19 Outubro 2017
A portaria do Ministério do Trabalho que estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e dificulta a divulgação da "lista suja" dos empregadores que utilizam mão de obra escrava é um "retrocesso". A avaliação é de Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A reportagem é publicada por Sputnik Brasil, 19-10-2017.
A portaria publicada desta segunda-feira (16) define que a publicação da lista de trabalho escravo seja decidida pelo ministro do Trabalho — anteriormente a divulgação era uma tarefa de funcionários técnicos do setor. Para Guilherme, esta situação favorece um "juízo de oportunidade e conveniência".
Outro ponto alterado é a classificação de trabalho escravo. Anteriormente, trabalho escravo era aquele caracterizado por servidão por dívida, trabalho forçado, jornada exaustiva ou condição degradante. Agora, o trabalho escravo passa a ser definido pelo uso de coação, cerceamento do uso de meios de transporte, isolamento geográfico, confisco de documentos dos trabalhadores e segurança armada.
Para o presidente da Anamatra, as mudanças "restringem" a caracterização do trabalho escravo e são um "reducionismo da lei". "O fato é que provavelmente ele [o trabalho escravo] nunca tenha deixado de existir desde a abolição em 1888. E há estudos históricos neste respeito, a escravidão foi tomando novas feições e foi se acomodando nos vários rincões do país de diversas maneiras, mas abolida, de fato, talvez ela nunca tenha sido, e isso chega ao século XXI", afirma Feliciano.
O presidente da Anamatra é também juiz do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Para ele, o Brasil apenas reconheceu a persistência do trabalho escravo em seu território na década de 1990, quando passou a praticar políticas públicas para combatê-lo e virou referência no cenário internacional.
Agora, contudo, "dá um passo para trás que é de lamentar", diz Feliciano em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.
Segundo a Repórter Brasil, mais de 52 mil trabalhadores escravizados foram resgatados desde 1995. O setor que mais foi flagrado utilizando esta mão de obra é o da pecuária, que concentra 31% dos casos. 32% dos escravos resgatados são analfabetos.
A portaria do Ministério do Trabalho teve repercussão negativa no Brasil e no exterior. Segundo a Folha de S. Paulo, auditores que fiscalizam o trabalho escravo decidiram paralisar suas atividades em 21 Estados. A própria Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que trata-se de um "retrocesso". Dodge foi recentemente escolhida para o cargo pelo presidente Michel Temer (PMDB).
O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram a revogação da portaria. No campo internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirmou que o Brasil passou a ser um exemplo negativo no combate ao trabalho escravo.
Já o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse à GloboNews que as mudanças são "um pleito antigo da classe produtora" e que "nós só temos a comemorar". Maggi é membro da Frente Parlamentar Agropecuária — coalizão ruralista que afirma reunir mais de 200 deputados federais.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados começou a discutir a denúncia contra Temer por organização criminosa e obstrução da justiça. Caso menos que 342 deputados votem pela não instauração do processo de investigação, Temer pode ser afastado do cargo de presidente da República.
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Talvez a escravidão nunca tenha sido abolida no Brasil, diz juiz do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU