22 Setembro 2018
O Papa Francisco denunciou “a expansão de novas formas de xenofobia e racismo”, no discurso que entregou aos participantes do congresso romano promovido pelo Vaticano, que aconteceu entre os dias 18 e 20 de setembro. Estes sentimentos, indicou o Pontífice, “pareciam superados”, mas voltaram a ganhar força por causa da política, que cede “à tentação de instrumentalizar os medos ou as dificuldades objetivas de alguns grupos e de se servir de promessas ilusórias para interesses eleitorais míopes”. Além disso, promete àqueles que “obtêm vantagens econômicas” do “sistema de precariedade e exploração” em que vivem os estrangeiros, que “terão que prestar contas a Deus pelas decisões que tomaram”. Francisco chamou à responsabilidade os professores, a mídia, líderes religiosos e particularmente os cristãos, “cuja fé é um chamado a ir contracorrente, a reconhecer, acolher e servir o próprio Cristo descartado nos irmãos”.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 20-09-2018. A tradução é de André Langer.
“Xenofobia, racismo e nacionalismo populista no contexto das migrações globais” foi o tema do congresso organizado pelo dicastério vaticano para o Desenvolvimento Humano Integral e pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), com a colaboração do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos.
“Queridos amigos, bom dia! Eu escrevi um discurso para lê-lo, mas é um pouco longo...”, começou o Papa. “Por isso, prefiro dizer-lhes duas ou três palavras de coração e depois saudá-los um a um: isto, para mim, é muito importante. Peço-lhes que não se ofendam”. No discurso que entregou aos presentes, e foi divulgado pela Sala de Imprensa do Vaticano, Jorge Mario Bergoglio afirma: “Vivemos tempos em que parecem recobrar vida e se espalhar sentimentos que a muitos pareciam superados. Sentimentos de desconfiança, medo, desprezo e até de ódio contra indivíduos ou grupos julgados diferentes por causa de sua pertença étnica, nacional ou religiosa e, enquanto tais, considerados não suficientemente dignos de participar plenamente da vida da sociedade”.
“Estes sentimentos – prosseguiu o Papa –, muitas vezes inspiram verdadeiros atos de intolerância, discriminação ou exclusão, que atentam seriamente contra a dignidade das pessoas envolvidas e seus direitos fundamentais, incluindo o próprio direito à vida e à integridade física e moral. Infelizmente, acontece também que no mundo da política se cede à tentação de instrumentalizar os medos ou as dificuldades objetivas de alguns grupos e de se servir de promessas ilusórias para interesses eleitorais míopes”.
“A gravidade destes fenômenos não pode nos deixar indiferentes. Somos todos chamados, em nossos respectivos papéis, a cultivar e promover o respeito da dignidade intrínseca de cada pessoa humana, a começar pela família (onde se aprendem desde terna idade os valores da partilha, da acolhida, da fraternidade e da solidariedade), mas também nos diferentes contextos sociais em que trabalham”, segundo o Papa, que se referiu a diferentes categorias de pessoas. Começou pelos professores, “de quem se exige um renovado compromisso para que na escola, na universidade e nos demais espaços de formação se ensine o respeito por cada pessoa humana, mesmo nas diversidades físicas e culturais que a caracterizam, superando os preconceitos”; de quem trabalha nos meios de comunicação, que têm “o dever de colocar-se a serviço da verdade e divulgar as informações, tendo o cuidado de promover a cultura do encontro e da abertura ao outro, no respeito recíproco pela diversidade”.
“Aqueles que tiram vantagens econômicas do clima de desconfiança no estrangeiro, em quem a irregularidade ou a ilegalidade da residência favorecem e alimentam um sistema de precariedade e de exploração (às vezes a tal ponto que origina verdadeiras formas de escravidão), deveriam fazer um profundo exame de consciência, com a certeza de que um dia terão que prestar contas a Deus pelas decisões tomadas”, segundo Francisco.
Diante da propagação “de novas formas de xenofobia e de racismo, também os líderes de todas as religiões têm uma importante missão”, afirma o Pontífice argentino em seu discurso entregue aos presentes: “a de difundir entre os seus fiéis os princípios e os valores éticos inscritos por Deus no coração do homem, conhecidos como a lei moral natural. Trata-se de realizar e inspirar gestos que contribuam para construir sociedades baseadas no princípio da sacralidade da vida humana e no respeito pela dignidade de cada pessoa, na caridade, na fraternidade (que vai muito além da tolerância) e na solidária. Em particular – prossegue –, que as Igrejas cristãs possam tornar-se testemunhas humildes e operosas do amor de Cristo. Para os cristãos, de fato, as responsabilidades morais acima mencionadas assumem um significado muito mais profundo à luz da fé”.
A “dignidade de todos os homens, a unidade fundamental do gênero humano e o chamado a viver como irmãos encontram uma confirmação e se reforçam ainda mais na medida em que se acolhe a Boa Notícia de que todos são salvos e reunidos por Cristo da mesma forma, de maneira que, como disse São Paulo, ‘não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem ou mulher, porque todos (...somos) um em Jesus Cristo’. Nesta perspectiva, o outro não é apenas um ser que deve ser respeitado em virtude de sua dignidade intrínseca, mas acima de tudo um irmão ou irmã para se amar. Em Cristo, a tolerância transforma-se em amor fraternal, em ternura e solidariedade operativa. Isto vale principalmente em relação aos mais pequeninos dos nossos irmãos, entre os quais podemos reconhecer o forasteiro, o estrangeiro, com quem o próprio Jesus se identificou”. Ser cristãos, de acordo com o Papa, “é um chamado a ir contracorrente, a reconhecer, acolher e servir o próprio Cristo descartado nos irmãos”.
No documento final do congresso, de ontem à tarde [quarta-feira, 19 de setembro], os participantes convidam a “todos os cristãos e a todos aqueles que apoiam os direitos humanos fundamentais a rejeitar as iniciativas populistas incompatíveis com os valores do Evangelho”. O nacionalismo populista, diz o documento, “é uma estratégia política que visa apoiar-se e promover os medos individuais e de grupo com o objetivo de afirmar a necessidade de uma política autoritária para proteger os interesses do grupo social ou étnico dominante presente em determinado território. Em nome desta ‘proteção’, os líderes populistas justificam a recusa a oferecer refúgio, receber e integrar indivíduos ou grupos de outros países, culturas ou contextos religiosos. Mas a recusa em receber e ajudar os necessitados vai contra o exemplo e o chamado de Jesus Cristo. Dizendo proteger valores ou comunidades cristãs, fechar as portas para aqueles que buscam refúgio diante da violência e do sofrimento é inaceitável e isto ameaça o testemunho cristão no mundo, além de suscitar fronteiras nacionais como ídolos”.
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Difundem-se novas formas de racismo e xenofobia, denuncia o papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU