19 Dezembro 2017
O mundo ficou intrigado quando um clérigo católico apareceu como um ator-chave no momento em que o futuro do Zimbábue ficou sobre a corda bamba no mês passado. Mas o padre Fidelis Mukonori provavelmente é o jesuíta mais conhecido da África do Sul e certamente é o jesuíta mais influente do Zimbábue.
A reportagem é de Russell Pollitt, S.J., publicada pela revista America, 14-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em novembro, o Pe. Mukonori desempenhou um papel intrincado na queda do mais velho presidente da África, Robert Mugabe, de 93 anos. Ele foi o principal negociador entre os generais que lideraram o Exército do Zimbábue e o presidente Mugabe. Ele diz que, para ele, o resultado era óbvio e disse a Mugabe que era “hora de descansar”.
Apenas duas horas depois de os tanques do Exército se lançarem às ruas de Harare em novembro, o Pe. Mukonori recebeu um telefonema pedindo que ele fosse ao quartel do Exército para se encontrar com os generais. Ele explica: “Eles me disseram que o que estava acontecendo dentro do ZANU-PF [o partido no poder] não era aceitável. A questão da corrupção, da purga dos veteranos de guerra, da difamação contra os soldados, especialmente contra os generais, não era aceitável.”
Ele foi convidado a ir e dizer ao presidente o que havia ouvido. O Pe. Mukonori rapidamente se tornou um mediador entre o presidente e os generais nos dias seguintes, quando o Zimbábue começou uma transição inesperada, mas pacífica, do governo de Mugabe. O Pe. Mukonori passou 16 horas por dia mediando entre diferentes partidos antes de voltar todas as noites para a missão onde ele mora – a cerca de 40 minutos fora da capital do país.
Era um papel pelo qual ele ficara conhecido no Zimbábue. “Seja a oposição ou o partido no poder, todos eles vêm até mim”, diz o Pe. Mukonori. “Eu não busco popularidade na mídia ou entre os zimbabuanos. Eu busco aquilo que acredito que é justo para os indivíduos e para a nação do Zimbábue. Eu lido com as coisas que estão debaixo da escada, não com publicidade.”
O jesuíta também facilitou as conversações entre Mugabe e o presidente entrante, Emmerson Mnangagwa. Mugabe demitiu Mnangagwa como seu vice-presidente no dia 6 de novembro, fazendo com que este fugisse para Moçambique e depois para a África do Sul. O Pe. Mukonori explica que telefonou para Mnangagwa enquanto estava com Mugabe. Ele diz que Mugabe perguntou a Mnangagwa onde ele estava, se ele estava bem e repetidamente disse-lhe para voltar ao Zimbábue.
Mugabe e o Pe. Mukonori falaram sobre as questões do momento durante a sua intervenção, mas também sobre “questões profundas”. O Pe. Mukonori diz que, no meio da crise política, eles “começaram a entrar na antropologia (…) e na sociologia”. Ele diz que, ao longo dos anos, ele discutiu sobre a vida, a terra, a alegria, a tristeza, a boa governança, a má governança, o mal, o pecado, o inferno e o céu com Mugabe.
O Pe. Mukonori está entristecido com o que aconteceu. Ele culpa as batalhas entre facções dentro do partido de Mugabe pelos eventos que se desenrolaram depois que Mugabe demitiu seu vice-presidente. Ele usa uma linguagem forte para descrever aquilo que vê como o problema: “Deboche político... divisão política... destruição do caráter do outro... tentativas de posicionar uns aos outros no poder”.
Essas batalhas entre facções levaram à demissão de Mnangagwa, de modo que a atual esposa de Mugabe, Grace, pudesse sucedê-lo, mas, diz o Pe. Mukonori, essa demissão “quebrou as costas do camelo”.
Não se pode deixar de sentir que o Pe. Mukonori atribui a ganância de poder de Grace Mugabe como um fator importante para a morte política de seu marido. Ele fala com carinho sobre a primeira esposa de Mugabe, Sally, mas o seu comportamento muda quando fala sobre Grace. Quando perguntado sobre o futuro dela depois que o marido morrer, ele diz calmamente: “Eu tenho certeza de que as pessoas farão justiça com ela”.
O Pe. Mukonori é o superior da comunidade jesuíta do Zimbábue, assim como pároco e diretor das escolas da missão Chishawasha. Ele também é o diretor executivo do Centro de Iniciativas de Paz na África, que faz parte do escritório africano das Nações Unidas.
Ele tem uma longa história com Mugabe. O ex-presidente conheceu o sacerdote jesuíta em 1973 e 1974, quando o Pe. Mukonori estava trabalhando com a juventude zimbabuana no exílio, preparando-se para lutar pela independência contra o Exército colonialista da Rodésia. Ele os mantinha em contato com suas famílias e informava sobre o que os líderes do exílio diziam. De acordo com o Pe. Mukonori, Mugabe e outros ex-prisioneiros políticos ouviram falar do seu trabalho com a guerrilha e foram até o seu encontro.
O ex-presidente é católico e estudou em escolas católicas. Grande parte da sua formação na infância foi feita na igreja. Quando seu pai abandonou a família, um padre assumiu a criação do jovem Mugabe.
Ele frequentava a missa regularmente na Catedral do Sagrado Coração de Harare. Mais recentemente, Mugabe participava da paróquia redentorista mais próxima da sua luxuosa casa em Borrowdale, Harare. Ele chamou a atenção do mundo ao participar da missa fúnebre do Papa João Paulo II, em abril de 2005.
“Ele é um católico sério, mais sério do que a maioria das pessoas pensam”, insiste o Pe. Mukonori. “Ele reza o terço todos os dias, até mesmo durante a guerra. Ele viaja com o seu rosário no bolso, que lhe foi dado pela sua mãe.”
Ele explica que, quando Mugabe foi enviado pelo partido de libertação a Moçambique como exilado, sua mãe lhe disse que tudo o que ela poderia lhe dar para proteção era Deus, então lhe deu o seu terço, que ele usou durante todo o período em que esteve fora.
O Pe. Mukonori frequentemente visitava a família de Mugabe. Ele era particularmente próximo da mãe de Mugabe, Bona, quando o jovem Robert estava no exílio. Ele explica como a mãe de Mugabe ficou irritada e aborrecida quando, em 1977-1979, o jornal Rhodesian Herald (hoje, Zimbabwe Herald) publicou notícias dizendo que qualquer um que matasse Robert Mugabe e Joshua Nkomo, líder da União do Povo Africano do Zimbábue, receberia 50 mil dólares como recompensa.
“‘Por que eles querem matar meu filho?’, ela me perguntaria quando eu a vi”, contra o Pe. Mukonori.
A Guerra da Independência do Zimbábue (1964-1979) estava sendo travada durante o mandato do 28º geral da Companhia de Jesus, Pe. Pedro Arrupe (1965-1983). O Pe. Arrupe tinha um compromisso profundo com a justiça que, insistiu, deveria permear o ministério jesuíta.
A visão do Pe. Arrupe contribuiu muito com o Decreto 4 da 32ª Congregação Geral da Companhia de Jesus, intitulado “Nossa missão hoje: o serviço da fé e a promoção da justiça”. Esse foi um documento importante para a Companhia de Jesus e deu um novo foco ao trabalho dos jesuítas em nível mundial. Ele enfatizava que o serviço da fé era primordial para todo o apostolado da Companhia e ressaltava que a justiça era uma exigência absoluta desse serviço.
O Pe. Mukonori desempenhou um papel fundamental na guerra de libertação do país, porque acreditava que era preciso fazer justiça ao povo africano que havia sido colonizado e degradado pelos europeus em suas próprias terras. Ele trabalhou por muitos anos com a Comissão Católica de Justiça e Paz no Zimbábue.
O “Irmão Fidelis”, como ele era conhecido (o Pe. Mukonori entrou na Companhia em 1971, inicialmente para ser irmão, e foi ordenado apenas em 1991), conseguiu ir a lugares onde outros não poderiam ir. Talvez o Pe. Mukonori estivesse à frente de seu tempo.
Durante a 35ª Congregação Geral dos Jesuítas (2008), o Papa Bento XVI disse aos membros reunidos em Roma que “a Igreja precisa de vocês (…) particularmente para ir àqueles lugares físicos e espirituais que outros não vão ou têm dificuldade de ir”.
No mesmo discurso, o papa disse: “Esforcem-se para construir pontes de compreensão e diálogo”. Ele também exortou os jesuítas a irem às fronteiras.
O Pe. Mukonori estava tentando fazer isso quando trabalhava no Centro Jesuíta de Justiça e Desenvolvimento Social em Harare. Depois, a Silveira House – o Centro Jesuíta de Justiça e Desenvolvimento Social no Zimbábue – tornou-se um lugar importante para as discussões políticas que lançariam as bases para a era pós-colonial do país. O Pe. Mukonori diz que era o único lugar seguro onde os nacionalistas podiam se reunir livremente para discutir o futuro do Zimbábue.
A irmã de Mugabe, Sabena, também trabalhou na Silveira House no departamento juvenil, provendo alimentação, higiene e assistência às crianças. Ela também é amiga do jesuíta.
O Pe. Mukonori diz que, assim que conheceu Mugabe, ele sabia que ele era um líder. “Ele é uma pessoa que nunca sorri”, diz o Pe. Mukonori com ironia. “Mas, quando nos conhecemos, quando eu fui para o Zâmbia e Moçambique [quando Mugabe estava no exílio] para encontrar a frente patriótica com a Comissão de Justiça e Paz e Dom [Patrick Fani] Chakaipa, [arcebispo de Harare de 1976-2003], quisemos entender suas metas e objetivos.”
“Ele ficou mais interessado em mim porque viajava por todo o país e lhes daria os fatos”, lembra o Pe. Mukonori. “Nós dissemos a ele aquilo que os rodesianos fizeram (…) o sucesso e o fracasso deles em relação à guerra. Eu também lhes disse o que os lutadores da liberdade fizeram na luta contra a guerra, o lado do sucesso e o lado do fracasso, a data e a hora, assim como os comandantes.” Ele diz que também contou a eles quando os crimes eram cometidos por membros da frente patriótica.
O Pe. Mukonori explica que as lideranças no exílio lideravam a guerra a partir de trás. “Nós estávamos na fronteira e então fomos dar-lhes os fatos sobre aquilo que estava acontecendo localmente.” O Pe. Mukonori explica que, embora houvesse uma guerra feroz, eles disseram aos exilados que devia haver um acordo negociado. Era a única saída do conflito.
Eles conseguiram fazer com que a Frente Patriótica (a coalizão que combatia o domínio da minoria branca na Rodésia) concordasse em participar de uma conferência com todos os partidos. Em 1979, Mugabe aceitou tal encontro. Ele estipulou uma condição: “A Grã-Bretanha deve assumir e desempenhar todo o seu papel como colonizadora, ninguém mais”.
O Pe. Mukonori aconselhou Mugabe durante a Conferência da Casa de Lancaster em 1979, e, em 21 de dezembro de 1979, o Acordo da Casa de Lancaster foi assinado. Ele levou à criação e ao reconhecimento da República do Zimbábue, substituindo o Estado não reconhecido da Rodésia, que havia sido pela Declaração Unilateral de Independência de Ian Smith em 1965.
Depois que o Zimbábue conquistou a independência em 1980, o Pe. Mukonori continuou desempenhando um papel na política nacional. Ele era próximo e trabalhou com a primeira esposa de Mugabe, Sally. Eles realizaram um projeto para reabilitar as combatentes mulheres e ajudá-las a desenvolver habilidades de liderança ao reentrarem na sociedade após a guerra.
Ele lembra com carinho como acompanhou Sally Mugabe, que, segundo ele, estava brava com Deus e não praticava a sua fé após a morte do único filho dos Mugabe em Gana, terra natal de Sally. Mugabe, então detido na Rodésia, não teve permissão para participar do funeral.
Ele diz que Sally ficou traumatizada com o que viu durante a guerra e lutava espiritualmente com isso. O Pe. Mukonori diz que falou a ela, brincando, que esperava que ela tivesse uma experiência de conversão como Saulo. Mais tarde, ela voltou para a Igreja. “Ela faleceu como uma boa católica, recebendo a comunhão de três a quatro vezes por semana”, conta.
Ele também lembra como tentou reunir os agricultores brancos e o governo, por exemplo, para lidar com a questão da terra. O Pe. Mukonori trabalhou na reforma agrária e na redistribuição de terras por muito tempo. Ele vê isso como uma parte importante do seu ministério.
Ele diz que ele e Mugabe discutiram sobre essa questão “infinitamente” ao longo dos anos. Ele esperava que Mugabe não deixasse o cargo até que o problema fosse devidamente resolvido. Ele diz que essa era uma questão importante para o ex-presidente também e desejava que ele pudesse ter lidado com ela efetivamente.
O Pe. Mukonori conta que, inicialmente, ele foi abordado por fazendeiros brancos para ajudar na questão da terra, mas, depois, as conversas acabaram porque os proprietários de terra brancos não cumpriram a parte deles na negociação. “O meu negócio é reunir as pessoas e fazê-las falar… Eu lido com o governo, com os partidos e com os indivíduos, incluindo o presidente.”
Na era pós-Mugabe, o Pe. Mukonori provavelmente ainda terá influência. Ele se encontrou com Morgan Tsvangirai, um ex-primeiro-ministro que liderou a oposição a Mugabe através do Movimento pela Mudança Democrática do Zimbábue.
O Pe. Mukonori diz que Tsvangirai quer discutir um caminho a seguir para o país com o novo presidente. Mas, no dia do seu segundo encontro, o presidente recém-empossado anunciou o seu gabinete. O desejo de Tsvangirai “era de que eles discutissem a questão antes que o novo presidente anunciasse seu novo governo”, diz.
Embora o Pe. Mukonori tenha o apoio do seu provincial, nem todos estão confortáveis com o papel dele. Ele foi criticado dentro e fora da Igreja. Não se pode negar, no entanto, que, ao longo dos anos, ele ajudou muitas pessoas e facilitou muitas reuniões e encontros entre rivais improváveis. Ele ajudou muitos que foram presos injustamente a serem libertados.
É fácil apontar o dedo e discordar dele. O Pe. Mukonori, porém, entende como a política do seu país funciona e tem ousado fazer o seu ministério em uma realidade política complexa e intricada. Ouvi-lo com atenção revela que, em seu coração, ele está tentando ser um pastor.
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O jesuíta do Zimbábue que mediou a queda de Mugabe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU