21 Abril 2018
Depois de rezar junto do túmulo do bispo, para o qual foi iniciada a beatificação, Francisco afirmou: “A Igreja não deve ser mundana, mas sim estar a serviço do mundo”.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 20-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Viver o Evangelho sem descontos” contra “a tentação recorrente de seguir os poderosos de plantão, de buscar privilégios, de nos acomodar em uma vida confortável”. Bandeiras penduradas nas sacadas ao longo do pequeno porto, uma grande oliveira ao lado do altar com vista para o mar, dezenas de milhares de fiéis reunidos em Cala Sant’Andrea à espera da missa, sol e vento.
Francisco chegou à terra do bispo que tinha uma “salutar alergia aos títulos e às honrarias” e teve “a coragem de se libertar daquilo que pode recordar os sinais do poder para dar espaço ao poder dos sinais”. E a sua viagem à terra natal do Pe. Tonino Bello, depois das visitas às terras do Pe. Primo Mazzolari e do Pe. Lorenzo Milani, mostra o caminho que o papa indica à Igreja, não só italiana.
Passaram-se 25 anos desde a morte do Pe. Tonino, sacerdote, escritor e poeta, um dos mais amados da literatura cristã, e é evidente a afinidade entre o “padre callejero”, de rua, que chegou de Buenos Aires, e o sacerdote que pregava uma “Igreja do avental”, pronta para servir os mais pobres, “não mundana, mas para o mundo”, uma Igreja que volta ao essencial do Evangelho e, portanto, “purificada de autorreferencialidade, ‘extrovertida, estendida, não envolta dentro de si’, faminta de Jesus e não à espera de receber, mas de prestar um pronto socorro”.
O sonho do Pe. Tonino, explica Francisco na homilia da missa em Molfetta, era “uma Igreja faminta de Jesus e intolerante a toda mundanidade, que sabe perceber o corpo de Cristo nos tabernáculos incômodos da miséria, do sofrimento, da solidão”.
Antes de chegar a Molfetta, Francisco começou sua viagem em Alessano, no Salento, a “terra de sonho”, onde o Pe. Tonino nasceu e agora está enterrado. Rezou diante do túmulo e, na saudação aos fiéis, reconstruiu a figura desse padre inoportuno, um “profeta” muitas vezes isolado e contestado pelas suas escolhas.
“O Evangelho – você costumava lembrar disso no Natal e na Páscoa – chama a uma vida muitas vezes incômoda, porque quem segue Jesus ama os pobres e os humildes”, diz Francisco. “O Pe. Tonino nos chama a não teorizar a proximidade aos pobres, mas a estar perto deles, como fez Jesus, que por nós, de rico que era, fez-se pobre. O Pe. Tonino sentia a necessidade de imitá-lo, envolvendo-se em primeira pessoa, até se despossuir de si mesmo. As demandas não o perturbavam, a indiferença o feria. Não temia a falta de dinheiro, mas se preocupava com a incerteza do ter emprego, um problema ainda hoje tão atual. Não perdia a oportunidade de afirmar que, em primeiro lugar, está o trabalhador com sua dignidade, não o lucro com sua avidez. Não ficava de braços cruzados: ele agia localmente para semear paz globalmente, na convicção de que o melhor modo de prevenir a violência e todos os tipos de guerras é cuidar dos necessitados e promover a justiça. De fato, se a guerra gera pobreza, a pobreza também gera guerra. Por isso, a paz é construída começando pelas casas, pelas ruas, pelos armazéns, lá onde se molda a comunhão artesanalmente”.
A vocação para a paz, explica Francisco, pertence “a esta maravilhosa terra de fronteira – finis-terrae – que o Pe. Tonino chamava de ‘terra-janela’, porque a partir do Sul da Itália se escancara para os muitos Sul do mundo, onde ‘os mais pobres são cada vez mais numerosos, enquanto os ricos se tornam cada vez mais ricos e são cada vez menos”.
Com o passar dos anos e a multiplicação dos conflitos, as palavras do Pe. Tonino estão cada vez mais atuais. Francisco dirige o olhar para os fiéis: “Vocês são uma ‘janela aberta, a partir da qual é possível observar todas as pobrezas que incumbem sobre a história’, mas vocês são sobretudo uma janela de esperança para que o Mediterrâneo, histórica bacia de civilização, nunca seja um arco de guerra estendido, mas sim uma arca de paz acolhedora”.
Falar de “Igreja do avental” significa “não teorizar a proximidade aos pobres, mas estar perto deles, como fez Jesus”. Aqui se vê toda a profunda afinidade entre o Pe. Tonino e Bergoglio. Francisco pronuncia: “Esse fiel com os pés no chão e os olhos no céu, e, acima de tudo, com um coração que conectava céu e terra, cunhou, entre tantas outras, uma palavra original, que transmite a cada um de nós uma grande missão. Ele gostava de dizer que nós, cristãos, ‘devemos ser contemplativos, isto é, pessoas que partem da contemplação e depois deixam fluir seu dinamismo, seu compromisso na ação’, pessoas que nunca separam oração e ação”.
Devemos ser “servidores do mundo, mas como ressuscitados, não como empregados”, repete o papa em Molfetta. Porque, dizia o Pe. Tonino, “não bastam as obras de caridade se falta a caridade das obras; se falta o amor do qual partem as obras partem, se falta a fonte, se falta o ponto de partida que é a Eucaristia, todo compromisso pastoral é apenas uma sucessão de coisas”.
Assim, “‘viver para’ é a marca daqueles que comem este Pão, a ‘marca registrada’ do cristão”, conclui Francisco. “Isso poderia ser exposto como um aviso do lado de fora de todas as igrejas: ‘Depois da missa não se vive mais para si mesmo, mas para os outros’”.
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''É preciso libertar-se dos sinais de poder'', afirma Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU