06 Dezembro 2017
“Mais de um bilhão de pessoas vivem sem energia elétrica; 54% delas se encontram nos chamados países ‘menos desenvolvidos’, uma lista de 47 nações localizadas principalmente na África subsaariana, embora não faltem as pertencentes à Ásia.”
A análise é do ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo e um dos fundadores, junto com Alex Zanotelli, da Rede Lilliput. O artigo foi publicado por Avvenire, 05-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há gestos tão habituais que nos fizeram esquecer como eles são importantes. Entre estes, o hábito de correr com a mão ao interruptor quando entramos em uma casa escura. Naquele momento, não ligamos apenas uma lâmpada, nos conectamos com um sistema que, nos últimos 150 anos, revolucionou a nossa vida. É a energia elétrica, para a qual a Unctad, agência das Nações Unidas que se ocupa de comércio e desenvolvimento, dedicou o seu último relatório reservado aos países menos desenvolvidos, Least Developed Countries Report 2017, divulgado no fim de novembro.
No tempo da comunicação sem fio, do nosso lado do mundo, sentimos a necessidade de energia elétrica somente quando o celular e o tablet apresentam sinais de bateria fraca; então, buscamos desesperadamente uma tomada. Mas, se vivêssemos em um país desprovido de corrente elétrica, nós a buscaríamos por motivos bem diferentes: para nos iluminar quando está escuro, para fazer funcionar uma máquina de lavar quando há roupas para lavar, para fazer funcionar a geladeira quando há comida para conservar, para acionar uma estufa quando faz frio.
Mais de um bilhão de pessoas vivem sem energia elétrica; 54% delas se encontram nos chamados países “menos desenvolvidos”, uma lista de 47 nações localizadas principalmente na África subsaariana, embora não faltem as pertencentes à Ásia.
A energia elétrica condiciona muitíssimos aspectos da nossa vida, começando por aqueles relacionados à saúde. A disenteria, a segunda causa de morte infantil, mata meio milhão de crianças por ano. Uma morte absurda, que ocorre por desidratação e perda de sais. E, se os principais remédios para evitar esse flagelo são a água potável e a disponibilidade de latrinas, um papel importante é desempenhado também pelos refrigeradores, que permitem conservar os alimentos sem risco de proliferação bacteriana.
Uma das razões pelas quais os médicos recomendam que as mães do Sul do mundo não se deixem tentar pelo aleitamento artificial é o risco de infecções intestinais devidas também ao fato de ser administrado às crianças leite vencido guardado fora da geladeira. Não por acaso, entre os 17 objetivos de desenvolvimento humano que as Nações Unidas se prefixaram para 2030, está incluída também a energia para todos. Limpa e barata.
E, se falamos de energia limpa, a atenção inevitavelmente se estende à energia para cozinhar, considerando-se que três bilhões de pessoas usam materiais arriscados e cansativos.
No campo, o combustível mais utilizado é a madeira, que, porém, deve ser coletada. Uma tarefa que cabe principalmente às mulheres. E onde a madeira se tornou escassa, usam-se até as folhas, e, então, são as crianças que entram em cena. Muitas vezes, são elas as primeiras a se levantarem de manhã, para garantir os primeiros sacos de folhas úteis para o primeiro cozimento do dia.
Na cidade, usa-se principalmente o carvão, de mais fácil fornecimento, mas que exige dinheiro, mercadoria rara nas casas dos pobres. Em todo o caso, resta o problema da fumaça, porque o fogo é feito em braseiros com sistemas de escape rudimentares, que afligem aqueles casebres sem janelas. E proliferam-se as doenças respiratórias. À noite, quando todos estão de volta para casa, o barulho que mais se ouve ao se passar pelos vilarejos do interior e pelas favelas das cidades é a tosse que ecoa entre as paredes domésticas.
No Quênia, onde 84% das famílias cozinham e se aquecem com madeira e carvão, 36 milhões de pessoas correm o risco de doenças respiratórias por causa do ar doméstico contaminado. Todos os anos, 15 mil deles não aguentam: morrem por complicações pulmonares.
Energia para a casa, mas não só. As pessoas também pedem energia elétrica para trabalhar melhor e com menos esforço, para garantir escolas mais dignas para os próprios filhos, para dispor de centros de tratamento mais bem equipados. Até mesmo para iluminar as ruas. Os homens, com o objetivo de manter aberta a própria atividade por algumas horas a mais; as mulheres, para poderem ir à latrina sem correr o risco de serem agredidas.
Mas, para garantir a energia elétrica para todos até 2030, os países menos desenvolvidos devem aumentar a sua taxa de eletrificação em 350%. Através de uma estratégia múltipla. Considerando-se que a população desprovida de energia elétrica vive em 82% no campo, ao lado do fortalecimento das redes nacionais, será preciso ajudar as famílias a se dotarem de instrumentos autônomos, como painéis solares e baterias de acumulação. Investimentos que exigirão um custo avaliado entre 12 e 40 bilhões de dólares a cada ano que nos separa de 2030. Um esforço que, dificilmente, os países menos desenvolvidos poderão sustentar sozinhos, considerando-se que eles também devem enfrentar os efeitos decorrentes das mudanças climáticas.
O desafio, portanto, só pode ser vencido se os países ricos souberem se demonstrar solidários em nome da justiça e da paz, porque segurança e estabilidade não são garantidas com os canhões, bombas, mísseis e rejeições de migrantes, mas sim assegurando uma existência digna para todos os habitantes do globo.
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Acendamos a luz, agora. Mais de um bilhão de pessoas vivem sem energia elétrica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU