03 Fevereiro 2018
Em um editorial do dia 23 de janeiro, o National Catholic Reporter criticou o Papa Francisco por causa da dor que ele causou aos sobreviventes de abuso sexual por parte do clero. Duas vezes e de forma muito pública, ele descartou o testemunho das vítimas de abuso e acusou-as de “calúnia” contra um bispo que ele instalou em uma diocese no sul do Chile, passando por cima do conselho de outros prelados chilenos e dos fortes e ardentes protestos de leigos católicos chilenos.
O editorial foi publicado por National Catholic Reporter, 02-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Francisco descartou o testemunho de que o bispo chileno Juan Barros Madrid, de Osorno, durante anos, ignorou ou encobriu evidências de que seu mentor, o Pe. Fernando Karadima, abusou de homens jovens. Apesar de pelo menos três denúncias públicas de sobreviventes dizerem o contrário, Francisco insistiu – em uma linguagem dura e julgadora – que não tinha visto nenhuma evidência contra Barros.
Reconhecemos nisso um roteiro muito familiar: descrédito ao testemunho dos sobreviventes, apoio ao clérigo em questão e desvio da atenção pública em direção a outra coisa. Dissemos naquele editorial: “os comentários de Francisco são, pelo menos, vergonhosos. No máximo, eles sugerem que Francisco agora poderia ser cúmplice no acobertamento”.
Nós continuamos: “A história mostrou que o grande número de sobreviventes estava dizendo a verdade. Qualquer reforma que aconteceu na Igreja se deve à sua corajosa determinação. A hierarquia foi capturada em suas mentiras e se humilhou, mas não antes que inúmeros fiéis desconhecidos abandonassem a Igreja Católica. O escândalo custou a autoridade moral, a credibilidade e bilhões de dólares da Igreja”.
“Em anos recentes – prosseguíamos –, pensávamos que lideranças da Igreja que haviam sido castigadas haviam começado a corrigir os erros do passado. Estávamos errados. O sumo pontífice, aparentemente, não aprendeu essa lição.”
Era um editorial duro, difícil de escrever, mas estávamos e estamos convencidos de que vai direto ao ponto.
Tudo o que dissemos contextualiza o nosso endosso à decisão de Francisco de enviar o arcebispo Charles Scicluna, de Malta, ao Chile para testemunhar no caso Barros. Enviar Scicluna é uma jogada inteligente e terá consequências. Boas consequências, esperamos, mas isso continua em questão.
Francisco não poderia ter escolhido nenhum delegado melhor para enviar do que Scicluna. Segundo todas as opiniões, Scicluna não se esquiva de perguntas difíceis e não se intimida com posição ou prestígio. Ele é aquele raro indivíduo que tem credibilidade dentro do Vaticano e com a comunidade que luta contra os abusos.
Em 2001, o então cardeal Joseph Ratzinger, o poderoso prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, tomou a importante decisão de enfrentar o escândalo dos abusos de menores por parte do clero e o acobertamento desse abuso por parte da hierarquia. Scicluna era o homem de referência. O trabalho de Scicluna em 2005 forçou o Pe. Marcial Maciel Degollado, o notório fundador dos Legionários de Cristo, a sair do ministério público e trouxe justiça, embora imperfeita, para esse caso.
Em 2014, Scicluna ajudou a Arquidiocese de St. Andrews e Edimburgo, na Escócia, a encontrar um pouco de paz e resolução, após a desgraça de três décadas de má conduta sexual por parte do cardeal Keith O’Brien.
O sucesso no Chile não é garantido, e as ações recentes de Francisco no Chile não facilitarão o já difícil trabalho de Scicluna. Os católicos no Chile deixaram claro, após o anúncio do Vaticano no dia 30 de janeiro, que Scicluna deve merecer a confiança da Igreja local. Ele terá que provar que tem “independência em relação a seu superior, que é o papa” e terá que entregar uma investigação transparente com um resultado comprovadamente justo.
Há muito mais em jogo do que apenas a posição de um bispo em uma pequena diocese no Chile. Infelizmente, a defesa de Francisco em relação a Barros foi apenas o mais recente em uma série de passos em falso que ele deu no seu papado de quase cinco anos em torno da questão do abuso sexual por parte do clero. Isso levou alguns a se perguntarem se ele entende inteiramente como o escândalo dos abusos prejudicou a Igreja de forma fundamental.
Francisco sofreu oposição na Cúria Romana e em certos setores da hierarquia por ser tão incrivelmente popular entre os católicos de base. Uma parte dessa popularidade ruiu no último mês.
Francisco tem uma ambiciosa agenda de reformas para a Igreja, uma agenda que ele acredita que foi eleito para implementar. Suas ações no Chile em janeiro enfraqueceram seus esforços de reforma. Se ele não conseguir corrigir isso, sua agenda mais ampla estará em risco.
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Envio do arcebispo Scicluna é uma jogada inteligente, afirma editorial de jornal americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU