Por: Patricia Fachin e João Vitor Santos | 23 Mai 2018
Embora a evangelização sempre tenha sido o desafio de todos os papas, “transmitir o evangelho à sociedade contemporânea requer uma análise e uma compreensão da modernidade e das necessidades das pessoas de hoje e, também, uma compreensão sobre os obstáculos a essa transmissão e à recepção dessa mensagem, que sempre são diferentes em todas as épocas”, diz o jornalista britânico Austen Ivereigh à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida pessoalmente na manhã da última segunda-feira.
Ivereigh está no Brasil participando do XVIII Simpósio Internacional IHU. A virada profética de Francisco. Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Na avaliação do cientista político e jornalista, o aspecto distintivo do pontificado de Francisco é sua análise da contemporaneidade, que se aproxima do documento de Aparecida, publicado em 2007. “O que sempre digo é que este é um Papa muito tradicional: ele não mudou nenhuma doutrina da Igreja, tem apenas procurado novos modos de expressá-la e apoiá-la. É um Papa muito tradicional neste sentido e é um reformador, como digo no título do meu livro. Além disso, ele tem um senso de discernir quais são as mudanças necessárias para a Igreja, para que ela melhor possa comunicar o evangelho. Esse é um trabalho necessário para a Igreja em todas as épocas”, pondera.
Segundo ele, o método evangelizador de Francisco propõe “uma abertura real” da Igreja, “mas não é a abertura que pensam os conservadores”. Ele explica: “Eles temem que se trate de uma abertura à modernidade, onde a Igreja dilui sua mensagem para melhor conformar-se com a sociedade. Não é isso. É uma abertura às oportunidades para que as pessoas tenham acesso à Graça de Deus”. Nesse sentido, menciona, “Gaudete et Exsultate é o centro do pontificado, talvez o resumo mais sucinto e concreto do que ele está procurando fazer como papa, que é voltar a colocar a Graça no centro da oferta cristã”. Até então, avalia, “a Igreja tem tido problemas em evangelizar a sociedade contemporânea porque tem caído na tentação de responder ao relativismo com uma resposta intelectual ou ética. Isto tem feito com que vejamos a Igreja como algo ideológico, como uma ideia, uma doutrina que a Igreja procura impor”. Mas adverte: “O cristianismo não é uma ideia linda e nem uma postura ética, é um encontro com uma pessoa que te muda o horizonte”, como disse Bento XVI em Deus Caritas Est.
Na entrevista a seguir, Ivereigh explica como a proposta de evangelização do papa Francisco transcende as polarizações ideológicas, políticas e eclesiais, comenta suas críticas à economia e frisa que a principal novidade de seu pontificado é a relação de Francisco com os movimentos populares. “É um movimento com o qual ele se associou em Buenos Aires, e como papa tem desenvolvido isso e tem havido vários discursos nesse sentido, como o de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde ele fala aos pobres do planeta como os protagonistas de uma nova economia”.
Outro ponto significativo do pontificado de Francisco, destaca, é a reconfiguração do colégio cardinalício, especialmente a partir das últimas nomeações deste final de semana. “Essa reconfiguração não é importante só pelo fato de ampliar a presença de vários países, porque isso também foi feito por João Paulo II e Bento XVI. A coisa mais radical que o Papa tem feito com o colégio cardinalício é a nomeação de cardeais periféricos, os pequenos da vida, isto é, pessoas que estão na fronteira — na fronteira da guerra inter-religiosa — onde a Igreja pode ser muito pequena, mas muito sofredora. E ele está convencido de que a voz da periferia é a voz do Cristo e a voz do Espírito Santo. A nomeação desses cardeais tem mudado o colégio no sentido de que no próximo conclave haverá uma porção de cardeais que realmente representam uma experiência que não tem sido representada anteriormente no colégio, e o efeito sobre a eleição do novo papa será muito mais interessante”.
Austen Ivereigh ministrará duas conferências no XVIII Simpósio Internacional IHU. A virada profética de Francisco. Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo. A primeira delas, intitulada “De Jorge Mario Bergoglio a Francisco: a história de um reformador”, acontece na manhã de hoje, quarta-feira, às 9h no Teatro Unisinos, no Campus Porto Alegre, e a segunda, intitulada “A opção de Francisco: como evangelizar um mundo em mudança?”, será ministrada na próxima quinta-feira, às 9h.
Austen Ivereigh | Foto: Vogais
Austen Ivereigh é jornalista do Catholic Voices, de Londres. Possui doutorado pela Universidade de Oxford sobre o tema da Igreja e da política na Argentina, no qual ele se baseou para escrever a biografia autorizada do papa Francisco, intitulada The Great Reformer: Francis and the Making of a Radical Pope [O Grande Reformador Francisco e a construção de um papa radical, em tradução livre] , Henry Holt, 445 p. O livro foi traduzido para várias línguas, inclusive o italiano e espanhol. O livro também foi traduzido em Portugal.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O tema da sua conferência principal é “A opção de Francisco: como evangelizar um mundo em mudança?”. Como o Papa tem evangelizado e quais são os desafios da evangelização nos dias de hoje? Que tipo de mudanças têm dificultado a evangelização? A secularização é o grande desafio da Igreja atualmente ou há outros?
Austen Ivereigh – O desafio de evangelizar é o desafio principal de todos os papas. Transmitir o evangelho à sociedade contemporânea requer uma análise e uma compreensão da modernidade e das necessidades das pessoas de hoje e, também, uma compreensão sobre os obstáculos a essa transmissão e à recepção dessa mensagem, que sempre são diferentes em todas as épocas.
Para mim, a distintividade de Francisco está no fato de que ele tem uma análise da contemporaneidade muito semelhante ao documento de Aparecida, de 2007, que é a base do seu pontificado. No fundo, frente à liquidez da sociedade contemporânea e à dificuldade de manter instituições como a família e as instituições da sociedade civil, a Igreja deve ser reflexiva, misericordiosa, sobretudo, e criar as oportunidades para um encontro pessoal com Jesus Cristo na vida particular das pessoas. Isso não parece muito radical, mas é de fato uma mudança de enfoque substantiva, porque não se fia nas leis tradicionais, mas é um enfoque evangélico no sentido da Igreja primitiva, que foca na experiência direta da misericórdia de Deus. E se a Igreja é capaz de fazer isso, criará discípulos missionários capazes de transmitir aquela mensagem principal da Igreja, que é a Boa Nova de um Deus misericordioso.
IHU On-Line – A secularização, então, já não representa o grande desafio da Igreja hoje?
Austen Ivereigh – A secularização é um desafio, é uma das coisas que está mudando o contexto no qual a Igreja está falando. Mas é importante não ver a secularização apenas como ameaça, porque tem havido um risco, na Igreja, de focar apenas na secularização como ameaça e passar o tempo todo lamentando essa ameaça, olhando para trás, sentindo-se perseguida. Para o Papa, a secularização é uma oportunidade de transmitir o evangelho, é o maior enfoque no encontro originário do cristianismo, que é com Jesus Cristo.
IHU On-Line – Diante das mudanças para as quais você chama atenção, como a situação das famílias, por exemplo, que tipo de evangelização o Papa está propondo, considerando a realidade desses grupos? Essa evangelização, no fundo, sugere uma abertura da Igreja sobre a constituição da família, ou se trata de frisar a importância de um olhar misericordioso para com esses grupos?
Austen Ivereigh – Há uma abertura real, mas não é a abertura que pensam os conservadores. Eles temem que se trata de uma abertura à modernidade, onde a Igreja dilui sua mensagem para melhor conformar-se com a sociedade. Não é isso. É uma abertura às oportunidades para que as pessoas tenham acesso à Graça de Deus. Amoris Laetitia é um documento sobre a família e um grande exemplo no qual o Papa toma em conta a realidade da família de hoje, que é uma realidade fragmentada. Ele não está aceitando essa fragmentação, mas está procurando construir a família desde baixo, e está percebendo que há muitas pessoas que têm vivido com a realidade do divórcio e que poderiam estar longe das estruturas eclesiais.
No fundo é uma atitude missionária, justamente por causa da distância que se está abrindo entre a sociedade contemporânea e a Igreja. Precisamente por conta dessa distância se deve fazer mais esforço em construir pontes que permitam o acesso à Graça. Mas isso não significa reduzir a mensagem cristã; está longe disso. Em todas as páginas de Amoris Laetitia se fala da indissolubilidade do matrimônio, como na mensagem de Jesus, mas a questão é como podemos ajudar as pessoas a viver a indissolubilidade: podemos melhor prepará-las para o matrimônio, apoiá-las nesse contexto de fragmentação social e cultural.
IHU On-Line – Por que os conservadores se opõem ao modo de pensar e agir do Papa?
Austen Ivereigh – Há muitos conservadores, de muitos tipos. Mas os conservadores que estão resistindo a esse pontificado têm o temor de que a Igreja se renda à modernidade, e eles querem construir uma fortaleza para resistir a ela. Enquanto essa mentalidade for dominante, eles não vão compreender esse pontificado. Agora, eu conheço conservadores que estão reconhecendo nesse pontificado uma virada importante. Talvez eles tenham alguma dificuldade com o jeito de ser do Papa, mas entendem que ele não está diluindo nada. No entanto há outros que não são capazes de ver isso.
IHU On-Line – Quais são as maiores dificuldades da Igreja em conciliar a modernidade com a tradição?
Austen Ivereigh – O que sempre digo é que este é um Papa muito tradicional: ele não mudou nenhuma doutrina da Igreja, tem apenas procurado novos modos de expressá-la e apoiá-la. É um Papa muito tradicional neste sentido e é um reformador, como digo no título do meu livro. Além disso, ele tem um senso de discernir quais são as mudanças necessárias para a Igreja, para que ela melhor possa comunicar o evangelho. Esse é um trabalho necessário para a Igreja em todas as épocas. Nesse sentido, ele é um reformador tradicional no sentido de que está sempre procurando ver quais são os aspectos da Igreja aos quais se deve renunciar para melhor comunicar o evangelho.
Posso expressar isso do seguinte modo: o Concílio não estava procurando mudar a Igreja para conformá-la melhor com a sociedade, mas queria ver como era possível mudar a Igreja para melhor evangelizar o mundo contemporâneo. Isso no fundo é o papa Francisco: ele está procurando uma Igreja mais desarmada, menos ligada ao poder, mas ao mesmo tempo mais militante espiritualmente; uma igreja que discerne mais.
IHU On-Line – No Brasil e nos EUA se percebe um fenômeno de jovens cristãos que assumem uma postura tradicional em relação à liturgia e ao modo de pensar e viver o cristianismo, como se quisessem voltar a um período anterior ao Concílio Vaticano II. Esse tipo de comportamento é consequência do Concílio ou está ligado a outras razões?
Austen Ivereigh – Não, isso é uma consequência da liquidez da modernidade. O relativismo e a secularização têm causado em muitas pessoas, e talvez em todos nós, uma sensação de desenraizamento, e é muito difícil viver com isso. Por um lado, isso está fazendo com que se vá à fonte, que é o encontro pessoal com Jesus Cristo, mas, de outro lado, isso pode criar uma espécie de refúgio da modernidade, que os faz sentir seguros. Eu acho que essa postura é incapaz de evangelizar, porque está dando prioridade à modernidade e não está evangelizando a modernidade. No fundo o liberalismo e o tradicionalismo são respostas à modernidade, a qual, para o liberalismo e o tradicionalismo, tem mais importância do que Jesus Cristo. A postura do Papa é uma postura de como evangelizar a sociedade contemporânea e não se refugiar, mas optar pela evangelização.
IHU On-Line - No próximo ano será realizado o Sínodo Pan-Amazônico, e sobre esse sínodo o papa Francisco declarou que “o objetivo principal desta convocação é encontrar novos caminhos para a evangelização daquela porção do povo de Deus, especialmente dos indígenas”. Como você avalia essa proposta de evangelização das comunidades indígenas? Como ela se insere num quadro mais amplo, que foi a relação dos jesuítas com os indígenas no século XVII e a experiência das reduções jesuíticas?
Austen Ivereigh – Essa é uma boa pergunta. A questão indígena é uma prioridade para esse pontificado, basta ver as visitas que o Papa fez ao Peru e ao Chile. Mas a questão mais importante é a fundação da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam. Neste final de semana o Papa nomeou novos cardeais, entre os quais está Pedro Barreto, que é arcebispo de Huancayo e líder da Repam. Além disso, o papa Francisco tem uma grande amizade com o cardeal Cláudio Hummes.
Para este Papa, a conservação do meio ambiente, da sabedoria dos povos originários, é uma grande prioridade para a evangelização, pois as comunidades indígenas muitas vezes têm conservado uma relação com a natureza e podem ter muito a ensinar para a sociedade contemporânea. A visão do Papa muito evidente na Laudato Si’ é que a nossa sociedade tem sido deformada por uma mentalidade tecnocrática, a qual tem feito com que a nossa relação com a natureza e a nossa relação uns com os outros seja corrompida por essa mentalidade.
Além disso, na Amazônia há um conflito dramático neste momento entre duas visões de economia: uma visão que explora os indígenas e a natureza, muitas vezes, para o bem de países estrangeiros, e uma visão mais ecológica, que valora as relações humanas, a justiça social. Quer dizer, para ele essas zonas ecológicas são um ponto central desse drama moderno.
Um dos temas que vai ser discutido neste sínodo é o tipo de ordenação, que poderá ser uma ordenação temporal ou uma ordenação de alguém da comunidade. O Papa tem pedido sugestões sobre isso e está pensando não só em zonas como a Amazônia, mas também em zonas como Chiapas, onde o celibato não tem valor. O fato de haver sacerdotes casados não é grande novidade em meu país. Na Inglaterra existem muitos padres que são ex-anglicanos, mas essa seria a primeira vez que dentro da Igreja do rito latino se faria uma ordenação dessa maneira.
Estudando a vida do papa Francisco para escrever a sua biografia, encontrei vários escritos dele sobre a experiência das reduções; ele é muito apaixonado sobre esse período colonial da história da Igreja latino-americana. Ele vê naquela experiência moderna da Igreja um modelo de como a Igreja deve estar. Naquele tempo os missionários — que eram poucos — e líderes espirituais criaram um novo humanismo cristão moderno, pouco clerical e muito respeitoso da tradição dos indígenas. Ele fala muito da sabedoria dos povos evangelizados e vê a cultura popular evangelizada como um recurso para a sociedade moderna. Nesse sentido, a Igreja tem que se conectar com essa sabedoria. Isso é o oposto do clericalismo onde a Igreja instituição ensina ao povo como ser santo.
IHU On-Line – O senhor já disse, em outras ocasiões, que uma das grandes influências do Papa é Inácio de Loyola. Como, na prática, o pensamento de Santo Inácio se manifesta nas ações e no modo de pensar de Francisco?
Austen Ivereigh – Sim, essa influência é total. Na quarta-feira [23-5-17] vou falar sobre a experiência da crise que está sucedendo no Chile, sobre a conversão pastoral que o Papa está tentando fazer com a Igreja chilena, que é uma Igreja clerical, soberba, institucionalmente apegada ao Estado. Tudo isso está acontecendo muito rapidamente. O Papa está usando critérios muito inacianos, que ele desenvolveu nos anos 80, sobre uma Igreja em desolação e as tentações que existem nesse contexto. É tudo inaciano. Ele realmente está introduzindo no governo da Igreja universal a prática e a necessidade do discernimento, que é muito nova e forte para a Igreja.
IHU On-Line - O senhor já disse em algumas entrevistas que o peronismo possibilitou ao Papa Francisco e a outros nacionalistas católicos de sua geração um modo de ser político que transcende o liberalismo e o coletivismo. Pode nos explicar essa ideia? Como o seu modo de ser político transcende o liberalismo e o coletivismo?
Austen Ivereigh – A experiência do peronismo, quando era muito jovem, de 1946 a 1955, teve um impacto muito forte sobre o Papa. Ele viu no peronismo um movimento nacional popular que era necessário para integrar as classes sociais até esse momento excluídas dos benefícios da sociedade e da economia. Sua simpatia política sempre foi com essa experiência primitiva do peronismo, mas isso não significa que ele é peronista, até porque as experiências posteriores ao peronismo, ou mesmo o liberalismo ou a esquerda do kirchnerismo, tiveram uma relação muito difícil com ele.
A ideia de transcender as polarizações não só ideológicas e políticas, mas também eclesiais, é uma das grandes metas deste Papa. De fato, esse é o grande trabalho da sua vida. A sua tese doutoral foi sobre isso. Massimo Borghesi publicou uma biografia intelectual sobre Francisco e conversou com ele sobre a sua tese de doutorado, que não foi publicada, mas ela é brilhante e trata de como transcender a dialética. Isso influenciou seu pensamento sobre política, mas também sobre a Igreja: como manter juntas duas posições aparentemente em contraste, de tal forma que faça com que o Espírito Santo desenvolva uma síntese superior. Isso parece hegeliano, mas não é, porque não se trata de destruir as posições. O tema da sua tese tem influenciado na sua forma de governar a Igreja. Essa experiência de conciliação também é bastante peronista no sentido de que se refere à origem do peronismo.
IHU On-Line - Como o Papa se movimenta diante do retorno de discursos populistas à direita e à esquerda?
Austen Ivereigh – Ele tem falado que se deve distinguir entre populismos. Se o populismo é conectar o Estado e a política com os valores e com as necessidades das pessoas comuns, isso é bom. Mas se o populismo é explorar a alienação das classes populares para polarizar, isso é destrutivo. A questão é decidir o que é o populismo. Emilce Cuda, que estará no Simpósio, tem uma definição muito interessante de populismo, como uma forma de acelerar o poder fora dos partidos.
O que vejo no Papa é que ele está muito consciente das razões do populismo. Ele entende bem que a distância das instituições das pessoas é o drama do nosso tempo. E isso tenho visto no meu país com o Brexit e temos visto com Donald Trump. Esses são populismos negativos, porque não constroem novas formas de participação popular. É como Trump, que vai prometendo que as indústrias nacionais voltarão para os EUA, mas isso é um tipo de engano, porque não vai acontecer. Os que apoiaram Trump continuam o apoiando porque veem em oposição a ele a elite tradicional. Isso não é capaz de construir, mas tem havido experiências de movimentos populares e populistas na América Latina que são bons exemplos de uma tentativa de ampliar a participação popular.
IHU On-Line – Como o que, por exemplo?
Austen Ivereigh – No Peru, ou o peronismo original na Argentina. Bom, quase todos caem no autoritarismo, mas... Outro exemplo seria a revolução cubana em sua origem, antes de ter se tornado marxista, que foi uma tentativa de tomar os recursos do Estado para as pessoas.
O problema com o populismo atual é que ele é tecnocrático, assim como os partidos liberais e tradicionais são tecnocráticos, e os populistas falam outra linguagem, mas eles não ampliam a participação popular e, nesse sentido, não são capazes de construir.
IHU On-Line – O Papa assume um discurso de crítica às consequências negativas geradas pelo capitalismo, como as desigualdades, mas ele também faz críticas ao comunismo, embora muitos setores tentem associar suas próprias visões às dele. Em seus discursos ele indica uma terceira via entre o que foram, digamos assim, os dois grandes modelos em disputa no mundo no século XX, o socialismo e o capitalismo?
Austen Ivereigh – O Papa tem uma terceira via, e é uma terceira via tradicional, no sentido de que o catolicismo social é a Rerum Novarum [encíclica escrita pelo papa Leão XIII em 15 de maio de 1891]. A Laudato Si’, no fundo, é uma visão sobre a economia muito tradicionalmente católica, que diz que o mercado precisa ser regulado para o bem comum, que é preciso a intervenção do Estado para a regulação do mercado. Mas o que é novo no tratamento do Papa é sua relação com os movimentos populares. É um movimento com o qual ele se associou em Buenos Aires, e como papa ele tem desenvolvido isso e tem havido vários discursos nesse sentido, como o de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde ele fala aos pobres do planeta como os protagonistas de uma nova economia. Isso é muito novo no sentido de que um papa seja um líder dos descamisados. E é difícil não pensar no peronismo nesse sentido, ou seja, os descamisados não são os sindicalizados, são aqueles marginalizados, recém-chegados do interior, pessoas sem propriedades. Esse movimento para ele tem três objetivos: trabalho, terra e teto, ou seja, o direito básico das pessoas. Isso é radical. Mas a visão que ele tem da economia, como ele sempre diz, não é marxista, não é liberal, é católica.
IHU On-Line - Você leu o novo documento sobre questões econômicas e financeiras, recentemente publicado pelo Vaticano? Há alguma novidade neste documento em relação a outros documentos em que a Igreja se pronuncia sobre questões econômicas e financeiras ou em relação à Doutrina Social da Igreja?
Austen Ivereigh – Comecei a lê-lo, mas interrompi a leitura por conta da minha viagem. Pelo que já li do documento, diria que sua visão da economia é tradicionalmente católica. Neste pontificado, diferente de outros, não são publicados muitos documentos e sempre que sai um documento deve-se perguntar qual é a razão e por que isso agora. Acho que ele está vendo o novo liberalismo econômico promovido por populistas como Trump como uma ameaça. Então é uma recordação de que o bem comum exige a intervenção do Estado na economia.
IHU On-Line - Você apresenta o Papa como um grande reformador que, inclusive, fez reformas na sua arquidiocese em Buenos Aires. Que tipo de reformas ele fez à época, que permite chamá-lo de reformador?
Austen Ivereigh – Essa é uma boa pergunta. Ele fez uma reforma financeira importante. Enquanto esteve no governo da arquidiocese, era muito participativo no sentido de que todas as semanas se reunia com os bispos auxiliares e incluía muito as mulheres nas decisões tomadas para a arquidiocese. Ele fez uma reforma importante na educação, mas talvez a coisa mais impactante que ele tenha feito foi priorizar a presença da Igreja nas favelas — ele mesmo passava os sábados na periferia. Ou seja, havia uma reorientação da Igreja para a maior inclusão das periferias. Eu diria que essa foi sua reforma principal.
IHU On-Line - Passados cinco anos de pontificado e levando em conta os desafios, o senhor considera que Francisco vem conseguindo empreender reformas? Em que consistem suas reformas e como se manifestam?
Austen Ivereigh – Eu diria que tem havido três reformas importantes no governo da Igreja: o conselho dos nove cardeais, que é responsável pelas reformas estruturais do Vaticano, que é um corpo formado por Igrejas locais; os sínodos, onde a Igreja local tem uma capacidade de influenciar as decisões pastorais da Igreja universal; e a forma mesma de exercer o pontificado, o poder do papa, ou seja, ele é mais participativo, escuta mais, nem tudo é decidido em Roma, e ele confia nas decisões dos bispos locais.
Depois, tem a reforma das finanças do Vaticano. Apesar de terem decepcionado muitas pessoas, porque parece que as reformas financeiras foram feitas até certo ponto e depois não foi feito mais nada, na realidade se considerarmos as finanças em 2013 e como estão agora, seria impossível voltar para trás, aos “dias ruins” dos grandes escândalos financeiros do Banco Vaticano, porque a base legal que o Papa tem implementado torna isso impossível.
Também há uma reforma na Cúria e acredito que neste ano será feita uma nova constituição sobre a Cúria. Não espero grandes novidades porque reformar a Cúria é um trabalho de muito longo prazo, não se pode mudar essa cultura da noite para o dia, mas esses novos dicastérios — para o serviço do Desenvolvimento Humano Integral e para os Leigos, a Família e a Vida — representam um maior compromisso da Igreja com a vida real das pessoas, isto é, há uma nova participação do laicato e das mulheres. Creio que eles são significativos.
Aqueles que esperavam que o Papa chegasse como um “super-homem” não compreendem como é o Vaticano. Essa é uma instituição muito velha e não se tem muitos recursos para mudar tudo. Por exemplo, muitos dizem que é preciso internacionalizar a Cúria — essa ideia é demasiadamente italiana —, mas, via de regra, a maioria das pessoas que trabalham no Vaticano recebem salários muito baixos, mas com muita estabilidade. Bom, se querem mudar isso e trazer pessoas de outros países para o Vaticano, leigos com famílias, por exemplo, tudo isso requer salários melhores, e não existe essa possibilidade. Por isso muitas das críticas feitas não me parecem realistas. O papa Francisco pouco a pouco vai mudando as coisas, mas, talvez, o aspecto mais importante é como ele está buscando uma mudança da mentalidade da Cúria. Esse tem sido seu enfoque principal, ou seja, criar uma Cúria realmente a serviço da Igreja local — é, no fundo, a implementação do Concílio Vaticano II.
IHU On-Line — Uma das reformas que o Papa tem feito é na comunicação do Vaticano. Alguns avaliam que essa reforma está gerando muita resistência ao seu pontificado. Como vê essa reforma? Por que razões ela está sendo feita?
Austen Ivereigh — A reforma não implica no fim da Rádio Vaticano, mas numa redução da Rádio. As reformas da Comunicação têm, basicamente, dois objetivos: integrar melhor os meios de comunicação do Vaticano — periódico, rádio e televisão — para que não se dupliquem desnecessariamente, o que em parte é uma reforma muito racional; e, segundo, uma adaptação às novas exigências da comunicação de hoje, com mais vídeos e conteúdos on-line.
O que tem melhorado muito, mas não é perfeito, é o serviço aos jornalistas na sala de imprensa. Nesse sentido a nomeação dos jornalistas Greg Burke e Paloma García Ovejero tem sido muito importante, porque são dois profissionais que entendem bem as necessidades dos jornalistas. O padre Lombardi também entendia, mas essa foi uma mudança muito positiva.
IHU On-Line — O senhor mencionou que uma das reformas do pontificado de Francisco está sendo feita através dos Sínodos, cujo objetivo é a maior participação da Igreja local nas decisões da Igreja universal. O Sínodo para a família não teve grandes repercussões na Igreja brasileira, por exemplo. Como avalia o resultado desse sínodo, considerando sua proposta?
Austen Ivereigh — O processo do Sínodo começou com uma consulta à Igreja local, que foi longe de ser perfeita à medida que a experiência variou muito entre os países. A Igreja não está acostumada a consultar, não tem essa tradição e essa prática, mas o fato de que o fez, para mim, é importante. E começou a partir da realidade, para saber como as famílias estão vivendo os ensinamentos da Igreja na sua sociedade. Começar a discutir essa realidade foi importante.
Agora, o que se fez com os resultados e a própria publicação dos resultados foi algo muito caótico, de fato, mas é importante começar daí. Também no Sínodo sobre a família houve uma participação de outras igrejas e de leigos, com intervenções, e os delegados que participaram do Sínodo disseram que isso foi muito significativo nos círculos de discussão onde, por exemplo, a experiência de um pai de família influenciava as discussões.
O Sínodo sobre a Família foi um grande exemplo da conversão pastoral, porque se começou com uma discussão sobre a doutrina e se terminou dizendo que “não estamos aqui para falar da doutrina, estamos aqui para falar como podemos ajudar as pessoas a viver essa doutrina” — essa é uma conversão pastoral. Quando escrevi um capítulo do meu livro sobre isso, vi essa questão muito claramente: certos bispos e cardeais começavam com essa posição e terminavam com outra. O Papa está criando um mecanismo de discernimento eclesial. Finalmente um Sínodo reproduz a mesma dinâmica do Concílio como fator permanente na Igreja universal; isso é muito importante.
IHU On-Line — No último domingo o Papa nomeou novos cardeais. Qual é o significado dessas nomeações? Como avalia a configuração do Colégio de Cardeais a partir das nomeações desse pontificado?
Austen Ivereigh — Quando eu estava respondendo sobre as mudanças no governo universal, esqueci de mencionar uma coisa, que é a mais importante: a reconfiguração do Colégio Cardinalício. Essa reconfiguração não é importante só pelo fato de ampliar a presença de vários países, porque isso também foi feito por João Paulo II e Bento XVI. É verdade que agora o colégio é muito mais internacional do que antes, que é o que melhor representa o catolicismo mundial, ou seja, há menos presença de europeus e mais presença de representantes de outros países. Mas este é um processo que tem se desenvolvido nos últimos 20 anos.
A coisa mais radical que o Papa tem feito com o Colégio Cardinalício é a nomeação de cardeais periféricos, os pequenos da vida, isto é, pessoas que estão na fronteira — na fronteira da guerra inter-religiosa — onde a Igreja pode ser muito pequena, mas muito sofredora. E ele está convencido de que a voz da periferia é a voz do Cristo e a voz do Espírito Santo. A nomeação desses cardeais tem mudado o colégio no sentido de que no próximo conclave haverá uma porção de cardeais que realmente representam uma experiência que não tem sido representada anteriormente, e o efeito sobre a eleição do novo papa será muito mais interessante. Isso é típico do Papa: está abrindo processos que prometem uma maior participação do Espírito Santo nos processos da deliberação da Igreja, um discernimento. Quando o Colégio Cardinalício se divide entre blocos ideológicos, liberais e conservadores, é um desastre. Ele está procurando que as necessidades do povo de Deus sejam a coisa mais importante no discernimento do próximo papa.
IHU On-Line — Você acompanha as relações do Vaticano com a China?
Austen Ivereigh — Não sou grande especialista neste assunto, pois é muito complexo. A situação da China é muito difícil de entender para quem não conhece bem de dentro. A minha atitude em geral é a seguinte: ninguém duvida que o futuro do cristianismo está no Oeste. A China será o país do futuro e é preciso que o Vaticano tenha uma relação com a China para o bem do mundo, não somente para o bem da Igreja e dos católicos chineses.
Eu sei que Francisco está fazendo tudo o que pode para criar essa relação com a China. Necessariamente nessas relações entre Estados e o Vaticano há compromissos, negociações e temores. Penso no exemplo de Cuba, onde a Igreja tem uma relação com o Estado, com o Partido Comunista muito interessante: é crítica, mas apoia o povo, o país; o governo não considera a Igreja como inimiga do país, sabe que tem uma postura diferente, mas é uma relação de respeito. É o que eles estão procurando em relação à China.
IHU On-Line — Como você está acompanhando a situação da Igreja chilena? Como essa questão tem sido tratada por Francisco? Na última sexta-feira os bispos chilenos colocaram seus cargos à disposição do Papa. Qual é o significado disso?
Austen Ivereigh — Passamos todo o café da manhã falando sobre isso [risos]. A posição dos bispos é fruto de um processo de conversão pastoral, no sentido de que na segunda-feira o Papa lhes entregou um documento que foi publicado no final da semana pela mídia chilena. É um documento que vai ao fundo da questão, que questiona por que a Igreja chilena, que antes era conhecida por sua defesa dos direitos humanos e como um grande líder na sociedade civil, se ensimesmou e deixou de colocar Cristo no centro e se pôs a si mesma no centro. É isso que diz a carta. Ele está procurando uma reorientação radical da Igreja, não é só sobre a questão de abusos, é muito mais profundo do que isso.
O fato que fez com que os bispos ao final da semana apresentassem sua renúncia foi a sua aceitação do diagnóstico do Papa, de que eles mesmos são incapazes de resolver essa situação, que no fundo é uma questão de uma nova abertura à Graça, e a Graça só se pode entrar numa situação de autoentrega, de dizer que não sou capaz de resolver. É como um alcoólatra que dá o primeiro passo dizendo que não é capaz de resolver seu problema e precisa de ajuda. Em primeiro lugar, então, os bispos estão dizendo: “Nós confiamos no Papa como nosso pastor e padre espiritual, confiamos nele e também através da nossa humilhação aceitamos a necessidade da ajuda de Deus”.
A renúncia dos bispos chilenos é sinal dessa conversão espiritual. É uma auto-humilhação e uma humildade radical. A relação entre a humilhação e a humildade é muito forte, e o Papa fala sobre isso na Gaudete et Exsultate: para ser humildes precisamos da humilhação. Foi o próprio fato de a Igreja chilena querer controlar tudo, que a conduziu a um problema original. Essa soberba da Igreja exitosa é a raiz do problema. O Papa fez um diagnóstico muito profundo e está usando os critérios inacianos para entender como a Igreja chegou a essa situação e quais foram as tentações pelas quais a Igreja sucumbiu e como poderá sair dessa situação.
O que o Papa fará agora, diante dessas renúncias, não se sabe, mas há duas possibilidades: ou ele pode aceitar a renúncia de todos — o que seria inconcebível —, mas talvez possa aceitar a renúncia de um terço, de nove bispos, porque cinco deles já apresentaram suas renúncias por razões de idade e quatro são ligados a Fernando Karadima. Eu acho, mas posso estar equivocado, que ele vai usar essa nova disposição espiritual para conduzir esse processo de conversão. Seguramente vai aceitar certas renúncias, é evidente, mas será um processo de longo prazo e que irá remodelando a hierarquia da Igreja. Mas, como ele diz nessa carta de entrada, não é uma questão de retirar certos bispos, porque isso seria repetir o mesmo erro.
IHU On-Line — Qual sua leitura sobre Gaudete et Exsultate? Em que medida se pode compreender a pastoralidade de Francisco a partir desse documento e como ele tem sido recebido?
Austen Ivereigh — Gaudete et Exsultate é o centro do pontificado, talvez o resumo mais sucinto e concreto do que ele está procurando fazer como papa, que é voltar a colocar a Graça no centro da oferta cristã. Nós não nos salvamos pelos nossos próprios métodos, senão pela ajuda do Jesus Cristo e do Espírito Santo na prática cotidiana e diária, e a Santidade é algo de todos os dias. É esse oferecer-se a Deus, essa disposição e essa capacidade de pedir ajuda e de receber a Graça que, no fundo, é o que nos santifica e nos salva. E as outras coisas que a Igreja oferece são boas, mas só enquanto são frutos dessa experiência. Muitos católicos dizem que quando o mundo aceitar intelectualmente o catecismo da Igreja católica, todos serão salvos, mas o cristianismo não é uma ideia; é um encontro com uma pessoa. Bento XVI viu esse problema porque, em 2005, em Deus Caritas Est, ele disse isto: o cristianismo não é uma ideia linda e nem uma postura ética, é um encontro com uma pessoa que te muda o horizonte. Isso que o Papa diz é citado no Documento de Aparecida e ele volta a citá-lo em Evangelii Gaudium, dizendo que nunca se cansa de repetir isso. Para mim, essa é a chave do pontificado.
A Igreja tem tido problemas em evangelizar a sociedade contemporânea porque tem caído na tentação de responder ao relativismo com uma resposta intelectual ou ética. Isto tem feito com que vejamos a Igreja como algo ideológico, como uma ideia, uma doutrina que a Igreja procura impor. Neste contexto, o relativismo é uma reposta compreensiva das pessoas que estão dizendo “nós somos livres” e é esta dinâmica que o Papa vê. Por isso ele sempre enfatiza o encontro e a misericórdia, porque no fundo o cristianismo é isto: uma revelação de um Deus de misericórdia e de ternura. Todas as consequências éticas são a consequência disso, e a mudança moral é a consequência desse encontro.
Uma vez Francisco perguntou aos participantes de um retiro, enquanto arcebispo de Buenos Aires, poucos meses antes de ser eleito: A mulher adúltera (João, 8), voltou à sua vida de promiscuidade? O Evangelho não diz, mas vocês podem estar seguros de que não, porque uma pessoa que tenha recebido tanta misericórdia é incapaz de incorrer no mesmo erro; essa é a consequência. A mudança moral é a consequência da recepção da misericórdia de Deus; ele está convencido disso. E o Jubileu da Misericórdia fez uma reflexão muito bonita sobre essa mesma passagem do Evangelho, falando que a mulher, nesse momento, aceitou-se como era aos olhos de Deus e, consciente da sua própria dignidade, começou a mudar o seu comportamento; é como ver a nós mesmos no espelho. Em parte, uma das coisas que a Igreja tem que fazer sempre é oferecer esse espelho à humanidade para dizer “vocês valem muito mais do que pensam”, e depois permitir que o comportamento mude em consequência dessa realização.
IHU On-Line — Hoje tem se falado muito sobre as fake news e sua influência em processos políticos. O papa Francisco também tem sido alvo desse tipo de notícia?
Austen Ivereigh — O papa Francisco fez um documento sobre fake news. Essa foi sua mensagem para a última jornada da Comunicação Mundial. Ele fez uma reflexão muito boa e muito profunda. Para o Papa a Teologia de Von Balthasar é importante, porque fala dos três transcendentais — verdade, bondade e beleza —, que são as respostas que procuramos no coração. E, quando se separam esses aspectos, é problemático, pois a verdade de Jesus tem que manter sempre conectados esses três aspectos. As fake news são uma tentativa de instrumentalizar as notícias para fins que não são bons. Quando se instrumentaliza a verdade, é problemático, e as fake news são assim.
O papa Francisco tem sido vítima das fake news, muito mais do que qualquer outro papa. Há um livro que saiu agora na Itália, que é uma compilação de todas as fake news sobre o Papa. Se procurarmos pelo termo “papa Francisco”, na internet, encontraremos muitas notícias falsas. O Papa está muito interessado também nos meios sociais e no modo de como está mudando a conversação pública. Ele vê nessas possibilidades tecnológicas coisas muito boas, mas também é verdade que há uma tendência à polarização rápida, e nós estamos nos dividindo em tribos.
IHU On-Line — Como surgiu seu interesse em trabalhar como jornalista que faz cobertura de assuntos de Igreja e do catolicismo em geral?
Austen Ivereigh — Eu sou católico de nascimento e fui educado por monges beneditinos. Fui à Universidade de Londres e depois a Oxford, onde redescobri minha fé através da Igreja argentina e de uma revista dos anos 30. Eu fiz minha tese sobre a política argentina e a Igreja, que depois foi uma tese estrutural. Eu sou a prova de que, às vezes, os doutorados funcionam e são úteis [risos], porque muitos anos mais tarde fiz uso da minha tese para compreender o Papa quando escrevi sua biografia.
O jornalismo chegou bastante tempo depois: eu tinha entrado na Companhia de Jesus como noviço, mas depois saí. O resultado da experiência do noviciado, sobretudo nos 30 dias, foi descobrir essa vocação que eu já sabia que tinha, mas não tinha aceitado. Comecei no jornalismo escrevendo sobre a Igreja latino-americana e no fundo devo minha fé à Igreja latino-americana. Uma coisa que me faz muito feliz é o fato de que agora a Igreja latino-americana seja o centro dinâmico da Igreja universal, porque em todas as épocas da Igreja sempre houve uma Igreja que era “a” fonte. Pensando na minha vida, realmente é uma grande alegria ver essa trajetória de sentido, essa atração do jovem para a Igreja latino-americana, e de ver agora os frutos dessa Igreja no mundo e no pontificado.
Não são dias fáceis para os jornalistas, mas os meus amigos vaticanistas dizem que nesse momento o Vaticano é uma das áreas de crescimento no jornalismo mundial, fora das zonas de guerra [risos]. O Vaticano é a única zona de crescimento e de recursos jornalísticos. Isto é, os meios de comunicação principais reconhecem neste pontificado algo muito significativo e estão investindo recursos nesse tipo de cobertura. Muitas vezes me descrevem como vaticanista, mas não sou, porque os vaticanistas moram em Roma e eu não, mas vou muito lá — no ano passado fui umas cinco vezes.
Uma vez estive no avião papal que foi à Suécia para o encontro luterano e isso foi muito revelador sobre como trabalham os vaticanistas. É um trabalho muito difícil, porque jornalisticamente tudo passa muito rápido. Por exemplo, você está escrevendo uma nota e imediatamente tem que voltar para o ônibus; é tudo muito intensivo, mas muito privilegiado.
No voo de saída o Papa saúda os jornalistas de forma pastoral, depois, no voo de volta sempre tem a conferência com a imprensa. A relação do Papa com os jornalistas é notável. Muitos são agnósticos e seculares, mas compartilham seus momentos pessoais com ele, mostram fotos de suas famílias, pedem bênçãos; nenhum líder de outra instituição teria essa relação. E a franqueza da conferência de imprensa é grande. Vi como isso funciona no sentido de como os jornalistas preparam as perguntas e como decidem entre eles quais perguntas vão fazer, pois cada grupo linguístico tem uma pergunta e há fortes discussões sobre quais são os temas relevantes a serem perguntados. O Papa não sabe nada do que será perguntado; não sei se algum líder de alguma instituição teria essa disposição; tudo é muito pouco controlado. Apesar de ele ter 80 anos, tem muita disposição, é realmente muito calmo. Tem sido um privilégio acompanhá-lo.
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Francisco - a criação de um mecanismo de discernimento eclesial e a convicção de que a voz da periferia é a voz de Jesus Cristo. Entrevista especial com Austen Ivereigh - Instituto Humanitas Unisinos - IHU