27 Setembro 2017
"O desejo de contemporânea proximidade do Deus de Jesus para a vivência real dos homens e das mulheres pede, à teologia e à Igreja, a habilidade de realmente atravessar a "mudança antropológico-cultural, que hoje influencia todos os aspectos da vida”: não observá-la de maneira isenta a partir de um espaço seguro e imune, em que se busca mais a proteção das próprias inseguranças do que uma fidelidade histórica à novidade evangélica de Deus" escreve Marcello Neri, teólogo italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 23-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vamos tentar por um momento sair do âmbito restrito a que se refere a linguagem, necessariamente exígua e jurídica como aquela de um motu proprio (Summa familiae cura) que pretende dar um novo ordenamento a uma instituição eclesial (nesse caso, o antigo Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimônio e a Família), e fazer um pequeno exercício de imaginação em relação à mais ampla instituição do saber teológico. Acredito que seja algo necessário para poder não só entender, mas também prestar as devidas honras ao recente documento do Papa Francisco.
A Carta representa, de fato, um forte investimento por parte do atual Bispo de Roma no que diz respeito à teologia, por um lado, e deixa transparecer uma precisa ideia e perfil, pelo outro. Quanto a isso, texto e pessoas envolvidas definem um quadro unitário que precisa ser compreendido como tal.
A teologia reporta em sua gênese o que é "um novo percurso sinodal" da Igreja Católica em relação ao ato concreto de viver dos homens e mulheres do nosso tempo. Ao fazer desses dois âmbitos reais o lugar de teste de uma milenar sabedoria teológica que sabe, desde o início, ter seu escopo justamente neles.
A teologia não pode ser produzida em uma sala asséptica, sem história e sem substância, impermeável ao sentir compartilhado da fé. Deve ter a inteligência para integrar suas divergências para tornar evangelicamente coerente uma palavra de sabedoria desde sempre destinada para a experiência humana comum de todos. Frágil, mesmo em suas devoções mais coerentes e apaixonadas - como Paulo não sente vergonha em admitir.
Dar prova de que o próprio discurso apostólico tem o seu lugar justamente em "vasos de barro" é a força sem precedentes da palavra cristã. Sem temor nem hesitações. Quando sabe se amoldar a esse princípio, a teologia pode colocar em campo "a preciosa contribuição de pensamento e da reflexão que investigam, de maneira mais aprofundada e rigorosa, a verdade da revelação e a sabedoria da tradição da fé, em vista do seu melhor entendimento no tempo presente".
O desejo de contemporânea proximidade do Deus de Jesus para a vivência real dos homens e das mulheres pede, à teologia e à Igreja, a habilidade de realmente atravessar a "mudança antropológico-cultural, que hoje influencia todos os aspectos da vida”: não observá-la de maneira isenta a partir de um espaço seguro e imune, em que se busca mais a proteção das próprias inseguranças do que uma fidelidade histórica à novidade evangélica de Deus.
Acentuando nisso o empreendimento originário do Deus que dá a vida por amor, paixão inscrita desde o princípio na trama das Escrituras. O chamamento para a "fundamental aliança do homem e da mulher para o cuidado com a geração e a criação" não é apenas uma bela imagem retórica para dizer de outra forma o mesmo que cultivamos na horta dos nossos discursos sem destinatários.
Trata-se, sim, de voltar a tecer o fio do vínculo, muitas vezes afirmado, mas raramente praticado, entre a teologia do texto bíblico e a melhor inteligência da qual pode ser capaz a fé em uma determinada passagem da história real das mulheres e dos homens.
Nesse documento exíguo, caso o queira, a teologia poderá encontrar pão para os seus dentes; ou, ao contrário, poderá revelar-se em toda a sua velhice, mostrando-se incapaz de mastigar o alimento que a mantém viva.
Essa laboriosidade é competência própria das teólogas e dos teólogos profissionais, não certamente de quem é chamado para o leme do barco de Pedro – a quem, evangélica e historicamente, são exigidas outras competências. Não é possível ser tudo, porque inevitavelmente acaba-se fazendo mal as coisas.
Reconhecer isso e confiar a cada um o seu (carisma, vocação, profissionalismo), deixando-lhe o devido espaço, só pode ser vantajoso para toda a comunidade dos irmãos e das irmãs no Senhor.
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Francisco: uma ideia de teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU