08 Junho 2018
"Percorrendo as duas obras, buscaremos recortar o que os diferentes autores disseram sobre o que significou Medellín para a vida da Igreja, localizando-o, primeiro, no contexto em que se realizou", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão Província do Sul (padres vicentinos), mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e doutorando em Teologia pela mesma Universidade.
Jubileu de ouro. É a celebração dos 50 anos da II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano realizada em Medellín no ano de 1968. Medellín marcou decisivamente a vida e a caminhada da Igreja na América Latina. Não é um evento do passado... Celebrar este aniversário é, portanto, de fundamental relevância: para acordar em nós a memória para fatos passados, cujo significado, hoje, merece ser conservado, revisitado e transmitido.
Cinquenta anos depois de sua realização, na situação que vivemos hoje socialmente e eclesialmente, onde se levantam muitas interrogações, e nos deparamos com muitas perplexidades, somos convidados a três atitudes: a gratidão, a paixão e a esperança[1]. Em primeiro lugar olhamos com gratidão o evento Medellín, em segundo lugar buscaremos viver com paixão o presente e, em terceiro lugar buscaremos abraçar com esperança o futuro, trazendo para o tempo atual aquele grande evento de meio século atrás. Olhamos com gratidão o passado não “para fazer arqueologia nem de cultivar inúteis nostalgias, mas de repercorrer o caminho de gerações para nele captar a centelha inspiradora, os ideais, os projetos, os valores que as moveram”. Vivemos com paixão o tempo presente, pois, a “lembrança agradecida do passado impele-nos numa escuta daquilo que o Espírito diz hoje à Igreja” e abraçando com esperança o futuro “perscrutamos novos horizontes”.
Para isso, servimo-nos de duas obras recentemente publicadas no Brasil, as quais buscam revisitar Medellín. A primeira obra organizada por Manoel Godoy e Francisco de Aquino Júnior - e publicada pela Editora Paulinas é intitulada: 50 anos de Medellín. Revisitando os textos, retomando o caminho. A segunda obra foi organizada por Ney de Souza e Emerson Sbardelotti - e publicada por Editora Vozes traz como título: Medellín: memória, profetismo e esperança na América Latina. Godoy e Aquino Jr destacam na apresentação da obra: “queremos ter um livro guia que revisite o tom profético de Medellín no contexto do pontificado do Papa Francisco e lance luz para a resistência histórica dos crentes pobres do continente latino-americano e caribenho. Os dezesseis títulos do documento final de Medellín foram revistados por nossos autores com essa perspectiva de nos inspirar outra vez, antes os desafios dos tempos atuais”. Por sua vez, registram Souza e Sbardellotti: “uma forma de homenagear esse acontecimento é reunir os teólogos e as teólogas de vários estados do Brasil e de fora do país para apresentarem reflexões (a partir do texto de Medellín) e proporem discussões em que Medellín seja atualizada, criando-se perspectivas e prospectivas que estejam em sintonia com o pensamento e as ações do Papa Francisco”.
Percorrendo as duas obras, buscaremos recortar o que os diferentes autores disseram sobre o que significou Medellín para a vida da Igreja, localizando-o, primeiro, no contexto em que se realizou. Depois destacaremos as principais opções teológicas e pastorais decorrentes deste evento. E finalmente, olhando para a Igreja atual sob o pontificado do Papa Francisco, apontaremos algumas perspectivas de futuro, indicando caminhos a prosseguir.
“É o maior evento eclesial do continente no século XX. Medellín foi o Vaticano II da América Latina. É o nosso Pentecostes” (Godoy e Aquino Jr). É “um divisor de águas na história do continente” (Lima). Esta conferência “instaura um marco fundamental na caminhada da Igreja Latino-Americana” (Teixeira). “Sela a ata de nascimento de uma Igreja com rosto latino-americano” (Beozzo). Foi a “consolidação de uma consciência de identidade eclesial latino-americana” (Domezi).
Realiza a “recepção criativa do Vaticano II para a América Latina e Caribe” (Ferraro). É a “releitura latino-americana do Concílio”(Taborda). Assumindo, portanto, a “tarefa de recepcionar o Concílio Vaticano II no continente latino-americano, e essa é, ainda hoje, uma das suas maiores características” (Kuzma). Tornou-se o “símbolo de uma recepção criativa do Vaticano II, levado a cabo pela Igreja na América Latina” (Brighenti). Tudo que “ai foi gestado, amadurecido, decidido e praticado tem como pano de fundo o Concílio Vaticano II. É comum dizer-se que o verdadeiro espírito e a recepcio mais autêntica deste Concílio, mais do que em outras partes da Igreja, deu-se aqui em nosso continente” (Lima).
Essa “recepção criativa e dinâmica do Vaticano II foi acontecendo a partir dos diversos níveis eclesiais. Em certos momentos, com dinamicidade maior; em outros, com passos lentos” (Souza). Significou para as “Igrejas da tradição católica no continente o surgimento de uma Igreja propriamente latino-americana, na qual ela começa um processo de inserção no continente que toma a cara e a cor dos nossos povos” (Barros). “Foi como que seu batismo de fogo e sangue” (Altemeyer Jr). Foi um “momento decisivo na história do catolicismo latino-americano” (Souza), a “consagração do novo que aqui surgiu” (Boff), “efetivamente, os anos que se seguiram à Conferência de Medellín foram muito especiais para a atuação e a presença da Igreja na América Latina” (Manzatto).
Desde a “liturgia até o ecumenismo, perpassado pela eclesiologia, pelo laicato, pelo episcopado e pela formação do clero não faltaram esforços para consumar o Concílio” (Souza). O “evento-Medellín ensina para além de sua textualidade canônica, como processo e tomada de consciência e de atuação da Igreja na história, de onde emergem experiências pastorais, reflexões e testemunhos que encarnaram o Evangelho na história. O projeto é mais amplo que o texto e efetivou-se de modo nem sempre idêntico nas diversas realidades. Se o texto reproduz uma objetividade, a prática é sempre mais ampla e flexível na medida em que seleciona, subtrai ou acrescenta algo ao texto” (Passos).
Por isso, é necessário distinguir entre o “evento (conferência, documento) e o processo gestado/desencadeado por este evento (imaginário e dinamismo eclesiais), o ‘Medellín histórico’ e o ‘Medellín simbólico’ ou ‘querigmático’, ou seja, o mais importante “não foram os textos, mas o significado e o símbolo que se tornou para a Igreja e para o continente latino-americano”. Por isso, “vale mais pelo que sugere e inspira do que pelo que diz materialmente” (Aquino Jr), “é um espírito, um ponto de partida, que continua fazendo caminho em nossas comunidades eclesiais” (Brighenti).
A “herança de Medellín é uma Igreja em permanente busca e sua fidelidade a Jesus Cristo e à realidade que a desafia”(Passos). Este evento soube encarar “sem escamoteações a realidade da América Latina, tê-la devidamente expressado e corajosamente assumido opções condizentes com a mesma. Não teve em vista oferecer grandes exposições doutrinais, mas aplicando a este continente as conquistas do Vaticano II” (Miranda). “Medellín é como que o momento oficial do nascimento da teologia propriamente latino-americano” (Manzatto), “traduziu na prática a definição de Igreja como Povo de Deus” (Beozzo). O “método ver-julgar-agir, já ensaiado por João XXIII na Mater et Magistra e proposto na Gaudium et Spes, de se examinar os acontecimentos os sinais dos tempos, como ponto de partida para a reflexão teológica, foi integralmente abraçado por Medellín” (Beozzo).
Com Medellín, a Igreja na América Latina e no Caribe deixou de ser uma “igreja reflexo do milenar eurocentrismo para desencadear um processo e tessitura de um rosto próprio e de uma palavra própria” (Brighenti). A “atenção aos sinais dos tempos quanto à opção pelos pobres já vinham da época do Concílio e estão presentes em documentos como a Gaudium et Spes, mas receberam plena cidadania na Conferência de Medellín” (Barros). Distinguiu-se pela “opção pelos pobres, assumida sem adjetivos” (Taborda), “fez da denúncia das injustiças, da opção preferencial pelos pobres e de uma Igreja servidora e pobre, aliada dos pobres e de suas causas, o fio condutor do seu projeto eclesial” (Beozzo).
Firma “a opção pelos pobres, fortalece a nova reflexão teológica que se consolida na Teologia da Libertação, abre, a partir das Comunidades Eclesiais de Base, para um novo paradigma eclesiológico, onde os pobres são considerados novos sujeitos sociais e eclesiais. A centralidade do pobre torna-se uma marca característica da fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha e a partir dela vai imprimindo esta nota para a Igreja do mundo todo”(Ferraro), “vindo à tona dois elementos fundamentais da configuração da Igreja, fruto da recepção criativa do Vaticano II: uma Igreja sacramento do Reino, em perspectiva de diálogo e serviço com as demais Igrejas, religiões e sociedade autônoma e pluralista; e uma Igreja pobre e dos pobres, para que a Igreja seja de todos, num Subcontinente marcado pela pobreza e a exclusão”(Bighenti). Foi, por isso, o “grande passo adiante representado por esta Conferência Episcopal” (Taborda).
Mais avançado que o “Vaticano II, porque no Vaticano II a opção pelos pobres foi de uma minoria, quase clandestina, comandada por Dom Helder Câmara. Medellín faz a opção pelos pobres, Medellín, faz a opção pelas comunidades, Medellín faz a opção pela militância, a partir da fé” (Godoy e Aquino Jr). Os “pobres são tratados como sujeitos, não reduzidos a objetos de cuidado, ou de prática assistencialistas” (Souza e Sbardelotti).
É a “expressão de uma presença da Igreja na América Latina, pontuada pela coragem profética de reagir contra a situação de miséria, injustiça e alienação que marcavam o continente naquela ocasião” (Teixeira). A “teologia dos sinais dos tempos fez Medellín refletir os problemas pastorais a partir da realidade social e política do continente” (Barros). Tendo essa “eclesiologia como base, desenvolveu-se robustamente um pensamento teológico original, como reflexão dessa prática libertadora de comunidades e cristãos engajados nas mais diversas frentes de defesa da vida” (Godoy e Aquino Jr). Impulsionou “um novo comportamento da Igreja Católica e no Caribe, mais integrada com a sociedade e com as diferentes Igrejas existentes no continente” (Wolff). “Traçaram uma rota que a Igreja seguiria nos anos seguintes em todo o continente, e que constituiu não apenas sua identidade específica, mas também sua contribuição mais contundente para a maneira de ser e compreender a Igreja em todo o mundo”(Manzatto).
A “Teologia da Libertação tornou-se um dos grandes legados dessa eclesiologia advinda do espírito de Medellín” (Godoy e Aquino Jr). A Teologia da Libertação “embora beba da referencialidade do texto, constitui um exemplo das possibilidades de fazer o paradigma avançar de modo crítico e construtivo na medida em que recorta novos objetos no ato e reflexão. O que fora lançado em Medellín e pensado pela Teologia da Libertação está, agora, suprassumido pelo magistério universal” (Passos).
Medellín deu os “primeiros passos na direção do sonho que caminhássemos não apenas para conferências episcopais, mas para assembleias do Povo de Deus, como forma mais acabada de realização do que está proposto na Lumen Gentium, ao definir a Igreja como Povo de Deus, ou seja, em que todos os batizados gozam de plena cidadania dentro da Igreja” (Beozzo).
“Há um antes (o processo de preparação e os antecedentes), um durante (a realização da II Conferência Geral dos Bispos do Continente) e um depois (o processo de recepção) de Medellín. E tudo isso pertence a Medellín” (Brighenti). Da “cronologia da II Conferência recolhe-se a sua kairologia” (Passos).
Retomar Medellín “é resgatar a dimensão profética e pedagógica da Igreja como fonte de orientação para os caminhos da missão eclesial no mundo de hoje construindo respostas novas e emergentes que colaborem na construção de estruturas de humanização e vida digna para todos” (Costa). Retomar Medellín “após 50 anos e manter viva sua memória é um convite a refletir sobre o contexto que o gerou, para que se possa fazer sua atualização e apontar perspectivas e prospectivas que estejam em sintonia com os objetivos do Concílio Vaticano II, com também, não sem ambiguidades, retrocessos, avanços, com os objetivos presentes em Puebla (1979), Santo Domingo (1992), Aparecida (2007) e aproximando o texto de Medellín das palavras e ações presentes na vida e missão do Papa Francisco” (Ferraro).
Os 50 anos da Conferência de Medellín “provocam a memória, interrogam a consciência do presente e atiçam a expectativa para o futuro” (Passos). “Medellín deu seu fruto e, cinquenta anos depois, como no Ano do Jubileu, talvez tenha chegado o momento de começar a história de novo” (Manzatto). Isso porque “já não estamos no contexto da década de 1960 e os sinais dos tempos exigem fazermos uma segunda recepção tanto do Vaticano II como de Medellín. Na fidelidade a seu espírito, é preciso situá-los em relação aos desafios da modernidade tardia” (Bighenti).
Sua “recepção ainda permanece como uma realidade nova e aberta, mesmo depois de 50 anos ainda conclama e nos exorta a uma Igreja de diálogo e de constante renovação” (Kuzma). O “legado de Medellín se encontra hoje na Igreja universal como dom do Espírito oferecido a toda comunidade dos seguidores de Jesus Cristo no presente da história, expressando-se em doutrinas, em práticas simbólicas, em métodos e em sujeitos eclesiais concretos” (Passos).
“Revisitando Medellín, há belas iniciativas a resgatar, novos caminhos a trilhar, com a audácia dos que se deixam guiar pelo Espírito, e, sobretudo, novas respostas a dar aos desafios concretos de nosso tempo” (Brighenti). Neste “redescobrimento de Medellín, busca-se reafirmar e reassumir a opção pelos pobres, o Pacto das Catacumbas da Igreja pobre e servidora, o método ver-julgar-agir, acrescido do rever-celebrar-sonhar, que para muitas pessoas será a primeira experiência desse chamado do Espírito Santo que há cinco décadas ecoa por este chão continental semeado com o sangue dos mártires da caminhada no seguimento do Mártir Jesus de Nazaré. O Povo de Deus ainda continua andando no deserto, apesar dos ares primaveril trazidos por Francisco, o papa vindo do fim do mundo” (Souza e Sbardelotti)
“As intuições primeiras de Medellín já apontavam para uma Igreja em saída, pois Medellín é inteiramente fiel ao Vaticano II, e quer ser uma Igreja para fora, com cheiro das ovelhas como pede Papa Francisco” (Souza e Sbardelotti), a “substância da II Conferência se encontra viva e reafirmá-la de novo em nossos dias de mundo globalizado significa afirmar a fé na Igreja de Jesus Cristo pobre com os pobres contra todos os triunfalismos, a Igreja servidora contra os poderes sagrados que dominam em nome de Deus, a Igreja povo de Deus contra todo clericalismo, a Igreja em saída contra todas as fixações fundamentalistas e burocráticas, a Igreja da esperança contra todos os conformismos com a ordem reinante” (Passos).
Em relação à Justiça: “Colocando-a como apóstola da justiça distributiva ou social para além dos parâmetros tradicionais da justiça comutativa, os bispos da América Latina e Caribe inauguram um novo tempo na Igreja – um kairós – no qual o Reino de Deus anunciado e tornado presente em Jesus de Nazaré pode ser visto, porque presente nas práticas dos cristãos, em prol da defesa e promoção da vida, em especial dos pobres e excluídos”(Brighenti). “Cada momento histórico tem suas características e exigências próprias. Resta destacar a atualidade sócio-eclesial da problemática injustiça x justiça. Ela diz respeito tanto ao processo de aprofundamento e complexificação da injustiça no mundo quanto ao processo de auto-fechamento eclesial e de subjetivação da fé nas últimas décadas. Não há dúvidas de que o desafio maior de nosso contexto histórico é construção da justiça, entendida como garantia do direito dos pobres e marginalizados de nosso tempo. Não aconteça que, ocupada com coisas mais religiosas e sagradas, a Igreja passe à margem do Senhor, caia à beira do caminho (Lc 10,25-37) ou se recuse a serví-lo na humanidade sofredora que é, n'Ele, juíza e senhora de nossas vidas, de nossa sociedade, de nossa Igreja e de nossa teologia” (Aquino Jr).
Em relação à Paz: “O eixo de referência para a evangelização na América Latina na trilha de Medellín, foi o compromisso com a causa da justiça e do trabalho em favor da paz. O papa Francisco retoma esse itinerário de Medellín, centrando sua atenção na escuta e no clamor os pobres e no exercício evangélico da misericórdia. O desafio que ele lança para a Igreja é o de alongar mais o olhar e abrir os ouvidos ao clamor dos outros povos. O tema da paz volta a ganhar centralidade, e ela vem entendida como um processo artesanal, envolvida no processo amplo e complexo de abertura ao outro” (Teixeira). “Daí que a promoção da paz é parte integrante da missão da Igreja, colocada por Cristo como sinal e instrumento de paz no e para o mundo. Se não nos parece estranho o protagonismo da sociedade civil como sujeito de projetos morais em prol da paz, o discipulado cristão exercido na seara política promove uma espécie de ética cívica da paz, que é gérmen da cultura da paz e da solidariedade. A construção de uma cultura e paz, mediante a consolidação de políticas públicas e participação ativa na vida política e na defesa dos direitos civis, reclamam o enfrentamento de uma miríade de formas de violência. Se nos deparamos com a ausência de cristãos e lideranças que se dediquem a uma atuação mais criativa, ousada e cidadã, sobretudo nas esferas de governo, primeiras responsáveis pela consecução do bem comum, Medellín relembra que uma forte e viva fé em Cristo e uma decisão radical de segui-lo pelos caminhos da paz, como Ele a anunciou e a testemunhou com sua vida, sua morte e sua ressurreição, é impulso para assumir o amor preferencial pelo pobre”(Toneti).
Em relação à Família: “Medellín avança decididamente na busca de compreender quais transformações socioculturais mais impactam esta experiência e missão no campo familiar. Acentuam-se os contextos precários das famílias para desenvolverem seu protagonismo, e se vê nisto um mega-desafio pastoral, ou seja, a necessidade de se dotar a família atual de elementos que lhe restituam a capacidade evangelizadora. Em meio a essas transformações cada vez mais velozes se percebe como pode ser decisivo acentuar a importância à vocação às pessoas concretas, sujeitos individuais, comunitários e coletivos, e de suas respostas criativas serem dadas na atualidade dos contextos e situações” (Fabri dos Anjos). O “papel da Igreja, por sua vez, tem sido justamente o de promover a aproximação do diálogo, com generosidade e misericórdia no âmbito familiar. Inúmeras iniciativas nas pastorais, equipes e movimentos da Igreja realizam um serviço de escuta e acompanhamento às famílias nas suas mais diversas realidades. Certamente a pastoral familiar almejada por Francisco requer uma pastoral de conjunto, a saber, um esforço que integre a pastoral familiar, a pastoral da criança, a pastoral do idoso, a catequese, a pastoral do batismo, entre outras, assumindo com alegria o convite de sair para oferecer a vida de Jesus Cristo” (Soares de Souza).
Em relação à Educação: “A educação é definida como espaço e projeto libertador. É aquela que transforma e que nasce da base. Nasce das dos oprimidos e quer ser voz dos sem voz. Inspirados no Documento sobre a Educação proclamado por Medellín, pode-se desenhar um projeto de uma escola cristã alicerçada em cinco pilares: 1. Uma escola que contribua com a justiça social em atos de solidariedade concretos. 2. Uma escola que permita e valorize a expressão da liberdade. 3. Uma escola que se abra às questões da ecologia integral. 4. Uma escola que valorize as novas relações entre jovens, adultos, imigrantes e outros povos numa visão planetária. 5. Uma escola que estimule aos jovens a descoberta de sentido em suas vidas. E, enfim uma visão educativa que transforme cada pessoa humana em um educador e intelectual” (Altemeyer Jr).
Em relação à Juventude: A “juventude, em suas palavras e gestos, faz profecia hoje” (Fernandes da Costa). “Os jovens emergem hoje como tema, como categoria, como movimento, como organização, como política pública. O que precisa ficar da presença dos jovens no contato com a evangelização e da pastoral é a sua grande ênfase no seguimento de Jesus como metodologia para uma vida e identidades cristãs e como resultado desse seguimento, a continuação-construção do Reino de Deus com seus valores e práticas, numa síntese autêntica para uma vida mais humanizada” (Cardozo). A evangelização da juventude exige, ainda, “uma atualização permanente do conhecimento de sua subjetividade. A juventude latino-americana não quer mais ser invisível. Quer ser reconhecida no mundo em que todas as suas decisões importantes estão nas mãos das pessoas adultas”(Sbardelotti).
Em relação à Pastoral Popular: “a forma de universalidade cristã não está no aspecto quantitativo, realidade que, segundo Congar, a Bíblia olha com desdém. Sua essência é constituir o pequeno rebanho daqueles que por meio da qual Deus quer salvar a multidão. E isso supõe que sejam evitadas as tentações de reduzir a opção cristã à conversão individual, à mudança de coração; eleger as massas como minorias; aceitar a reciprocidade estrita entre conversão individual e não separação da função transcendente do Evangelho da sua função imanente (de caráter político, por exemplo). São formas de contentar-se com uma universalidade quantitativa. Mas sobra a pergunta: abolir as manifestações ‘quantitativas’ de massa, sobretudo as já consagradas pela tradição? Tendo em conta que as classes média e alta pouco participam, estas têm papel ‘pedagógico’: fazem os cristãos-católicos sentirem que não estão sozinhos ante os desafios que a vivência da fé enfrenta. Mas há que se ter presente que isso pouco muda em termos de participação à vida da Igreja, que cresce mesmo na vida dos cristãos confinados à graça, no tecido comum da vida cotidiana” (Benedetti). Frente a isso se destaca a caminhada das Comunidades Eclesiais de Base “nestas cinco décadas, podemos observar uma interação entre CEBs e a religiosidade do catolicismo popular, estabelecendo um intercâmbio ora solidário, ora conflitivo e que demonstra um potencial de influência mútua na medida em que as CEBs deitam suas raízes no catolicismo popular e, ao mesmo tempo, se distinguem dele como sua expressão comunitária e libertária, assumindo o protagonismo de um novo modelo eclesial, pautado pela consciência de ser Povo de Deus, na perspectiva do Vaticano II e fator de transformação no interior da sociedade. Se articulam por causa da ligação da fé com a vida, com outros setores libertários do movimento popular, da luta das mulheres, dos negros e dos povos indígenas, como também do movimento sindical e dos partidos políticos ligados às lutas populares, são desafiadas a cativar cada vez mais pessoas que vivem da religiosidade popular no catolicismo popular, como também as pessoas que estão nas Igrejas pentecostais e neopentecostais, para reforçar o projeto de uma sociedade justa, fraterna e igualitária. E, para que seja assegurado um futuro para este projeto, as CEBs são desafiadas a cativar jovens, que levarão adiante sua construção”(Ferraro).
Em relação à Pastoral das Elites: “Em Medellín, os bispos propuseram que se apresente cada vez mais nítido na América Latina o rosto da Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada do poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação de todo ser humano e de cada pessoa por inteiro. Esse critério fundamental com o qual se deve hoje rever a chamada pastoral das elites e a partir da qual podemos reler o Documento 7 de Medellín: como diz hoje o papa Francisco: uma Igreja em saída” (Barros). Antes de tudo, “é preciso reconhecer e insistir que a Igreja tem a missão de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo a todas as pessoas. Não pode excluir ninguém nem se fechar a ninguém, independentemente de raça, cultura, sexo, orientação sexual, etc, e até mesmo de classe social. Nesse sentido, é legitima e necessária uma pastoral-evangelizadora entre as elites ou entre outros setores dominantes da sociedade. Mas se trata sempre do Evangelho de Jesus Cristo que é Boa-Notícia do Reinado de Deus. E isso tem consequências e exigências que não podem ser relativizadas e suavizadas de acordo com os gostos e interesses. Não se pode adocicar o Evangelho para agradar e agregar as elites nem adequá-lo a seus interesses. Nem se pode esquecer que o Evangelho provoca reação e oposição. O Evangelho é o mesmo para todos, ainda que com consequências e exigências diferenciadas. Daí por que esta pastoral das elites não deve ser separada da pastoral e toda a Igreja atento para o risco e a tentação de gueto elitista no trabalho pastoral evangelizador com setores dominantes da sociedade- grupos ou comunidades só de pessoas da elite, onde pessoas dos setores pobres e marginalizados não podem participar. Convém não criar a ilusão de conversão e de adesão de toda elite ao Evangelho. Sempre haverá resistência e oposição. E não se pode sacrificar o Evangelho para agradar e agregar as elites. Se a Igreja deve anunciar o Evangelho a todas as pessoas, não pode jamais sacrificar o Evangelho para ter a adesão de todas as pessoas. E, assim, a Igreja se abre e se dirige a todos para anunciar um Evangelho que é causa de alegria para uns e de tristeza para outros e que provoca adesão de uns e rejeição e perseguição de outros”(Aquino Jr).
Em relação à Catequese: “Temos uma nova realidade, mas os princípios básicos de Medellín continuam importantes e funcionais. Medellín nos chamou a adaptar a evangelização às reais necessidades dos destinatários. A informática mudou o comportamento das pessoas, crianças e jovens têm posturas diferentes, valores importantes foram deixados de lado na educação, e isso se reflete na cultura, nos ideais (ou na falta deles), no que se vê no cinema, na televisão, na conversa dos jovens e no que se passa no ambiente familiar. A questão da tradição cultural católica no meio do povo também se alterou e hoje a pluralidade de escolhas religiosas está muito disseminada entre a população. Medellín nos falou da importância de considerar as situações históricas e as aspirações humanas na catequese, e isso continua sendo cada vez mais fundamental- até com uma premência maior do que há 50 anos – mas, evidentemente, agora temos que aplicar esse princípio a um tipo de realidade diferente” (Cruz). Ressalta-se aqui a “dimensão bíblica a partir da renovação catequética impulsionada por Medellín, a Bíblia será cada vez mais devolvida às mãos dos catequizandos, e a Palavra de Deus se tornará o conteúdo principal catequético. Se o clássico catecismo cai em desuso e os novos textos e manuais ainda procuram o caminho da renovação, a Bíblia ocupa então um lugar central na educação da fé. É um resgate que se mostra muito eficaz e estimula a criatividade das comunidades e catequistas para tornarem sempre mais compreensível a Palavra de Deus, e compreendê-la a partir dos problemas da vida, iluminando assim o sentido da existência. Multiplicam-se os círculos bíblicos; na liturgia, ela é celebrada com criatividade, e começaram a aparecer os métodos de leitura popular ou orante da Bíblia” (Lima).
Em relação à Liturgia: “malgrado as dificuldades e os inúmeros desafios ainda a se vencer, é perceptível a influência que Medellín exerceu nas várias dimensões da liturgia na América Latina” (Santos Frade), e, “para levar adiante a reforma de uma liturgia com o espírito de Deus e a cara das nossas culturas, para um jeito renovado de ser Igreja pobre entre os pobres, podemos seriamente dar continuidade e renovar todo empenho quanto aos seguintes aspectos:
1) garantir a compreensão da liturgia como celebração do mistério libertador de cruz e ressurreição acontecendo no hoje concreto da história – liturgia conectada com a vida;
2) resgatar e garantir a consciência da presença real do Senhor na totalidade da ação litúrgica (nos sinais sacramentais, na Palavra que se proclama, na assembleia reunida, na pessoa de quem preside), sem esquecer tal presença, sobretudo no dia a dia dos pobres, das periferias existenciais;
3) garantir a ritualidade como linguagem própria de toda a liturgia;
4) garantir que a liturgia, assim entendida, seja de fato lugar privilegiado de evangelização, ou repetindo o que já dissemos, lugar privilegiado de encontro com Jesus Cristo e de formação de discípulos e missionários para que neles nossos povos tenham vida;
5) dar continuidade e promover uma acurada formação litúrgica em todos os níveis, privilegiando o seu caráter mistagógico;
6) dar continuidade na preparação e peritos para assessorar no processo de formação;
7) dar continuidade ao processo de adaptação e enculturação da liturgia;
8) promover e garantir a consciência de toda a assembleia como celebrante da liturgia”;
9) promover e garantir a participação consciente, ativa, plena e frutuosa da assembleia local com a sua cultura;
10) promover e garantir a experiência de Comunidades Eclesiais de Base, onde a liturgia pode com mais facilidade florescer com renovado vigor para um renovado modo de ser Igreja;
11) garantir a continuidade das celebrações da Palavra de Deus nas comunidades eclesiais;
12) promover e garantir para o povo em geral a celebração da Liturgia das Horas, especialmente do Ofício Divino das Comunidades (forma brasileira inculturada de celebração da presença do mistério no tempo que nos é dado viver);
13) manter-nos atentos e conscientes do nosso pessoal e coletivo inconsciente litúrgico medieval e pós-tridentino como padrão ainda dominante a ser pacientemente evangelizado por uma liturgia mais mistagógica”(Ariovaldo da Silva).
Em relação aos Movimentos de Leigos: “50 anos depois Medellín encontra a sua força. Sua proposta eclesial torna-se viva e atual e desafia todos os cristãos a uma nova postura. E aqui se enquadram de modo especial os leigos, pois esta saída deve ser encontrar com os problemas humanos e oferecer a cada pessoa e a cada realidade um novo sentido de ser e estar. Uma fé encarnada e comprometida com as realidades que nos cercam” (Kuzma). Infelizmente “no interior da Igreja Católica continua como desafio uma relação de gênero pautada na justiça, na fundamental igualdade e na fraternidade evangélica enquanto o patriarcalismo clericalista persiste e até avança, em um modo de Igreja ainda distante da eclesiologia do Vaticano II”. É oportuna e necessária a chamada do Papa Francisco para uma permanente reforma na Igreja que, atingindo sua própria estrutura, supere o clericalismo. Entre suas exortações e ações em favor das mulheres está o apelo para que e ampliem ‘os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja’. E o papa justifica isso com a eclesiologia conciliar: as reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente” (Domezi).
Em relação aos Sacerdotes: a Igreja em nosso continente “foi capaz de gerar um estilo próprio de ministros ordenado. Permanecem, contudo, os desafios de uma renovada identidade e missão em favor dos pobres e excluídos, um aprofundamento da inculturação da fé e da vivência do Evangelho, em uma Igreja de discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que neles nossos povos tenham a vida e a vida em abundância”(Nef Ulloa). Vejamos: “do ponto de vista do ‘ver’ a realidade, muitos aspectos do Documento 11 permanecem válidos, outros se transformaram, outros deveriam ser acrescentados. Grandes mudanças obviamente continuam a acontecer. Basta lembrar o que significou desde então a multiplicação de transmissões televisivas ditas católicas, seja de missas em múltiplos horários, seja de palestras de pessoas que precisariam, elas mesmas se adequar à teologia e ao espírito do Vaticano II. Tais transmissões influenciam os fiéis e – quer direta, quer indiretamente – os presbíteros se veem, por exemplo, constrangidos a imitar as celebrações televisivas de padres pop star, ou porque gostam, ou porque acham que assim vão agradar ao público e atrair o povo. Em decorrência, muitas vezes, a assembleia se transforma em platéia de auditório e apresenta pouca ou quase nenhuma consonância com a celebração do memorial da Páscoa do Senhor. A opção pelos pobres, apesar de evangélica e sublinhada com força pelo Papa Francisco, é posta sob suspeita e descartada por muitos como fruto de uma suposta teologia da libertação, considerada espúria e desviante. Se nos anos de Medellín o moto era ‘sair da sacristia’ e tomar posição no mundo circundante, hoje se vê com preocupação a ‘volta à sacristia’, o prazer pela renda e brocados de gosto mais que discutível. A celebração eucarística em que Cristo deveria ser o centro, como único mediador entre Cristo e o Pai, se torna missa do padre fulano, missa do padre sicrano. Se no tempo de Medellín poderia se falar de exacerbação do erotismo no meio ambiente, com mais razão deve repeti-lo atualmente, dada a facilitação do acesso a sites pornográficos e a filmes de temática erótica tanto heterossexual como homossexual, que podem ser vistos no recesso dos lares e das casas paroquiais. Sem dúvida agora vale muito mais que então que se abriu caminho a nova e variada problemática no tocante à vivência do celibato . Descura-se de uma fé encarnada, uma fé com poucos fundamentos críticos pela falta de formação séria e do hábito de leitura que mantenha o presbítero especialmente o jovem atualizado na discussão teológica vigente, capaz de refletir a fé e não simplesmente acolhê-la como um ‘pacote já pronto’ a ser engolido e passado adiante com furor dogmático. Neste ponto é crucial formação adequada, sólida, profunda, tanto intelectual como espiritual, dos futuros presbíteros, e a atualização continuada dos presbíteros veteranos. Na falta de uma espiritualidade sólida, os presbíteros recorrem ao devocionismo e se agarram e propagam devoções esdrúxulas. Uma espiritualidade alimentada por mensagem de videntes (supostos ou verdadeiros), por dulcificação da piedade, por exclusivismos elitistas está bem longe do que Medellín considerava um desafio e continua a sê-lo: uma forma de espiritualidade segundo as orientações o Vaticano II. No tocante ao celibato, observa-se, por um lado, casos de relacionamento conjugal estável entre os clérigos e mulheres e mesmo homens, jovens ou copresbíteros, e, por outro, um crescente número de vocações homoafetivas. O receio pela ‘ameaçadora’ presença do leigo, por vezes mais bem formado que a média do clero, talvez não traga dúvidas sobre a própria vocação sacerdotal, mas leve a atitudes autoritária por parte dos presbíteros. Neste contexto, volta-se à questão da escassez quantitativa e qualitativa de presbíteros. É um problema que continua candente. Entretanto não se resolve na forma tradicional” (Taborda).
Em relação à Vida Religiosa: “Medellín, no filão aberto pelo Vaticano II, descortinou para a Vida Religiosa Consagrada (VRC) um horizonte largo de renovação, apontando para a construção de nova figura história de um carisma eclesial milenar, tão importante para o serviço aos mais pobres e deserdados de nosso mundo. Embora tenham sido muitos os momentos gloriosos do testemunho de religiosos e de religiosas, ao longo dos séculos, seria fazer a política do avestruz desconhecer o momento dramático pelo qual a VRC está passando. Equivoca-se quem atribui ao Vaticano II ou às lições de Medellín o atual estado da Igreja e da VRC. Só uma leitura simplista da realidade, sem o devido senso crítico, pode desembocar nesse erro grosseiro de avaliação. Os meandros da história e do coração humano são demasiado complexos para permitirem que se identifique, com precisão cirúrgica, as causas do atual low profile da VRC, beirando à insignificância. A celebração do cinquentenário da II Conferência do Episcopado Latino-Americano em Medellín pode se constituir em momento oportuno para um exame de consciência, que possibilite aos religiosos escutarem, de novo, o que o Espírito falou ao religiosos e às religiosas de nosso continente. E se disponham retomar o caminho profético da opção preferencial pelos pobres, na trilha aberta por Jesus de Nazaré, e convida muitos a seu seguimento, como desdobramento da vocação batismal” (Vitório). A “proposta de Medellín para uma vida religiosa renovada e inserida deveria nos levar a um modo de viver nossa consagração que expresse uma profunda paixão pela vida marcada pela liberdade de ser, de viver e de viver a profecia de uma Igreja em saída, Igreja pobre e simples que dança e se mistura com a humanidade, especialmente com os povos empobrecidos, como uma barquinha frágil em meio às ondas no mar da ternura divina” (Barros).
Em relação à Formação do Clero: “Estamos diante de um momento oportuno para voltarmos a buscar experiências novas, mais leves em termos institucionais e mais abertas à realidade que nos cerca. É esse o espírito que nos tenta passar o papa Francisco, quando nos desafia a vencer as estruturas eclesiásticas ultrapassadas e nos lançarmos a uma Igreja em saída. Chegamos num ponto de saturação, sobretudo daqueles que privilegiam um grande seminário, nos moldes tridentinos. No século XVI, diante da situação em que a Igreja se encontrava, Trento foi muito eficaz para salvar a Instituição Católica do fosso e que ela havia se metido com problemas de toda a ordem. Hoje, ante aos problemas atuais, precisamos ser também bastante criativos na busca de respostas no campo do processo formativo. Porém, não basta reduzir o tamanho da casa, se nela se reproduz o espírito dos grandes seminários. É preciso ir mais longe que isso. A formação precisa estar atenta às demandas reais das juventudes vocacionadas de hoje, sobretudo às características dos jovens dessa sociedade da informação, profundamente dispersa e fragmentada. Teríamos a coragem de nos lançarmos em modelos novos, mais colados à realidade atual, e não simplesmente reproduzirmos tudo aquilo que já se tentou nos últimos anos. Buscarmos um estilo de formação que facilite aos jovens vocacionados uma vida normal de qualquer jovem que luta para manter no estudo e no trabalho e colabora ainda na manutenção de suas famílias. E, por fim, criarmos uma cultura de formação permanente, onde cada presbítero sabe que a cada estágio de sua vida ministerial existe uma exigência nova de aprofundamento do mistério da vida, pessoal e do povo, que lhe cobra enfrentar com coragem e mística, na certeza de que Deus caminha conosco, estendendo sempre os efeitos da graça recebida no sacramento da Ordem” (Godoy). “Nota-se ainda uma reviravolta na formação presbiteral com a diminuição do zelo apostólico e com o aumento de consumo e bem-estar em arte do clero mais jovem, embora tal afirmação não deva ser generalizada, devido ao testemunho de vida de muitos outros” (Miranda).
Em relação à Pobreza na Igreja: “No que toca à pobreza na Igreja, o documento 14 continua tendo orientações e valor e o comportamento do papa mostra como tais orientações, ainda, são atuais e sua encarnação, necessária nos dias de hoje. A preferência pelos pobres continua sendo a carta dos cristãos, e deveria assim permanecer. De um lado, isso se torna manifestação de solidariedade para com os sofredores e, de outro, fidelidade à revelação de Deus e ao ensinamento evangélico de Jesus” (Manzatto). Por assim ser, “a Igreja é chamada a responder aos anseios de libertação dos pobres que clamam por justiça e vida. Diante da situação de injustiça, afirma-se que não se há de abusar da paciência de um povo que suporta durante anos uma condição que dificilmente aceitaria quem tem uma maior consciência dos direitos humanos. Olhando para a realidade da maioria dos povos da América Latina e do Caribe, que sofrem em sua carne as marcas do abandono e da desolação, a Igreja se vê provocada a assumir sua causa e a colocar todas as energias na defesa da vida e na busca da justiça. Sente-se convocada a trabalhar junto com os pobres e a colocar seus bens a serviço deles, não a partir de uma posição de força e de poder, mas na perspectiva do serviço solidário e misericordioso como Igreja samaritana e servidora” (Ferraro).
Em relação à Pastoral de Conjunto/ Sinodalidade: “num mundo cada vez mais complexo, numa humanidade mais consciente do valor da pessoa, numa sociedade que deve abrigar a diversidade, só poderá haver paz e convivência realmente humana se houver escuta mútua e participação de todos em vista de um consenso, necessário e imprescindível, diante dos desafios e das problemáticas. E a Igreja deveria dar sua contribuição pelo testemunho e pela vivência desta sinodalidade entre seus membros. Trata-se de seguir a rota indicada pelo Concílio Vaticano II, por Medellín e urgida atualmente pelo papa Francisco: ‘o caminho da sinodalidade é justamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio. A Igreja não é senão outra coisa que o Povo de Deus que caminha junto pelas sendas da história ao encontro com Cristo Senhor” (Miranda). E “ao ser garantia do espírito de koinonia da Igreja, o Espirito Santo suscita, então, uma espiritualidade da colegialidade episcopal e eclesial, que possibilita implementar a pastoral de conjunto, denotativa de unidade apostólica de toda a Igreja, da inserção dessa Igreja na América Latina, cumprindo sua missão evangelizadora, que incide em termos de libertação social e pessoal, sendo libertação integral, e unindo a fé cristã com a perspectiva dos pobres, exibindo fidelidade a Cristo, que se fez pobre efetivamente no mistério da encarnação” (Lopes Gonçalves).
Em relação aos Meios de Comunicação Social: “Em plenos anos de 1960, os bispos latino-americanos já defendiam uma ‘necessária liberdade de expressão, indispensável na Igreja’. Até que ponto isso evoluiu? Será que os meios de comunicação católicos favorecem tal liberdade de expressão, dando espaço e voz a todas as diversidades, especialmente minoritárias? Ou privilegiam sempre a uniformidade do ‘mais do mesmo’? Os leigos ‘imensa maioria do povo de Deus’, têm voz e vez nas mídias católicas? Ou predomina certo clericalismo comunicacional, que esquece que a visibilidade e a sacramentalidade da Igreja pertencem a todo povo de Deus e não só a poucos eleitos e iluminados, gerando uma das maiores deformações que a América Latina deve enfrentar? Cinquenta anos depois de Medellín, o desafio eclesial continua sendo enfrentar a realidade da comunicação- hoje mais do que nunca ‘uma das principais dimensões da humanidade’ com responsabilidade pastoral critica, sem anacronismos nem deslumbramentos, percebendo, nos processos de midiatização e digitalização, um ‘sinal dos tempos’ que aponta para uma complexificação da práxis eclesial. Na ação pastoral da Igreja, o desafio é colocar em prática uma visão e uma experiência de fé que levem em conta a conectividade da própria experiência cristã, marcada por uma comunidade de comunidades evangelizadas e missionárias, cuja constituição se dá por meio de um processo intrinsecamente comunicacional, que nos liga ao irmão a que vemos e ao Deus a quem não vemos, para que também a comunicação eclesial seja, ontem, hoje e sempre, pobre e para os pobres” (Sbardelotto). Vivemos, portanto, o “desafio da continuidade (e certamente do avançar) de projetos iniciados em gestões anteriores, dificultando o trabalho e a linha de entendimento para certas visões e opções individuais de quem preside alguns setores. Enquanto a sociedade se organiza para o ‘trabalho colaborativo’ decorrente dos novos processos comunicativos, diferenciados, no exercício da comunicação com incidência nos seus métodos pastorais” (Puntel).
“Nos 50 anos de Medellín, depois de um longo ‘inverno eclesial’, estão dadas as condições para desencadear na Igreja uma ‘nova primavera’, tal como aconteceu nas décadas de 1970-1980. Revisitando Medellín, há belas iniciativas a resgatar, novos caminhos a trilhar, com a audácia dos que se deixam guiar pelo Espírito, e, sobretudo, novas respostas a dar aos desafios concretos de nosso tempo” (Brighenti).
[1] Cf. FRANCISCO, Papa. Carta Apostólica Às Pessoas Consagradas (em ocasião do Ano da Vida Consagrada). São Paulo: Paulinas, 2014.
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Referência Imprescindível para a Igreja atual: Medellín 50 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU