21 Julho 2018
O presidente Daniel Ortega se utilizou das comemorações do 39º aniversário da Revolução Sandinista de 1979 na quinta-feira (19/07) para celebrar a reforçar seu controle do poder após três meses de protestos contra o governo, e para atacar a Igreja Católica da Nicarágua, a que chamou de “aliada de golpistas”.
A reportagem é de Luis Manuel Galeano, publicada por Crux, 20-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Pessoas leais a Ortega, que o ajudaram a liderar a revolta sandinista há décadas, dizem que o país progrediu sob o seu governo. Opositores argumentam que Ortega se tornou ele mesmo um ditador que deve renunciar ao controle político depois de consolidar quase todo o poder nas mãos de sua família. Sua esposa, Rosario Murillo, por exemplo, ocupa a vice-presidência do país.
Multidões se reuniram numa praça pública perto do Lago de Manágua para ouvir Ortega e outros falarem durante um comício que comemorava a queda da ditadura de Somoza.
"Tem sido uma batalha dolorosa", disse Ortega. "Dolorosa porque podemos ter confrontado uma conspiração armada e financiada por forças internas que todos nós conhecemos e forças externas que podemos identificar."
A Associação Nicaraguense pró-Direitos Humanos da Nicarágua registrou 351 mortes relacionadas aos protestos entre 19 de abril e 10 de julho, enquanto o governo coloca o número de mortos pouco acima de 200. A grande maioria das mortes foi de civis, disse o grupo. Na quinta-feira, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos disse que contabilizou 277 mortes.
Enquanto elogiava seu próprio governo pela paciência e moderação, Ortega criticou a hierarquia Católica do país. Ele originalmente pediu aos líderes da Igreja que mediassem a crise, mas na quinta-feira disse que as suas ações lhes tinham desqualificado como mediadores. Ortega disse que os bispos lhe tinham dado um ultimato para convocar eleições antecipadas. Também alegou que as igrejas têm sido usadas para armazenar armas e planejar ataques.
"Eu pensei que eram mediadores, mas não, estão comprometidos com golpistas”, disse Ortega.
O bispo auxiliar Silvio Baez disse via Twitter que a calúnia não faz mal a Igreja. “A Igreja não sofre por ser caluniada, agredida e perseguida. Sofre por quem foi assassinado, pelas famílias que choraram, pelos detidos injustamente e pelos que fogem da repressão.”
Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, na quarta-feira, emitiu uma resolução condenando as violações dos direitos humanos pelas forças de segurança da Nicarágua, tuitou que todas as partes devem retornar ao diálogo mediado pela Conferência Episcopal da Nicarágua.
O aniversário da revolução sandinista geralmente atrai centenas de milhares de pessoas, incluindo os funcionários públicos para os quais a presença é obrigatória. Este ano, o governo não organizou caravanas para a capital, em vez disso promoveu celebrações locais em parques e praças de outras cidades.
"Estamos aqui hoje comemorando mais uma derrota de todos aqueles que não querem paz, que não querem o bem comum, os incentivadores de um golpe de direita”, disse o apoiador sandinista Pablo Bonilla durante o comício.
Murillo, primeira dama e vice-presidente, falou em tom combativo, condenando a “perversidade do terrorismo dos golpistas”, e afirmou que a administração de Ortega só quer a paz.
"A revolução está mais viva do que nunca", disse Arelia Membreno, apoiadora de Ortega que dirige uma empresa de pequeno porte em Manágua. "Deram-me um empréstimo, uma bolsa de estudos para minha filha, e a rua em frente a minha casa foi pavimentada. Antes, era só sujeira."
Mas a capacidade de Ortega de distribuir tais generosidades foi diminuída pelo colapso da Venezuela, cujo governo vendia combustível a preços preferenciais para a Nicarágua. Com a economia venezuelana desmoronando e caindo sua produção de petróleo, ficou mais difícil subsidiar as compras da Nicarágua.
A oposição Aliança Cívica pela Justiça e a Democracia convocou os nicaraguenses a boicotarem as celebrações.
“Não há nada para comemorar”, dizia uma mensagem que circulou nas redes sociais, “há muito mais a se lamentar”.
Protestos contra o governo começaram em meados de Abril em relação a cortes do sistema de previdência social e ampliaram sua demanda a fim de que Ortega deixasse posto, e eleições antecipadas fossem realizadas.
Ortega, que retornou ao poder em 2007 após três tentativas de se eleger presidente, tem minado tribunais e órgãos do governo com aliados a fim de se manter no poder. A escolha de Murillo como vice-presidente foi vista por muitos como uma tentativa de estabelecer uma dinastia familiar.
"Nunca pensei que veria Daniel Ortega se tornar um ditador, muito menos um criminoso que tentaria ficar no poder a preço de fogo e derramamento de sangue", disse o analista político Julio Lopez Campos, antigo guerrilheiro que já esteve próximo do presidente.
Aparentemente ansiosos para comemorar o aniversário da revolução sem o embaraço de bloqueios de estradas e de acampamentos de protesto que se alongam por semanas, as forças de segurança da Nicarágua e grupos civis armados fizeram uma agressiva investida para dispersar os manifestantes à força.
Estudantes da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua que manifestavam na capital foram desalojados, e o bairro simbolicamente importante de Monimbo, na cidade de Masaya, foi retomado. Monimbo era um reduto de suporte para a revolução de 1979, mas ultimamente tem se tornado um centro da resistência de Ortega.
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Nicarágua. Presidente chama Igreja Católica de “aliada de golpistas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU