15 Dezembro 2017
“O hábito de cultivar a teologia em âmbitos nos quais os seus códigos são imediatamente inteligíveis e não requerem uma reconfiguração da sua arquitetura geral corre o risco de torná-la incapaz de aproveitar a oportunidade que se escancara diante dela.”
A opinião é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 12-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O debate promovido pelo sítio Settimana News sobre a teologia, sobre a sua capacidade de destinação no nosso tempo e na Igreja Católica, que Francisco vai imaginando para além das fronteiras às quais todos estávamos tranquilamente acostumados, ainda está em andamento. Pensado como abertura entre mundos e gerações diferentes entre si, seria bom se ele pudesse continuar sem saber bem quando chegará à conclusão. Será o próprio caminho empreendido que ditará os ritmos de um discernimento em vista de uma decisão.
Neste espaço aberto, em que se inseriram sensibilidades teológicas, perspectivas pastorais e aspirações geracionais não homogêneas entre si (mas este é precisamente o sentido do próprio debate), parece-me que chegou o momento de pôr sobre a mesa da discussão alguns elementos críticos estruturais da obra teológica na contemporaneidade. Pensar criticamente o saber da fé significa honrar a sua própria razão de ser na comunidade dos discípulos e das discípulas do Senhor.
Comunidade que não vive para si mesma, mas está desde sempre destinada às muitas exterioridades do mundo e da vida comum dos homens e das mulheres. Não é diferente a tarefa evangélica que pertence à própria teologia. Ela existe não para falar de si mesma, para encontrar um cantinho de reconhecimento consolatório cômodo e imediato. Fazer teologia significa, em primeira instância, cultivar sabiamente a notícia evangélica de Deus na forma de mediação cultural da fé.
Ela nasce na Igreja e nas vivências de fé que fazem a realidade da sua presença entre o humano que é comum a todos nós; mas, desde as suas origens, a teologia nunca se contentou em interromper o seu caminho, uma vez alcançado o limiar da comunidade cristã. Ao contrário, pensando-se como acompanhamento da vivência de fé e sua legitimação, nos territórios comuns do viver humano e nas formas institucionais da sua organização.
Esses limiares, nos seus melhores tempos, sempre foram superadas por ela para transbordar em dimensões mais amplas do viver e da cultura; sem temer frequentar territórios externos, pouco conhecidos, talvez até hostis. Porque é precisamente aqui que é posta à prova a bondade da teologia para a própria fé. É nas suas capacidades de exterioridade que ela pode se propor à fé vivida concretamente como um saber que sustenta a sua aventura e que amadurece culturalmente o seu discernimento sintonizado com o imaginário evangélico de Deus.
Para poder ser tudo isso também hoje, a teologia pede um sábio cultivo do tempo. Não pode ser apenas uma aplicação parcial ao lado de muitas outras, talvez ditadas por urgências contingentes. Se quisermos fazer teologia, é preciso se dedicar a ela, prontos também para pagar o preço de um trabalho cotidiano que exige sacrifício e aplicação, além de inteligência.
Sem um investimento concreto na teologia, ou seja, em homens e mulheres que podem se dedicar a ela em tempo integral, a Igreja se empobrece, torna-se dependente na elaboração do seu discernimento cultural do Evangelho e na adequação do seu juízo de civilização.
A Igreja acaba importando, a esse respeito, em sua própria casa, vozes e posições que têm muito pouco a ver com o cuidado da fé no tempo presente e com a incisão evangélica da sua palavra nas vivências dos nossos contemporâneos. Ela corre o risco de ir em busca de ideologias muito distantes da tarefa que o Senhor lhe confiou, apenas porque, nelas, se ilude de encontrar uma espécie de margem que a confirma e a tranquiliza.
Não é possível ser teólogo ou teóloga e fazer mil outras coisas ao mesmo tempo – mesmo que necessárias, talvez até urgentes para uma Igreja local. O poder de dispersão acabaria existindo, aqui, em detrimento a um pensamento teológico à altura da própria tarefa. E a própria Igreja local sofreria com isso, muito além de qualquer solução provisória para situações de emergência. Ela simplesmente acabaria sendo mais pobre, ficaria sem aquela amplitude de imaginação e de inteligência que o Evangelho exige dela.
A pastoralidade não é um acréscimo externo à obra teológica, alcançável fazendo outra coisa, mas sim um habitus, uma sensibilidade de fundo que deve ser cultivada cotidianamente como responsabilidade eclesial e cultural do teólogo e da teóloga. Ela nasce da consciência de que cada discurso seu, cada pensamento seu são dirigidos ao humano que vive concretamente, dentro de uma história, de um contexto cultural, de uma conjuntura de época. Na falta disso, pode-se fazer talvez academia, mas não teologia.
E é precisamente em nome de uma pastoralidade assim entendida que o teólogo e a teóloga se opõem a esgotar a sua obra e a sua paixão nas questões caseiras, por mais importantes que possam ser. O seu olhar deve ir além delas, dirigindo-se constantemente às condições daquele tempo histórico ao qual o Deus de Jesus deseja ser efetivamente contemporâneo. A teologia deve ser adequadamente familiar a essas condições do tempo; ou, melhor, deve saber se dizer justamente nelas, em toda a sua exterioridade em relação ao cotidiano da comunidade cristã.
Grande parte da teologia europeia parece estar em dificuldade diante do aprendizado dessa familiaridade, desse cultivo de um movimento nas exterioridades da cultura, do saber, da socialidade humana.
E continua sendo produzida como mundo fechado em si mesmo, sem porosidades nem contaminações. Impedindo-se, desse modo, de aprender o léxico elementar do homem e da mulher que vivem concretamente. Acabando por falar uma linguagem esotérica e alheia para a própria experiência da fé.
Para o sucesso desse itinerário de aprendizado, não basta abrir as portas das faculdades teológicas ou dos congressos a colegas de disciplinas “laicas” (um artifício com o qual tentamos prover muitas das nossas atividades), se, depois, tudo para por aqui, se, depois, então o monopensamento teológico não se encontra posto em discussão por essa fugaz hospitalidade convencional. A frequentação com as exterioridades do saber deve se tornar forma mentis interna da própria obra teológica.
E também não basta uma inserção da teologia na universidade pública, se ela for pensada como solução mágica para uma representação do saber da fé no espaço frequentado por todos. É claro, algo do gênero pode fazer bem para a teologia, mas, por si só, não é capaz de romper a autorreferencialidade que a caracteriza.
Isso poderia funcionar, se ela nos obrigasse a um radical repensamento do currículo teológico, da sua configuração e da sua destinação. Se, em suma, fôssemos capazes de nos perguntar e de responder à pergunta: “Qual teologia no espaço público da socialidade humana de todos?”.
Mas, diante dessa pergunta, parece surgir apenas um grande silêncio, uma falta de imaginação e liberalidade em favor de uma circulação mais ampla da res teológica, de tão acostumados que estamos a geri-la entre nós, grupo de iguais que se espelham uns nos outros – seja qual for a nossa colocação nas muitas, e muitas vezes inúteis, disputas eclesiais que sugam todas as energias que temos à disposição.
Falta-nos o léxico mínimo, até mesmo em nível mental, para arrastar a teologia ao espaço público da coexistência civil, precisamente no momento em que esta última evidencia não apenas uma abertura de fundo, mas também a urgente necessidade de teologias que sejam exercidas justamente lá. A abertura dessa janela epocal, dadas as transformações e os desafios que a esfera civil europeia se vê enfrentando neste momento, não é por tempo indeterminado e ilimitado. É agora, aqui, com condições precisas.
O hábito de cultivar a teologia em âmbitos nos quais os seus códigos são imediatamente inteligíveis e não requerem uma reconfiguração da sua arquitetura geral corre o risco de torná-la incapaz de aproveitar essa oportunidade que se escancara diante dela.
Corresponde a isso uma visão quase infantil, por parte da chamada academia secular dos saberes, da obra teológica; ignorante não só daquilo que a teologia produziu nos últimos 20 anos, mas também atestada em uma compreensão totalmente inadequada das figuras teológicas fundamentais no seu desenvolvimento histórico.
Na encruzilhada dessa dupla fraqueza, corre o risco de se queimar, antes ainda de poder lhe dar alguma forma adequada, a exigência de um alargamento público de amplo alcance da presença das teologias no contexto contemporâneo da Europa.
O paradoxo é que não faltam teólogos e teólogas que seriam capazes de corresponder a essa oportunidade (um verdadeiro sinal dos tempos, eu diria), mas a sua habilidade e competência na concepção de percursos para um ultrapassamento público do saber teológico ao âmbito mais amplo da esfera civil da cultura e da socialidade europeia encalham, de partida, diante das formas estruturais e institucionais vigentes dentro das quais eles exercem a sua profissão.
Portanto, é preciso idealizar percursos de planejamento a longo prazo, capazes de convocar em torno de temas específicos, atuais e transversais as várias disciplinas do saber, que permitam desbloquear a condição das teologias do impasse em que se encontram neste momento. Imaginando, por todo o tempo que seja necessário, uma distinção, o mais dialógica possível, entre a didática e a pesquisa teológica.
Mas isso não será possível sem uma correspondente mudança de mentalidade e de modus operandi por parte dos próprios teólogos e teólogas, na consciência de que só o abandono do terreno seguro no qual eles continuam se movendo será capaz de delinear a legitimidade pública e civil da sua obra.
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O mal-estar da teologia. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU