14 Outubro 2017
“Com Francisco, a Igreja deixa definitivamente para trás um exercício do poder de reunir como encenação de si, para entrar no campo intrincado de encontrar modos adequados para contribuir com a configuração do mundo, de acordo com aquela justiça e dignidade que Deus deseja para cada ser humano.”
A opinião é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 12-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Extraordinário poder de reunir”: é nesses termos que John Allen, em um post publicado no sítio Crux, caracterizou o poder suave exercido pelo Vaticano com a organização do congresso global Child Dignity in the Digital World [A dignidade infantil no mundo digital], realizado na Gregoriana, de 3 a 6 de outubro.
Trata-se da capacidade de fazer convergir em torno de uma questão urgente, que pede intervenções e coordenação em nível global, as mais altas competências humanas e técnicas que estão atualmente em circulação.
Percepção de uma escolha precisa do modo pelo qual a Igreja, hoje, quer exercer o poder, que foi captada e elogiada também pelos participantes do congresso: “Este evento reflete ‘um extraordinário poder de reunir’, do qual Francisco é capaz”, observava E. L. Letourneau, da John Hopkins University, em uma conversa com Allen às margens do congresso.
A forma de exercício do poder diz algo de decisivo sobre a instituição que o emprega: “Em primeiro lugar, o modo pelo qual a instituição escolhe implementar o seu poder, seja ele hard ou soft, representa uma afirmação importante em relação àquelas que são as prioridades de tal instituição”.
No caso da Igreja Católica, em tempos de Francisco, com esse congresso, ela “está tentando dizer que a proteção das crianças é algo importante; e que, entre todas as causas dignas de atenção no mundo presente, essa é uma à qual a Gregoriana e o Vaticano atribuem um valor decisivo e querem dedicar esforços reais”.
Neste período de transição, em que o domínio do financeiro parece impor uma inelutabilidade da lógica do hard power, e as políticas dos Estados nacionais seguem cada vez mais os seus ditames, não temos muitas instituições à disposição que sejam capazes de exercer, de forma globalmente reconhecida, esse poder suave de reunir.
E é exatamente a esse nível de estilo de exercício que Francisco, em âmbitos diferentes, deseja posicionar a Igreja Católica naquele que ele define como uma verdadeira passagem de época. Nessa rearticulação da presença da Igreja dentro da trama dos cenários incertos das questões decisivas do nosso tempo, insere-se também a sua visão de reforma da própria Igreja. Que não se produz como mera questão interna, mas como consciência da fé, enraizada nas vicissitudes do mundo, diante das exigências e das urgências do nosso tempo.
“Às vezes, o poder de reunir – escreve Allen – não é apenas exibir um grupo impressionante de VIPs, como uma demonstração da capacidade do papa de reunir as pessoas. Também se trata de agitar as conversas habituais, que podem abrir novos horizontes inesperados para fazer algo positivo, para além de lamentar o que deu errado”.
Nisso, “a contribuição da Igreja Católica não é parte do problema, mas chave para a solução”.
Com Francisco, a Igreja deixa definitivamente para trás um exercício do poder de reunir como encenação de si, para entrar no campo intrincado de encontrar modos adequados para contribuir com a configuração do mundo, de acordo com aquela justiça e dignidade que Deus deseja para cada ser humano.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Igreja: o poder de reunir. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU