12 Março 2018
Francisco foi percebido, cinco anos atrás, como um papa carismático, porém alheio à diplomacia do Vaticano (considerada não tão decisiva no tempo de Bento XVI, a ponto dos governos se questionarem quanto à utilidade das embaixadas no Vaticano). Mas os anos de Francisco viram uma intensa atividade diplomática, como em 2014, com a mediação nas negociações entre Cuba e os Estados Unidos. Agora Francisco está prestes a fechar a antiga questão dos católicos na China, aberta pelo advento da República Popular, desinteressada na relação com o Vaticano (em 1951 foi expulso o núncio Riberi, que se transferiu para Taiwan junto ao presidente Chiang Kai-shek, derrotado pelos comunistas). A crise, depois de intensas pressões governamentais sobre católicos e bispos, começou especialmente com a criação da Associação Patriótica Católica em 1957, expressão de controle governamental sobre a Igreja.
O artigo é de Andrea Riccardi, fundador da Comunidade Santo Egídio, que ontem celebrou seu 50o aniversário, com a presença do Papa Francisco, na Basílica Santa Maria do Transtevere, em Roma, publicado por Corriere della Sera, 10-03-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Igreja chinesa então se dividiu em dois segmentos: os católicos "oficiais" e os "subterrâneos", ambos com seus próprios bispos. A situação tem um precedente na Revolução Francesa, quando a Constituição Civil do clero, em 1791, deu origem à Igreja oficial, rejeitada pelos católicos fiéis a Roma. A questão foi encerrada em 1801 pelo acordo entre Bonaparte e Pio VII, que depôs todos os bispos (patrióticos e fiéis ao Papa), para iniciar um novo processo de nomeação. A divisão na França durou dez anos. Na China, a Igreja está dividida há setenta anos, embora com sobreposições, especialmente nos últimos anos.
Quando se olha para a história da Igreja, causam surpresa tantas décadas passadas para reconciliar os católicos na China. Muito depende de Pequim, mas não só. Para o Papado, resolver os cismas é uma prioridade, como foi visto pelo grande empenho com os tradicionalistas de Lefèvre. A protelação das divisões cria fossos difíceis de superar e, acima de tudo, torna a Igreja incapaz de cumprir a sua missão, como mostra o crescimento relativo dos católicos na China, mesmo em um terreno de mobilidade religiosa. Os católicos hoje são apenas cerca de dez milhões, enquanto os evangélicos (especialmente os neoprotestantes) seriam cerca de setenta milhões com um grande crescimento.
A questão sino-vaticana levantou um debate que supera as dimensões do problema. É considerado o último dossiê da Ostpolitik, iniciada pelo cardeal Casaroli. De fato, retornam as críticas feitas então ao Vaticano: vender o martírio dos cristãos e aceitar um ambíguo controle estatal.
Assim escreveu George Weigel, biógrafo de Wojtyla, criticando a "complacência" do Vaticano em uníssono com muitas vozes anglo-saxônicas. O acordo é percebido como uma desvinculação da Santa Sé do Ocidente e dos Estados Unidos, como chamava a atenção Massimo Franco. Pedem-se à Igreja posições que os países ocidentais não têm em relação à China.
O desalinhamento do Ocidente também ocorreu com João Paulo II, o Papa das razões do Sul, mas também dos laços intensos (inclusive políticos) com a Europa e os Estados Unidos. Que o catolicismo não deva ser uma agência religiosa do Ocidente é uma linha constante dos Papas do século XX, mesmo que nem sempre seja fácil de implementar. É uma realidade, antes que política, inerente à missão da Igreja quando atua entre culturas, civilizações e regimes diferentes. Não é surpreendente, então, que Francisco busque um acordo com Pequim para dar estabilidade à Igreja e relançá-la, mesmo que as negociações sempre tenham um preço.
A questão tem um valor simbólico. Suscita duras críticas entre os católicos (destacam-se as do cardeal Zen de Hong Kong), severas na abordagem "diplomática" da questão católica na China: aparece ali uma continuidade entre Casaroli e o atual secretário de Estado, Parolin. Mas a diplomacia de Parolin para a entrevista sobre o tema em um mundo multipolar é obrigatoriamente diferente daquela da Guerra Fria, mesmo que continue existindo a ferramenta da negociação (porém para fins pastorais).
Fala-se de um acordo sino-vaticano desde 1980, quando o caminho foi aberto pelo cardeal Etchegaray (saudado em Pequim como "um grande representante de uma grande religião ocidental"). Na época os chineses - dizia o cardeal - ofereciam melhores condições que hoje. A negociação avançou aos saltos. Estancou no episódio da canonização dos mártires chineses em 1º de outubro de 2000, festa da República Popular, vista pelos chineses como um ato hostil. Em 2009, houve outra interrupção, até a retomada das negociações em 2013 com Francisco.
Quase quarenta anos de encontros e crises ensinam que, com o tempo, o quadro de negociação endurece pelo lado chinês. Também porque a China de Xi Jinping tem outra dimensão em relação ao passado.
É significativo, no entanto, que a China lide com assuntos religiosos internos com um sujeito não nacional. A URSS nunca fez isso. Mao Tse-Tung, em 1962, respondeu rispidamente a Giancarlo Pajetta, que intercedia pelos católicos: "cada um tem os deuses dos céus do próprio país".
O acordo (talvez até 2018) é uma novidade, mas não uma retumbante "Conciliação" entre o Papa e Xi. Isso não vai afetar as relações diplomáticas. Será principalmente voltado ao mecanismo de nomeação dos bispos (haverá um representante não-fixo do Vaticano em Pequim para estudar as nomeações). O acordo não será alardeado, mas será o primeiro passo de uma negociação sobre outras questões. O fato decisivo é que permitirá, com a formação de um único episcopado na China, a recomposição da Igreja, que é essencial para relançar a presença católica em um país em mudança. Isso é, por enquanto, o "modesto" objetivo do Papa Francisco.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Relançar a igreja na China é o objetivo do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU