17 Abril 2018
Os sírios dialogam com aquele que eles chamam de "autoridade moral mundial que pode nos ajudar". Nasr Al Hariri, chefe da delegação síria que chegou no último domingo no Vaticano e que irá visitar a Secretaria de Estado, é um velho amigo de Gregorios Yohanna, um dos dois bispos sequestrados na Síria. Em suas conversas lembra-se dele com frequência e com carinho, enquanto aguarda o momento de voltar para o Vaticano.
A reportagem é de Riccardo Cristiano, publicada por Vatican Insider, 16-04-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como a seu vice, Hind Kabawat, amiga há vinte anos do padre Paolo Dall'Oglio, que também foi sequestrado na Síria, que sempre lembra aquele que ela chama de seu mentor: "Quando conseguimos formar este grupo, esta coalizão síria com expoentes de todas as comunidades religiosas e étnicas presentes na Síria, pensei que estávamos fazendo exatamente o que Paolo sempre havia nos convidado a fazer. Entre nós há sunitas, drusos, alauítas, cristãos e todos os outros, porque só assim poderemos falar em nome da Síria e dos sírios. A última vez que encontrei o padre Paolo, não muito antes de seu sequestro, pedi-lhe para me abençoar, como sempre, e quando ele marcou a minha testa lembro muito bem que eu tive a nítida sensação de sentir toda a tensão, a angústia que ele trazia dentro de si em relação ao nosso futuro".
Gregorios Yohanna, bispo ortodoxo, ensinou a seu amigo a preciosidade do trabalho da Comunidade de Santo Egidio. E isso lhe permitiu não se surpreender que justamente a Comunidade tenha realizado os corredores humanitários, para trazer em segurança sírios em fuga dos bombardeios até à Europa. Ele lhe deu esperança de que esse trabalho possa se expandir para além dos preciosos corredores.
Conversando com eles, por exemplo, com Abdulahad Astepho, fica a impressão de que não sabemos praticamente nada sobre a realidade da Síria. "Nos tempos de Assad pai, no país não havia bancos privados apenas o banco estatal. Depois, Bashar al Assad abriu a bancos privados, que são onze no total, todos - em pelo menos 51% - de propriedade de Rami Makhlouf, primo pelo lado materno do presidente. É essa privatização do Estado uma das causas da situação em que estamos. Não existe uma linha vermelha que separa os sírios entre apoiadores e opositores de Assad. Eu conheço tantas pessoas que trabalham no Estado, nas instituições, nada torna impossível viver juntos entre nós, porque todos nós sabemos que é a guerra que levou a ações condenáveis, não as filiações religiosas. O mesmo não pode ser dito apenas para duas minorias: os salafitas, que querem continuar a lutar e o estreito círculo do presidente, que quer continuar a lutar. O exército sírio não existe mais, não têm soldados, nossos jovens se recusam a se alistar, e assim aqueles que querem combater necessitam daqueles que estão prontos a passar de um lado para outro. Um motivo de grande preocupação é que a base do exército foi constituída nestes últimos anos pelos alauítas, obrigados a se alistar e por isso essa pequena comunidade perdeu muitos jovens, um número absolutamente desproporcionado".
Eles sonham com um futuro diferente, e esperam que possa chegar em 2021, quando termina o mandato presidencial de Bashar al Assad. "Os russos disseram-nos para pensar sobre a proteção das minorias, nós respondemos que rejeitamos a sua ideia de milícias confessionais para protegê-las, como nos propuseram. Nós não queremos grupos armados confessionais, como o Hezbollah ou outras milícias, não queremos outros Estados no Estado, mas um exército nacional que seja de todos, que esteja a serviço da proteção de todos, da mesma forma que o estado deve ser de todos e a defesa deve ser para todos, estatal".
Ouvindo-os falar entre si fica uma clara percepção de que eles não falam de uma guerra confessional: "Muitos sunitas estão com o regime, como muitos cristãos não estão com o regime. Entre os exilados que se encontram aqui na Europa, há muitos cristãos que não podem retornar para a Síria, pela mesma razão dos outros, não querem fazer o serviço militar. Hoje seriam convocados a servir caso voltassem, e não querem fazer isso inclusive para não atirar contra seus irmãos".
"A comunidade cristã - explica um ortodoxo - é muito diferente do que costuma ser dito. Não é uma muleta de ninguém. A religião não envenena os poços de convivência, há séculos sabemos isso na Síria". Quando se trata de passar para as ideias emerge a consciência de que construir o futuro significa a construção de uma cidadania compartilhada por todos: disso Nasr Alhariri, Hind Kabawat e Abdulahad Astepho falarão no Vaticano, na certeza de que um "mapa do caminho" possa existir. Eles identificam tal caminho na Declaração de Genebra de 2012, aquela que foi elaborada na época em que o representante da ONU na Síria era o argelino Brahimi, na resolução 2118 que pede a destruição das armas químicas e na resolução 2254 sobre a reorganização política da Síria. Aprovada em 2015, essa resolução apela ao "cessar-fogo" imediato e o início das negociações de paz entre todas as partes políticas, exceto os grupos terroristas, como Isis e Nusra, contra os quais continuará a ação armada. "Não se deve olhar apenas para trás, mas também para frente. Em 2021, quando expirar o mandato presidencial de Assad, poderemos pensar em um futuro diferente?".
Para todos os representantes da Comissão de negociação síria os principais perigos vêm de uma compreensão equivocada da situação no território. Não é a mesma em todos os lugares; a batalha de Douma, por exemplo, era nevrálgica por motivos militares e de estratégias estrangeiras. A percepção de que as expectativas quanto ao que o Vaticano possa fazer sejam superiores ao que se possa imaginar é nítida, inclusive porque todos, independentemente da identidade confessional, reconhecem e identificam uma autoridade moral indiscutível, perfeitamente expressa pelas palavras proferidas pelo Papa Francisco.
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No Vaticano, uma delegação inter-religiosa síria: "A solução para a crise é possível" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU