aqui, no meio de uma angústia lancinante, podemos palpar a bondade heróica de que também é capaz o ser humano, a força escondida a que sempre devemos recorrer. No momento de maior angústia, sofrimento, vocês foram testemunhas dos maiores atos de dedicação e ajuda. Mãos estendidas, vidas oferecidas. Numa metrópole que pode parecer impessoal, anônima, de grandes solidões, vocês foram capazes de mostrar a poderosa solidariedade da ajuda mútua, do amor e do sacrifício pessoal”. Foi o que disse o Papa Francisco no Marco Zero, recordando a dor e ao prestar uma homenagem à memória das vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001, e vislumbrando razões de esperança, a confirmação da bondade dos homens na tragédia.
A reportagem é de Paolo Mastrolilli e publicada por Vatican Insider, 25-09-2015. A tradução é de André Langer.
O Pontífice chegou ao Marco Zero após pronunciar seu discurso na Assembleia Geral da ONU. Parou diante das duas fontes que hoje ocupam o lugar em que se encontravam os fundamentos das Torres Gêmeas. Reuniu-se com cerca de 20 familiares das vítimas e participou de uma oração inter-religiosa. “Deus da paz, traz a paz ao nosso mundo violento, paz aos corações dos homens e das mulheres, paz entre as nações da Terra. Guia pelo teu caminho de amor aqueles que têm as mentes e os corações consumados pelo ódio e que justificam os assassinatos em nome da religião”.
Na sequência, Francisco desceu às “vísceras” do Memorial, a sala dos fundamentos na qual ainda está exposto o “slurry wall”, o muro de cimento que deteve as águas do rio Hudson depois do atentado. “Vários sentimentos e emoções desperta em mim a presença aqui no Marco Zero, onde milhares de vidas foram arrancadas num ato insensato de destruição. Aqui, a dor é palpável. A água, que vemos correr para este centro vazio, lembra-nos todas aquelas vidas que estavam sob o poder daqueles que creem que a destruição seja o único modo de resolver os conflitos. É o grito silencioso de quantos sofreram na sua carne a lógica da violência, do ódio e da vingança. Uma lógica, que só pode causar angústia, sofrimento, destruição, lágrimas”.
E prosseguiu: “A água que desce é símbolo também das nossas lágrimas; lágrimas pela destruição de ontem, que se unem às lágrimas por tantas destruições de hoje. Este é um lugar onde choramos; choramos a angústia provocada por nos sentirmos impotentes perante a injustiça, perante o fratricídio, perante a incapacidade de resolver as nossas diferenças dialogando. Neste lugar choramos pela perda injusta e gratuita de inocentes, por não poder encontrar soluções para o bem comum. É água que nos recorda o pranto de ontem e o pranto de hoje”.
Depois acrescentou: “Há poucos minutos, encontrei algumas famílias dos primeiros bombeiros caídos em serviço. No encontro, pude constatar uma vez mais como a destruição nunca é impessoal, abstrata ou apenas de coisas; mas que antes de tudo tem um rosto e uma história, é concreta, tem nomes. Nos familiares, pode-se ver o rosto da angústia; uma angústia que nos deixa atônitos e brada ao céu. Mas eles, por sua vez, souberam mostrar-me a outra face deste atentado, a outra face da sua angústia: o poder do amor e da recordação. Uma recordação que não nos deixa vazios. Os nomes de tantas pessoas queridas encontram-se escritos aqui, onde estavam as bases das torres; e, assim, podemos vê-los, tocá-los e nunca mais esquecê-los. Aqui, no meio de uma angústia lancinante, podemos palpar a bondade heróica de que também é capaz o ser humano, a força escondida a que sempre devemos recorrer”.
O Papa também recordou os atos de heroísmo e bondade, e acrescentou: “Naquele momento, não era uma questão de sangue, de origem, de bairro, de religião ou de opção política; era questão de solidariedade, de emergência, de fraternidade. Era questão de humanidade. Os bombeiros de Nova York entraram nas torres que estavam caindo sem dar muita atenção à sua própria vida. Muitos caíram em serviço e, com o seu sacrifício, salvaram a vida de muitos outros”. Assim, “este lugar de morte transforma-se também em um lugar de vida, de vidas salvas, numa canção que nos leva a afirmar que a vida está destinada sempre a triunfar sobre os profetas da destruição, sobre a morte, que o bem sempre prevalece sobre o mal, que a reconciliação e a unidade sairão vencedores sobre o ódio e a divisão”.
Um sentimento que vale para todas as pessoas de todas as religiões. “Neste lugar de angústia e recordação, enche-me de esperança a oportunidade de me associar aos líderes que representam as numerosas religiões que enriquecem a vida desta cidade. Espero que a nossa presença aqui seja um sinal vigoroso das nossas vontades de compartilhar e reiterar o desejo de sermos forças de reconciliação, forças de paz e justiça nesta comunidade e em todo o mundo”.
E acrescentou: “Apesar das diferenças, das discrepâncias, é possível viver em um mundo de paz. Perante qualquer tentativa de uniformizar, é possível e necessário que nos reunamos, das diferentes línguas, culturas, religiões, para dar voz a tudo aquilo que quer impedi-lo. Juntos, hoje, somos convidados a dizer ‘não’ a qualquer tentativa de uniformização e ‘sim’ a uma diferença acolhida e reconciliada”.
Em seguida, sua reflexão dirigiu-se para o futuro. “Mas sabemos que isto só é possível como dom do Céu. Aqui, neste lugar da memória, proponho a cada um de vocês que faça, à sua maneira, mas juntos, um momento de silêncio e oração. Peçamos ao Céu o dom de nos comprometermos com a causa da paz. Paz nas nossas casas, nas nossas famílias, nas nossas escolas, nas nossas comunidades. Paz naqueles lugares onde a guerra parece não ter fim. Paz naqueles rostos que nada mais conheceram senão angústia. Paz neste vasto mundo que Deus nos deu como casa de todos e para todos. Somente, paz. Assim, a vida de nossos entes queridos não será vida que será esquecida, mas que se fará presente cada vez que lutarmos por ser profetas de reconstrução, profetas de reconciliação, profetas de paz”.
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Papa Francisco, no Marco Zero, recorda “a bondade heróica” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU