23 Janeiro 2018
O autor deste artigo, Jorge Costadoat, é um teólogo jesuíta, durante muitos anos diretor do Centro Teológico Manuel Larraín (Chile). Ele ensinou por mais de vinte anos na Universidade Católica de Santiago, no Chile, mas em abril de 2015, não foi confirmada pelas autoridades eclesiásticas a "missio canonica" para o ensino.
O artigo é publicado por Settimana News, 20-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A visita do papa Francisco ao Chile começou como uma lufada de ar fresco. Até agora, a Igreja chilena encontrou pouca inspiração por parte dos bispos. Pelo contrário, tornou-se uma espécie de Boston, de Irlanda ou de Austrália na América Latina. Os abusos sexuais do clero e seu encobrimento abalaram o país e, especialmente, os católicos. Os jovens chegaram a associar intrinsecamente a palavra "pedófilo" com os sacerdotes.
A visita do papa com seus gestos e palavras simples, com o vínculo profundo com a realidade do povo, com a sua proximidade com os mais pobres (mulheres detentas, Mapuches e "rejeitados"), confirmou a convicção mais profunda da Igreja latino-americana. É a Igreja que faz a opção pelos pobres porque Deus opta pelos pobres.
Na área indígena Mapuche, altamente conflituosa, ele fez um apelo pela unidade do país. Ao mesmo tempo, denunciou as manifestações de violência que, até agora, vinham se expressando com caminhões, igrejas incendiadas e outros crimes. Ele afirmou: "A unidade, se quer ser construída a partir do reconhecimento e da solidariedade, não pode aceitar qualquer meios para alcançar o objetivo. Há duas formas de violência que, ao invés de dar um impulso aos processos de unidade e reconciliação, acabam por ameaçá-los". Foi inovador em condenar um tipo de violência que raramente é discutido, mas que está na base do conflito: "Em primeiro lugar, devemos prestar atenção à elaboração dos "belos” acordos, que nunca se materializam. Boas palavras, planejamentos cuidadosos e até mesmo necessários, mas que quando não chegam a se materializar, acabam com "apagar com o cotovelo o que foi escrito com a mão". Isto, também, é violência, por quê? Por que frustra a esperança".
E, sem dúvida, também condenou a violência rebelde mencionada acima.
Os migrantes - haitianos, colombianos, peruanos, venezuelanos – foram encorajados, como fez em muitas outras partes. "Estamos atentos às novas formas de exploração, que expõem muitos irmãos a perder a alegria da festa. Estamos atentos à precariedade do trabalho que destrói vidas e casamentos. Estamos atentos aqueles que se aproveitam da irregularidade de muitos imigrantes, porque não conhecem a língua ou não têm os ‘papéis em ordem’”.
Ele se reuniu com os jovens usando uma linguagem apropriada para se fazer entender e chamá-los a um compromisso cristão. Encorajou-os a assumir o controle de seu país. Desafiou-os a questionar a Igreja. De uma forma muito simpática, deu-lhes uma receita para fazer contato com Cristo. Deu-lhes uma senha para instalar em seus celulares; "O que Cristo faria no meu lugar?". Este foi um dos apelos mais comuns de São Alberto Hurtado (falecido em 1952) para as pessoas de sua geração: atitude que os cristãos deveriam ter nas diferentes circunstâncias de suas vidas.
Pelos lugares por onde passou chamou os católicos para ouvir, para prestar atenção e agir. Foi especialmente duro contra o clericalismo. "A falta de consciência de que a missão é de toda a Igreja e não do sacerdote ou do bispo, limita o horizonte e, o que é pior, restringe todas as iniciativas para as quais o Espírito pode dar impulso em nosso ambiente. Vamos dizer isso claramente, os leigos não são nossos peões, nem os nossos empregados. Não devem repetir como "papagaios" o que dizemos ... O clericalismo, longe de dar impulso às várias contribuições e propostas, extingue gradualmente o fogo profético que toda a Igreja é chamada a testemunhar no coração dos povos. O clericalismo se esquece que a visibilidade e a natureza sacramental da Igreja pertencem a todo o povo de Deus (cf. Lumen gentium 9-14) e não apenas a alguns poucos eleitos e iluminados".
Sobre essa questão, referindo-se aos bispos, ele chamou sua atenção para o tipo de formação que recebem os seminaristas: "Os sacerdotes de amanhã devem ser formados olhando para o amanhã: o seu ministério será realizado em um mundo secularizado e, portanto, cabe a nós pastores discernir como prepará-los para cumprir sua missão nesse cenário concreto, e não nos nossos "mundos ou estados ideais". Uma missão que se realiza em união fraterna com todo o povo de Deus. Cotovelo a cotovelo, dando impulso ao laicado em um clima de discernimento e de colegialidade, duas características essenciais do sacerdote do amanhã. Não, ao clericalismo e aos mundos ideais que cabem apenas nos nossos esquemas, mas que não tocam a vida de ninguém".
Para os religiosos e as religiosas, o Papa dirigiu palavras de coragem. A situação da vida religiosa no Chile é muito preocupante. As congregações religiosas femininas praticamente não têm vocações. As congregações masculinas, além de ver reduzidos os números, estão carregadas pela suspeita de uma homossexualidade mal assumida. Para todos os religiosos, o Papa teve palavras de encorajamento. "O reconhecimento sincero, doloroso e de oração das nossas limitações, longe de nos distanciar do nosso Senhor, nos permite voltar para Jesus, sabendo que "ele sempre pode, com a sua novidade, renovar nossas vidas e a nossa comunidade, e embora estejamos atravessando tempos escuros e fraquezas eclesiais, a proposta cristã nunca envelhece ... Cada vez que nos esforçamos para voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, jorram novas caminhos, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes e palavras carregadas de renovado significado para o mundo atual. Que bem nos “faz permitir que Jesus renove nossos corações”.
Para os jesuítas, ele lembrou a importância do Concílio Vaticano II e a necessidade que a Igreja tem de aprender a discernir. Como os grandes concílios, o recente Vaticano II começa a ser implementado, ele disse. Por outro lado, os jesuítas são uma ajuda para que a Igreja aprenda a arte do discernimento.
Os discursos e as homilias do Papa, breves e profundos, merecem uma releitura e uma meditação cuidadosas. Ainda é cedo para avaliar toda a sua riqueza. Embora a visita tenha sido ofuscada pelo "caso Barros".
Barros, nomeado, mantido e reeleito como bispo de Osorno por Francisco, durante a visita do pontífice chamou a atenção dos meios de comunicação além de todas as expectativas. Este bispo, como os bispos Valenzuela (Talca) e Kolkjatic (Linares) fazia parte do núcleo duro da fraternidade de Fernando Karadima, sacerdote e guia espiritual de um grupo de seminaristas e sacerdotes de classe alta e conservadora, de quem abusou psicologicamente e sexualmente.
Um importante grupo de leigos de Osorno se opôs à sua nomeação desde o início. Muitos outros chilenos católicos somaram-se a essa oposição. Para eles foi especialmente irritante que Barros, embora podendo ficar em um lugar discreto, tenha assistido a todos os atos, expondo-se às perguntas da imprensa. Ele poderia ter se comportado dessa maneira, sem o consentimento do papa? O problema é que, ao sair do Chile o Papa Francisco, fica um sentimento de enorme frustração em muitos católicos chilenos.
Esse sentimento alarga o fosso que existe no povo de Deus entre a hierarquia eclesiástica e o resto dos fiéis. Entre os dois existe uma falta de comunicação que a visita do papa dificilmente poderia superar. Parece improvável que o sentimento de orfandade e de distância entre os católicos chilenos e as autoridades da Igreja possa ser curado em um curto espaço de tempo. De tal maneira que as primeiras palavras de Francisco no Chile - "dor e vergonha" pela conduta de ministros da Igreja e o encontro com algumas vítimas de abusos do clero e de religiosos, com os quais o papa encontrou-se em sintonia com o povo chileno - não conseguirão sanar a ferida. Ao manter o bispo em seu posto, Francisco deixa sem solução um problema grave dentro da Igreja chilena e mesmo dentro conferência dos bispos.
O futuro do catolicismo "à moda chilena" está em risco.
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Chile: resumo da visita de Francisco. “O futuro do catolicismo "à moda chilena" está em risco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU