10 Julho 2018
“Ele está sereno. Pela postura que a justiça e a mídia tem adotado, ele já sabia que isso era praticamente inviável”. Foi assim que o ex-ministro da justiça Eugênio Aragão descreveu, em entrevista exclusiva ao Justificando, o estado do espírito de Luiz Inácio Lula da Silva, após os episódios do último domingo, dia 8 de junho.
A entrevista é de Lígia Bonfanti, publicada por Justificando, 09-07-2018.
A conversa com o Justificando aconteceu logo após a visita de Aragão à Superintendência da Polícia Federal, onde se reuniu com Lula. O ex-ministro recuperou os fatos ocorridos durante o domingo, e classificou como “coisa de moleque” a atuação do relator do processo de Lula no TRF-4, Pedro Gebran Neto, do juiz Sérgio Moro e do presidente do TRF-4 Carlos Eduardo Thompson Flores.
Ao contrário do ex-presidente, Aragão não demonstrou calma durante a entrevista, e teceu duras críticas aos juízes que, para ele, intervieram indevidamente no caso, tornando claro as práticas de “lawfare” contra Lula.
Como foi a conversa com o presidente Lula?
Ele está sereno, tranquilo. Aliás, esses tempos que ele tem passado preso, ele tem adquirido uma paciência de um monge tibetano, uma tranquilidade. De antemão ele já sabia que isso era praticamente inviável, pela postura que a justiça e a mídia tem adotado sistematicamente contra ele, então ele não estava ali cultivando esperança nem nada. Ele está tranquilo, bem tranquilo mesmo.
Como foi dia do ex-presidente ontem, durante todo esse episódio? Houve de fato alguma movimentação?
Não, em momento nenhum ele ficou ansioso nem nada, ele ficava rindo, ele achava graça dessa situação toda, que ele ficou acompanhando, às vezes pela televisão, às vezes pelo que os agentes vinham contar para ele dessa atitude de “revoga, não revoga”, essa coisa toda. Então ele estava acompanhando isso, mas muito tranquilo, muito sereno. Acredito que ele deve, oportunamente, se pronunciar por meio de uma carta manifestando a posição dele.
Qual a sua avaliação sobre os acontecimentos de ontem?
A verdade é que entre todos esses atores que ontem se manifestaram nesse processo todo, o único que tinha razão era o desembargador plantonista Rogério Favreto, porque ele tinha indubitavelmente jurisdição como desembargador plantonista.
A questão não era em absoluto algo que já tinha sido julgado, era uma coisa totalmente nova. O que estava se discutindo era o direito do Lula fazer a sua campanha eleitoral. Então era isso que estava sendo posto, ninguém estava falando de execução provisória da pena nem nada, era um tema completamente novo. Então não houve da parte dele nenhum tipo de superposição com os outros julgados.
Mas o Moro, lá de Portugal, se intromete sem processo na mão, sem papel nem nada. Ele começa a disparar ligações desesperadas, liga aqui para o superintendente, para não obedecer a ordem do desembargador. Depois faz um despacho completamente sem pé nem cabeça, porque ele nem podia dizer que ele “achava” que tinha jurisdição. Porque uma semana e meia atrás ele já recebeu um puxão de orelha do Dias Toffoli, ministro do STF, em relação ao José Dirceu, pois depois que o Supremo mandou soltar o Dirceu, ele cobrava que o Dirceu deveria colocar a tornozeleira. Naquele momento o Toffoli já falou para ele que ele não tinha jurisdição. Essa situação do Lula era idêntica. Ele já tinha levado um puxão de orelha sobre isso. Agora ele resolveu enfrentar, ou seja, resolveu realmente ir para a sedição. Isso é sedição, o que ele fez. Realmente, ele resolveu peitar o desembargador.
E, curiosamente, a coisa mais estranha é que às 9h24 chegou aqui no sistema o certificado de que havia a determinação com o alvará de soltura do Lula. A “contraordem” do Moro se dá ao meio-dia. Ou seja, das 9h24 ao meio-dia, por que a Polícia Federal não soltou? Quer dizer, tinha alguma coisa muito estranha: os telefonemas. Por telefone, se susta uma ordem escrita de um desembargador. Que justiça é essa? Aí começa o zumzumzum. O Moro despacha ligação para Gebran, despacha ligação Carlos Eduardo Thompson Flores, fica nesse frenesi desesperado. Isso não é postura de um juiz. Isso pode ser a postura de um político, mas um juiz jamais poderia se comportar desse jeito. Um juiz que se comporta desse jeito não tem isenção, não tem imparcialidade, logo é um juiz suspeito, e ele não pode conduzir esse processo. Isso está na cara.
E não bastasse isso, ele dirige uma “consulta” – entre aspas, pois não existe essa figura no Direito Processual -, sem jurisdição nenhuma, pois ele está de férias, e mesmo que não estivesse não teria jurisdição, porque a fase cognitiva do processo já terminou. Ele dirige essa “consulta” para o relator Gebran, que curiosamente conhece essa “consulta”, que é um ato inexistente, e usa essa “consulta” para dar uma “contraordem” em relação à decisão do juiz plantonista, que tinha jurisdição no caso, já que o Gebran estava fora.
O que seria o correto: o juiz plantonista decidia, soltavam o Lula, no dia seguinte o processo iria para o relator, e o relator poderia evidentemente dar a contraordem. Mas não. Ele simplesmente fora do plantão resolveu chegar lá e dar uma contraordem à decisão do desembargador plantonista. Ou seja, ele é outro que também atravessou.
E não é só isso. O Favreto volta a afirmar a competência dele, e ele está certíssimo, pois ele é o único competente nesse momento, e dá uma hora para a Polícia Federal cumprir o alvará. Ora, o Brasil inteiro já sabia que ele tinha dado essa ordem. A Polícia Federal fez ouvido de mercador, porque ali por trás já tinha o, chefe da PF, Rogério Galloro sabendo pelo ministro Raul Jungmann que não era para obedecer a ordem, porque o, presidente do TRF4, Thompson Flores já tinha ligado para lá dizendo “eu vou decidir mais tarde, segura aí”. Também, mais uma vez, Carlos Eduardo Thompson Flores agiu além da jurisdição dele, violou profundamente a ética jurisdicional e pior, sem ter conhecimento dos autos.
Então o desembargador Thompson Flores não tinha jurisdição sobre o caso?
Ele não tinha jurisdição e não sabia do que se tratava. Quem falava pelo Tribunal naquele momento era o Favreto. Ele manda segurar e só às oito horas da noite ele solta a decisão dele e, enquanto isso, manda desobedecerem à ordem de um colega. Isso é uma esculhambação, não tem outro nome. Isso é coisa de moleque. É coisa de moleque. Não tenho outra expressão para designar o que aconteceu.
Acredito sim que Moro, Gebran e o Thompson Flores deverão responder por isso ao CNJ. E, se a justiça do Brasil é séria, deverá puni-los administrativamente pelo que eles “aprontaram” ontem. Isso é uma pouca vergonha, é de ficar todo mundo de queixo caído. Eu tenho mais de 35 anos de atuação na Justiça, e eu nunca vi coisa igual. Nunca vi coisa igual. Para mim isso foi um escândalo. Eles jogaram a justiça na lama. Eles tinham que ter tido paciência. O Lula ia fugir para onde? Ele provavelmente não sairia nem de Curitiba, porque ele é uma pessoa escolada, ele sabe do limite das coisas. Ele ficaria em Curitiba aguardando a decisão do tribunal, porque ele sabe que a decisão de um plantonista é uma coisa absolutamente transitória. Mas não. Eles resolvem botar os pés pelas mãos e com isso passar por todas as regras de jurisdição e de competência.
Muito se falou da amizade entre o Gebran e o Moro e a impossibilidade de que o Gebran fosse o relator do caso.
Sobre isso eu não tenho conhecimento profundo, mas me falaram que haveria um grupo de whataspp entre Gebran, Moro, Fachin e todo mundo que mexia no processo. Se isso for verdade, essa é outra coisa que realmente é horrorosa, porque isso subverte toda regra do duplo grau de jurisdição. Se o primeiro, o segundo e o terceiro grau de jurisdição estão combinados entre si, então qual é o direito ao duplo grau de jurisdição que existe? Não existe nenhum. Ou seja, abaixa a decisão de primeiro grau e a partir daí tudo vai sendo combinadinho entre um e o outro.
O senhor disse ontem que Lula estaria “sequestrado”.
Sim. Porque no momento que existe uma ordem legítima de soltura do presidente Lula e ele é mantido encarcerado, por capricho de magistrados sem jurisdição, ele não está preso legitimamente, ele está sequestrado, ele está em cárcere privado. Ele está sequestrado. Isso não é uma prisão legítima. A prisão legítima pressupõe que ela seja ordenada por autoridade competente, imparcial e instituída por lei. No caso, não havia nada disso. Era um juiz de calção em Portugal, despachando nas coxas, e o outro aqui no Brasil atendendo ao clamor do seu amiguinho. Isso não é juiz. Isso é um sequestro. É um sequestro feito por um grupo articulado, que se fosse outro tipo de atividade se diria que era uma organização criminosa.
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“Lula sabia que era inviável, pela postura da Justiça e da Mídia”. Entrevista com Eugênio Aragão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU