09 Julho 2018
No final de maio foi entregue ao Papa Francisco um volume - Tragédia e prova do sacerdócio no México - que narra a morte de 24 sacerdotes no país nos últimos quatro anos (2014-2018, a presidência de Enrique Pena Nieto). Hoje, o número chega a 26. Um crescimento impressionante em comparação com o quadriênio anterior que registrou 17 assassinatos.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 06-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os relatos e crônicas da perseguição anticristã dessas últimas décadas fazem distinção entre "opressão" e "violência".
A primeira é exercida mediante as leis, pressões sociais e administrativas, além de violência institucional e não institucional. O caso mais óbvio é o fundamentalismo islâmico em muitos países do Oriente Médio, Ásia e África.
A segunda está ligada à ausência do Estado e da autoridade que favorece uma violência endêmica e deixa espaço para explosões de violência pessoal ou ao crime organizado que imediatamente lança mão ao homicídio, em especial das figuras mais expostas, como religiosos e sacerdotes.
Esse é o caso em alguns países da América do Sul, como Colômbia, El Salvador e México. Neste começo de 2018, já são 7 padres mortos nesses países dentre os 15 registrados (abril) pela Agência Fides.
Inclusive a morte dos seis padres na África ocorreu em países onde o fundamentalismo joga com a anarquia e com uma guerra étnica e civil disseminada (Malawi, África Central, Congo, Costa do Marfim, Nigéria).
Na América Latina, onde vivem 8% da população mundial, ocorrem 33% dos assassinatos. Brasil, Colômbia, México e Venezuela respondem por 25% dos mortos em todo o mundo. Desde 2000, as mortes violentas na área somam 2,5 milhões de pessoas e é onde estão localizadas 43 das 50 cidades consideradas as mais perigosas do mundo.
No México, o caso do assassinato de padres surge em uma transição epocal do país. Há várias semanas o drama de imigrantes que do país e da América Latina se aglomeram nas fronteiras do sul dos Estados Unidos mostrou a desumana truculência da presidência de Trump.
Em 1º de julho passado 88 milhões de eleitores mexicanos (de 120 milhões de habitantes), elegeram com 53% dos votos um novo presidente, Andrés Manuel López Obrador, dando-lhe uma maioria nas duas câmaras, entre os governadores e na capital.
A orientação do centro-esquerda da nova força política (com o slogan "Juntos, vamos fazer história") anuncia-se como uma significativa novidade diante dos desafios da presidência norte-americana.
O muro, a reescrita do tratado de livre comércio e as tarifas projetam o país em uma condição inexplorada. Não poderá mais atuar em integração e sinergia com os EUA. A lógica das cadeias produtivas transfronteiriças e da divisão internacional do trabalho (as tecnologias e os capitais nos EUA, mão-de-obra barata e produção no México) não funcionará mais. O desafio para o México é muito alto: dependerá do país a redefinição das relações entre o Norte e o Sul de todo o continente.
A questão do clero deve ser colocada dentro dessas provocações e, acima de tudo, dentro da degradação da sociedade civil no país.
Os cartéis de drogas ocupam regiões inteiras e constituem o verdadeiro poder local. O México é o terceiro produtor mundial de heroína e maconha. Com o perigo de que novos produtos opiáceos provenientes da China (fantanil) pressionem ainda mais os produtores locais.
Em 2017, somente na região de Guerrero ocorreram 25.400 vítimas de assassinado. No primeiro trimestre deste ano já são 5.600.
Os 26 religiosos mortos, registrados na obra mencionada graças ao trabalho da Católica Center Mídia (CCM) colocam-se dentro de uma prática de ameaças de morte aos padres que, apenas em 2017, foram mais de 800. Sem contar as inúmeras tentativas de extorsão.
A gravidade das agressões está ligada à figura do padre. Se o submundo, organizado ou não, pode matá-lo, então significa que ninguém está a salvo e que as grandes periferias do país são abandonadas à própria sorte. Dessacralizar sua figura significa impor o terror e a cultura do silêncio, matar a harmonia e impedir o intercâmbio comunitário.
A presença maciça dos militares (50 mil homens) é muitas vezes apenas um problema adicional para alianças escusas com os produtores e os cartéis de drogas.
O clima de medo e insegurança não impede, mas condiciona o trabalho pastoral e a própria consciência sacerdotal. Até quando a homilia pode ser explícita? Como se regular com os sacramentos solicitados por aqueles que aderem aos cartéis? Como lidar com formas doentes de religiosidade popular como adoração de Jesus Malverde (um traficante de drogas do começo de 1900 reconhecido como patrono) ou o culto da deusa-morte? Como garantir a própria segurança?
Nos seminários, especialmente em regiões de risco, registra-se um declínio significativo das presenças. Os seminários também estão em risco. Tanto é assim que induziu a conferência episcopal a publicar um Protocolo de Segurança. A sugestão para as dioceses é montar uma célula de crise e um grupo de segurança. Aos padres aconselha-se não sair à noite, equipar a casa paroquial da câmera e alarme, manter-se em bom estado de saúde, aprender a dirigir de forma defensiva a fim de escapar, equipar-se para comunicar aos vizinhos uma possível urgência, informar sobre os próprios horários e os deslocamentos programados, informar regularmente sobre si próprio e sobre a própria localização.
A campanha eleitoral exacerbou as tensões e a violência é uma estratégia política de controle social útil tanto aos traficantes de drogas, como também à polícia e ao exército.
O episódio que viu o bispo de Ciudad Victoria, Antonio Gonzáles Sánchez, é muito significativo. Para evitar o pânico e garantir a população, ele se encontrou com alguns líderes do cartel de drogas para propor uma trégua, pedindo simultaneamente aos candidatos políticos para evitar fraudes eleitorais e honrar as promessas feitas.
Depois de resolver um primeiro caso relacionado a um padre ameaçado transferindo-o para outro lugar, se multiplicaram os pedidos: da reconexão de gás e eletricidade para um vilarejo ao fornecimento de gasolina às distribuidoras, da garantia de vida para os motoristas de transportes públicos às tentativas de evitar sequestros e assassinados.
Irresponsável perante a questão da legalidade e à luta contra o narcotráfico? O bispo está ciente da delicadeza de seu papel e das acusações que a administração pública lhe dirige. Diante da desarticulação dos cartéis das drogas pela prisão de líderes e a multiplicação das vinganças transversais, ele realiza um trabalho de mediação em uma terra que conheceu sete assassinatos por dia em 2017.
Após as recentes eleições, aguarda esperançoso a aprovação da anistia aos pequenos cultivadores da matéria-prima da heroína e aos "trabalhadores" dos cartéis proposta pelo novo presidente, Obrador. Sua tarefa como mediador será então concluída. É claro que, entre os próprios traficantes, existe a convicção que os filhos não devam seguir o seu exemplo.
Algumas comunidades religiosas, especialmente jesuítas, e algumas paróquias, experimentaram caminhos de reconciliação popular. Nas famílias e nas relações comunitárias, a dimensão do perdão e da reconciliação permitiu resultados significativos de pacificação. As pessoas comem juntas, rezam juntas, são envolvidos os avós e as crianças, visitam juntas os cemitérios (memórias) e celebra-se nas praças. O convite para tecer novamente as relações nas famílias (laceradas pelo mercado de drogas e pela emigração) e o envolvimento com os empresários locais e os poderes administrativos deram bons frutos. A convicção é que a violência não se extingue com dinheiro ou armas. Ela desaparece com o entrelaçamento de laços sociais e comunitários.
A renovação social e política têm dado força às palavras do Papa Francisco em 2016 aos bispos que, em um projeto global pastoral de longo prazo (mais de setenta páginas), desenvolvem as urgências da reforma eclesial em torno da referência cristológica e mariana (2031 é o 500º aniversário da aparição de Nossa Senhora de Guadalupe e 2033, o segundo milênio da redenção).
Jesus, como um companheiro de caminho, e Maria, como um símbolo da unidade do povo, desencorajam atitudes de individualismo e de arrogância que contradizem a vida de comunhão. "Lamentamos - escrevem os prelados - o desaparecimento e morte de milhares de jovens ocorridos recentemente, os feminicídios, os rios de sangue que atravessaram as nossas cidades. A introdução de uma narco-cultura em nossa sociedade mexicana, da obtenção de dinheiro e ganhos fáceis e rápidos a qualquer custo, prejudicou profundamente a forma de pensar de muitas pessoas; a isso se somam outros fatores, como a perda de valores, desintegração familiar, a falta de oportunidades de emprego, empregos de baixa remuneração, corrupção, ingovernabilidade e a impunidade".
A possibilidade de um renascimento também está ligada à obstinada vontade de bem dos sacerdotes da periferia, como o jovem Emanuele do seminário de Ciudad Altamirano que confidencia ao La Croix (25 de junho): "Há um povo para ser evangelizados. Boas pessoas que são levadas a fazer coisas ruins. Há muito a fazer e nós estamos ali para fazê-lo”.
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México: a matança de padres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU