17 Mai 2018
Na década de 1960, a prática católica experimentou um verdadeiro colapso. Frequentemente associado ao Maio de 68, essa ruptura, no entanto, deita raízes nas mudanças iniciadas pelo Concílio Vaticano II em 1965. Em Comment notre monde a cessé d'être chrétien. Anatomie d'un effondrement (Como o nosso mundo deixou de ser cristão. Anatomia de um colapso. Paris: Seuil, 2018), Guillaume Cuchet, professor de História Contemporânea, analisa as causas dessa crise.
A entrevista é de Youna Rivalain, publicada por Le Monde des Religions, 09-04-2018. A tradução é de André Langer.
Você evoca uma crise da prática religiosa que teria começado não com o Maio de 68 ou com a Encíclica Humanae Vitae de Paulo VI, sobre a contracepção, publicada no mesmo ano, mas em 1965. Em que dados você baseia essa afirmação?
Eu trabalhei nos arquivos do cônego Fernand Boulard, sacerdote e especialista em questões sociológicas para o episcopado (francês). Ele fez pesquisas sobre a prática religiosa em todas as dioceses da França entre 1945 e 1965. Ao final do seu trabalho, ele concluiu pela estabilidade geral das taxas de frequência das igrejas no longo prazo, apesar de uma queda ligeiramente declinante, cujas origens remontam à Revolução.
No entanto, em meados da década de 1960, contra todas as probabilidades, essas curvas mergulharam. Este é o ponto de partida do meu trabalho. Assim, cinquenta anos depois das conclusões de Boulard, tentei verificar seu diagnóstico da época e avançar algumas hipóteses sobre esse abandono em massa da prática.
Antes do Concílio, a prática religiosa era obrigatória sob pena de pecado mortal. De que maneira a mudança iniciada pelo Vaticano II levou a uma consequente queda da própria prática?
A prática é uma obrigação canônica para os católicos. Ela fazia parte dos chamados “mandamentos da Igreja”: a prática dominical, isto é, a participação na missa aos domingos e na Páscoa, e comungar ao menos uma vez ao ano, após ter se confessado.
Como consequência indireta do Concílio, a Igreja passou a insistir significativamente menos do que no passado sobre essas obrigações. Ela passou a considerar que a prática como tal era relativamente secundária; que o importante era a participação, os comportamentos evangélicos, os compromissos sociais ou políticos.
Nessa época, várias gerações de cristãos, formadas neste sistema de obrigação, afastaram-se. Penso que é mais essa mudança do sentido da prática, com sua nova ênfase na liberdade individual e uma perspectiva mais complexa da prática, que contribuiu para a diminuição das taxas de frequência.
Você evoca o desaparecimento de uma “pastoral do medo” baseada no ensinamento do pecado original, do julgamento individual, do inferno e do purgatório, em favor da imagem de um Deus que é todo amor e de uma importância mais marcada do diálogo inter-religioso. Você diria que o catolicismo moderno tornou-se mais comprometedor para os fiéis?
Em suas análises das décadas de 1970 e 1980, o historiador Jean Delumeau insistiu no fato de que a cristianização em massa do Ocidente se deu, muitas vezes, pela “pastoral do medo”, ao insistir nos aspectos mais inquietantes do cristianismo. Com isso ele deu a entender que o Ocidente foi cristianizado apenas superficialmente, pelo medo, e não por convicções profundas. Isso ajuda a compreender a descristianização do século XX, que, em certo sentido, foi uma reação compensadora potencialmente salutar.
Eu penso que há uma parte de verdade nisso: o catolicismo pré-conciliar estava muito vinculado a uma pregação dos “fins dos tempos”, o que deu origem a uma pastoral muito dramatizada. Um dos aspectos mais surpreendentes do Concílio é ter ocultado completamente os “fins dos tempos”, que eram, portanto, antes temas centrais na pregação, na catequese e na espiritualidade católicas. De repente, deixou-se de falar sobre isso e passou-se a insistir muito no compromisso e na abertura ao mundo.
Um outro elemento que passou a exercer um papel importante é a ênfase na liberdade religiosa. Vários cristãos viram isso como uma espécie de novo direito de “distinguir” entre as verdades de fé e as práticas obrigatórias. Depois do Concílio, começaram a fazer uma “bricolagem” no seu catecismo, abandonando aquilo de que não gostavam ou parecia improvável, especialmente porque o próprio clero parecia não acreditar mais nisso.
Você evoca uma crise do sacramento da reconciliação no tempo do Vaticano II. Como você percebe então o Pontificado do Papa Francisco, para quem a misericórdia é uma das chaves da mensagem, especialmente com o Jubileu da Misericórdia e a retomada do sacramento da reconciliação.
Este é um dos aspectos mais espetaculares dos anos 60 em matéria religiosa: este sacramento, que era chamado de “sacramento da penitência”, depois renomeado como “sacramento da reconciliação”, sofreu muito com a transição. As taxas de confissões despencaram, ao passo que ocupava um papel central na vida da Igreja: a reconciliação era, com as exéquias, o sacramento que mais ocupava o clero. Todos os confessionários eram tomados de assalto às vésperas de grandes festas do calendário litúrgico!
Hoje, parece que se observa um movimento de redescoberta da confissão vista sobretudo como sacramento da misericórdia. Isso está em sintonia com as transformações do catolicismo contemporâneo. A geração mais jovem, que não conheceu nada da situação pré-conciliar, recupera elementos que foram descartados na mudança: a batina, o latim, o confessionário, etc. Mas este não é um retorno puro e simples à situação anterior ao Concílio: é antes uma espécie de catolicismo vintage!
O mapa Boulard destaca importantes disparidades regionais: isso continua mesmo após a ruptura de 1965?
A ruptura reequilibrou as regiões com um nivelamento para baixo. Antes da década de 1960, os contrastes regionais eram espetaculares. Hoje, as disparidades subsistem, mas são muito menores do que há 50 ou 60 anos. Em muitas áreas rurais e/ou montanhosas, o catolicismo quase desapareceu, em parte por causa da crise vocacional que já não permitiu mais manter a rede paroquial, forçando os fiéis, muitas vezes idosos, a percorrer um longo caminho para ir à missa. A crise vocacional abalou algumas regiões, ao passo que outras defenderam melhor suas posições.
E quanto às disparidades sociológicas em relação à prática?
Na década de 1950, o catolicismo estava representado em todos os meios sociais, não sem fortes disparidades. O clero estava particularmente preocupado com a sub-representação dos católicos no mundo operário que supostamente detinha as chaves do “mundo de amanhã”. Hoje, os contrastes sociológicos ainda existem e, por razões ligadas à transmissão da fé, o cristianismo parece ter se perpetuado melhor em uma certa burguesia clássica que continua a desempenhar um papel importante na vida católica francesa.
Por outro lado, o catolicismo popular “autóctone” diminuiu consideravelmente. O catolicismo francês tem agora uma tendência a se polarizar em torno de uma certa burguesia, de um lado, e paróquias populares fortalecidas pela imigração cristã, de outro – o que não é representativo da sociedade francesa em sua diversidade e em sua complexidade.
Os primeiros a abandonarem a Igreja foram os jovens da geração baby boom. Por que eles?
Nos anos 50, 80% de uma geração fez sua comunhão solene aos 12 anos, com em média três anos de catecismo com missa obrigatória. No dia seguinte à primeira comunhão começava a grande debandada: ela era o clímax da prática, depois do que as crianças passaram a fazer o que queriam. O clero, que sabia disso, considerava seu dever injetar nas crianças uma grande dose de religião, porque elas não seriam vistas novamente tão cedo.
É neste contexto que os baby boomers chegam, em número muito grande: entre 800 mil e 850 mil, ou seja, 200 mil a mais do que na década de 1930. Como os outros, eles fazem sua comunhão solene, mas depois abandonam a Igreja muito mais que os seus antepassados.
Há várias explicações possíveis para esse fenômeno: primeiro, seu número e sua adequação à sociedade de consumo própria dos Trinta Gloriosos (1954-1975), criando um desnível cultural nas próprias famílias. Esta geração é também mais escolarizada do que seus pais, o tempo de escolarização obrigatória subiu para 16 anos em 1959. A Igreja, por sua vez, insiste menos do que no passado sobre a obrigação da prática. Tudo somado, as pessoas comuns de maio de 1968 começaram a ser aqueles que abandonaram a comunhão solene nos anos 60!
Essa crise teria acontecido sem o Concílio? Ou ela era inevitável?
Essa crise é internacional: ela ocorreu em muitos países do Ocidente, de cultura católica ou protestante majoritária. É uma crise geral com causas socioculturais, como a modernização da sociedade ou a elevação do nível escolar. Mas, na França, o Concílio contribuiu para impor uma nova agenda e dar-lhe uma intensidade particular. A Igreja Católica era uma antiga instituição conservadora que se orgulhava de não mudar, que era considerada imutável como a verdade, etc. E eis que, de repente, ela mudou profundamente, não sem suscitar um certo ceticismo em muitas pessoas que se perguntavam pelo que lhes foi contado no passado e se a Igreja sabia o que estava dizendo.
Você convida as famílias para fazerem relatos familiares a fim de estudar a transmissão da fé e da prática religiosa dentro delas...
É de fato um exercício que pode ser muito esclarecedor, tanto para si mesmo como para a história geral do período. Cada qual pode construir sua árvore genealógica espiritual e ver como as coisas evoluíram em sua família ao longo de três ou quatro gerações, porque a fé foi transmitida aqui e não ali, etc. A chave para muitos dos enigmas que nos ocupam é familiar.
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Por que o Maio de 68 não é responsável pela crise das Igrejas. Entrevista com Guillaume Cuchet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU