06 Junho 2018
Mais de 200 pessoas se reuniram na segunda-feira na Georgetown University para discutir as maneiras pelas quais um país extremamente dividido pode se tornar mais unificado a partir da doutrina social da Igreja. Neste mesmo lugar, os jesuítas já reforçaram uma das questões que mais dividiu os americanos, a escravidão. Seres humanos foram vendidos para pagar as dívidas contraídas pela universidade.
A reportagem é de Christopher White, publicada por Crux, 05-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O evento, chamado “Initiative for Catholic Social Thought and Public Life” (Iniciativa para o Pensamento Social Católico e Vida Pública, em português), teve como ponto alto do seu primeiro dia o painel "Overcoming Polarization" (Superando a Polarização, em português). A discussão foi protagonizada por duas das principais figuras na hierarquia católica dos EUA, cardeal Blase Cupich de Chicago e o arcebispo José Gomez de Los Angeles. Também contou com a presença de duas proeminentes mulheres da Igreja Americana, a presidente da Liderança da Conferência de Mulheres Religiosas, irmã Teresa Maya, e a professora da escola de direito da George Maison University, Helen Alvaré.
John Carr, diretor executivo da Iniciativa e moderador do painel apontou que a Igreja Católica é uma das poucas instituições capazes de lidar com uma variedade de questões controversas. O evento fez uma sóbria avaliação dos problemas atualmente enfrentados pela Igreja, mas também foi uma oportunidade para apresentar um retrato daquilo que o país e a Igreja podem parecer se a polarização for superada.
Enquanto palestrantes mostraram várias razões que causam a polarização, um tema recorrente que emergiu foi "medo".
Analisando a conjuntura americana da atualidade da perspectiva de uma migrante, Teresa Maya lamentou os instintos "tribais” que ela considera difundidos por todo o país. Tal tribalismo leva ao medo do outro, que está "envenenando nossas almas", advertiu.
Cardeal Balse Cupich ecoou esse tema, observando que existem "comerciantes de medo" no país que lucram ao dividir os indivíduos.
"As pessoas são ensinadas a temer", disse ele, "e nós temos que superar isso como nação."
Ele também condenou a "desumanazição" que resulta da polarização.
O arcebispo José Gomez testemunhou sua experiência ao migrar já adulto para os Estados Unidos e ressaltou a necessidade de ver a humanidade daqueles que estão em ambos os lados da fronteira. Atualmente Gomez lidera a diocese católica com maior diversidade no país.
Helen Alvaré também enfatizou sobre a relação do problema com a doutrina social católica, que destaca as "diferentes paixões, perspectivas, curiosidades" das pessoas.
"Acho que não é tanto direita ou esquerda, mas uma questão de presentes diferentes", disse ela, rejeitando a tradicional categorização política e eclesial.
O painel de discussão foi o momento em que os convidados apresentaram um panorama sobre os desafios enfrentados por católicos, dentro e fora da Igreja. Já a sessão de perguntas e respostas foi o espaço no qual os participantes da plateia demandaram respostas para questões específicas, que vão desde o papel das mulheres na Igreja ao racismo e a relação da Igreja com a comunidade LGBT.
Depois de uma mãe perguntar em lágrimas sobre como responder a sua filha em relação ao sexismo dentro da Igreja – pergunta recebida com aplausos do público - Maya disse que a resposta é a mesma como era há trinta anos, quando um amigo da faculdade lhe perguntou como ela poderia ser Católica enquanto mulher: "A Igreja é o meu lar."
"Precisamos criar uma Igreja que seja um lugar acolhedor para todos", continuou Maya.
Ao invés de focar atenção na hierarquia, ela incentivou a criação de um espaço de boas-vindas a comunidade local.
"Precisamos começar pequeno", disse.
Alvaré, que foi rápida em apontar que não falava como teóloga, também não hesitou em concordar: "Precisamos de mulheres em todos os níveis, incluindo na parte superior.”
Mesmo tratando da questão da ordenação de mulheres com cuidado – apontado que ela é uma "tentação de poder" - Alvaré disse que já se concentrou em diferentes partes da Igreja, aprendendo a trabalhar em conjunto.
Cupich foi perguntado sobre seu papel na defesa do pe. jesuíta James Martin, que se esforça por mais diálogo entre a Igreja e católicos LGBT. Na resposta, ele apresentou uma crítica sobre a maneira em que alguns católicos tentam humilhar Martin, o que leva várias paróquias, faculdades e instituições católicas a desconvidá-lo para eventos.
Contudo, Cupich o convidou para falar na catedral de Chicago, reconhecendo que foi uma tentativa pública de reparar o dano feito a Martin.
"Isto não era apenas sobre desconvidar alguém, mas uma tentativa de humilhar publicamente um padre que deu sua vida ao serviço da Igreja", disse Cupich.
"Está errado", disse, acrescentando que "isto não deveria acontecer a ninguém."
Um dos objetivos do painel foi destacar as diversas vozes na Igreja hoje. Tal objetivo não foi poupado de críticas: o painel carecia da representação de um afro-americano.
"Está faltando essa voz no painel", admitiu o mediador John Carr.
Ao pensar sobre como a Igreja pareceria se a polarização fosse superada, Gomez incentivou uma virada àquilo que o Papa Francisco chamou de "discipulado missionário".
Ele pediu aos participantes adotarem o "Ver, Julgar e agir", abordagem adotada pelos bispos latino-americanos, - incluindo Francisco enquanto era arcebispo de Buenos Aires -, que ensina a ver onde e como o Espírito Santo leva a Igreja a responder aos sinais do tempo.
Cupich também lamentou que "perdemos a capacidade de separar o que sentimos por outra pessoa do fato de que discordamos com elas sobre uma questão específica."
Ele ridicularizou a ideia de que outros que acreditam diferentemente - mesmo que tomam posições contrárias a Igreja - devem ser vistos com suspeição.
"Eu nunca compactuei com isso", disse, incentivando uma curiosidade honesta sobre o outro a fim de melhor entender e respeitar as pessoas de onde vêm e quem são.
Maya sugeriu aos participantes a exercitarem o "diálogo contemplativo", afirmando que as consequências espirituais da polarização devem ser combatidas com recursos espirituais.
No entanto, se a Igreja vai superar os estereótipos, deve agir mais do que falar, insitiu Alvaré.
Ela se referiu ao tempo em que trabalhou na Conferência dos Bispos americana, viajando por todo o país, visitando dioceses, vendo católicos em ação todos os dias.
Ela argumentou que ver aqueles que estão nas “trincheiras” colocando o ensinamento da Igreja em prática, é uma forma de combater "as falsas narrativas", como descreveu, que contribuem para a polarização dentro e fora da Igreja.
Antes de concluir, Carr ainda conduziu o foco da discussão ao documento dos bispos dos EUA sobre a cidadania com fé, delineando os princípios gerais para católicos se engajarem na vida pública - que, segundo ele, são exemplificados pelos quatro palestrantes em Georgetown.
E, de forma que parecia mais uma bênção do que uma discussão, Carr finalizou: "Temos de ser íntegros, mas não ideológicos. Precisamos ser civis, mas não molengas. Precisamos estar engajados, mas não sermos usados."
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EUA. Universidade de Georgetown promove debate visando a cura da polarização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU