26 Fevereiro 2016
O Zimbábue sempre apostou na irrigação com água subterrânea em épocas de escassez de chuvas, mas o Ministério de Ambiente, Água e Clima informou que secaram milhares de poços em todo o país, o que agrava a situação da agricultura já carente de fundos e dependente das precipitações.
A reportagem é de Ignatius Banda, publicada por Envolverde, 24-02-2016.
O zimbabuense Sijabuliso Nleya há semanas se dedica a juntar areia, não para uma construção, mas para encher poços de água secos. “A situação é terrível”, lamentou, em seu terreno de Douglasdale, uma pequena comunidade agrícola nos arredores da cidade de Bulawayo,no Zimbábue. Junto com outros homens, ele cuida de encher os poços secos na medida em que a água subterrânea escasseia, uma consequência da mudança climática que faz faltar chuvas por períodos prolongados.
“Os poços agora são perigosos, apesar de antes serem uma fonte de sustento. É melhor enchê-los com areia do que sonhar que voltarão a dar água”, afirmou Nleya. As fontes de água subterrânea mantinham a agricultura, e era possível vender milho, tomate, couve e várias verduras, inclusive páprica, na cidade. “Só funcionam alguns poucos poços, vimos como evaporava nossa fonte de renda”, contou.
O Zimbábue sempre apostou na irrigação com água subterrânea em épocas de escassez de chuvas, mas o Ministério de Ambiente, Água e Clima informou que secaram milhares de poços em todo o país, o que agrava a situação da agricultura já carente de fundos e dependente das precipitações. Aqui em Bulawayo, centenas de hortas comunitárias, sustento das famílias de baixa renda, são regadas com água de poço.
Agora que milhares de perfurações secam em todo o país, as autoridades se preocupam com as consequências, não somente em matéria de renda, mas de saúde, especialmente de pacientes com HIV/aids, que dependem dessa produção para cobrir suas necessidades nutricionais. Segundo o ministro de Ambiente, Água e Clima, Oppha Kashiri, mais de 12 mil perfurações em todo o território secaram, em um país que atravessa a pior seca dos últimos tempos. “Nossos recursos hídricos secam nas sete bacias”, afirmou, no dia 4 deste mês.
O presidente Robert Mugabe declarou desastre nacional em razão da seca, pois mais de um em cada quatro habitantes sofre escassez de alimentos. As agências humanitárias indicam que cerca de 2,5 milhões de pessoas necessitam de assistência alimentar. O Ministério da Agricultura informou que foi necessário descartar 90% dos cultivos plantados no ano passado e que dependem da chuva.
Segundo o programa de gestão da água subterrânea e seca da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, aproximadamente 70% da população da região depende da água subterrânea, e uma avaliação de 2015 indica que a mudança climática exacerba a crise. A Autoridade Nacional de Água do Zimbábue, vinculada do Ministério de Ambiente, indicou que cerca de 70% da população reside em zonas rurais, onde a principal fonte de água está nas perfurações e nos poços.
A escassez obriga as pessoas a compartilharem o recurso com os animais. Além disso, mais pessoas nas cidades recorrem à água subterrânea. E, embora a escavação de novos poços esteja proibida, a perfuração descuidada continua e esgota as camadas freáticas. “É fundamental destacar que a água subterrânea é um recurso muito finito, que pode esgotar facilmente se não existir um equilíbrio entre a reposição e a extração”, alertou a Autoridade da Água.
Essa agência acrescentou que,“devido à crescente escassez de água e à maior dependência das perfurações das comunidades urbanas, foram desatendidos os padrões mínimos de utilização da água subterrânea, o que levou à rápida diminuição do lençol freático e, em alguns bairros, as perfurações estão se esgotando”.
As medidas para criar um imposto aos usuários da água subterrânea não conseguiu deter o generalizado uso doméstico da água de poço, pois a capital carece de um adequado serviço e não há água nas torneiras. A falta de chuvas só faz piorar a gestão adequada do lençol freático.Nesse contexto, o vice-presidente, Emmerson Mnagagwa, lançou, no dia 10 deste mês, um pedido de US$ 1,5 bilhão para aliviar a seca, dos quais espera destinar US$ 350 milhões à reabilitação da infraestrutura de irrigação, que em grande parte se alimenta de perfurações.
Um estudo realizado pelo Ministério da Agricultura mostra que mais de 16 mil vacas morreram devido à seca. Antes, os criadores recorriam à água subterrânea para garantir boas pastagens o ano todo, mas isso acabou.O pesquisador e especialista Peter Makwanya, da Universidade Aberta do Zimbábue, acredita que a solução pode estar na construção de mais depósitos para coletar a água da chuva, pois em muitas partes do país há inundações repentinas e são perdidos milhões de litros.
“Há numerosas alternativas sustentáveis para guardar água da chuva. Agora que se esgota a subterrânea, não é bom incentivar as pessoas a continuar explorando o recurso”, advertiuMakwanyaà IPS.Além disso, “os agricultores podem reutilizar a água e isso pode ser muito útil para conseguir a segurança hídrica. Esse líquido pode ser utilizado em pequena escala para conseguir a sustentabilidade doméstica”, pontuou.
Nleya e milhões de agricultores de subsistência e aldeões, que dependem da água subterrânea, constituem o rosto humano dos estragos da mudança climática. “Nunca acreditamos que de fato a água pudesse desaparecer sob a terra, porque sempre tivemos poços. Esperamos que chova logo”, afirmou.
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Crise hídrica piora segurança alimentar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU