11 Outubro 2017
No próximo sábado de manhã, no pequeno tribunal do Papa Francisco, todo decorado com boiserie e antigos lustres no teto, a poucos passos de Santa Marta, se encerrará o processo-símbolo da pouca transparência financeira do Vaticano.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada no jornal Il Messaggero, 10-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A complicada história da reforma da megacasa de Bertone (400 metros quadrados) situada no Palácio San Carlo parece demonstrar, efetivamente, que, no campo administrativo, algumas coisas do outro lado do Rio Tibre continuam não funcionando, tanto que, nesses cinco meses, vieram à tona, até mesmo no tribunal, incongruências, omissões e silêncios embaraçosos.
Um processo que começou distorcido, com memoriais preventivos para não aparecer no tribunal e outros documentos pouco acessíveis para a defesa, com testemunhas que se recusaram a falar, citando segredos cruciais capazes de pôr em risco a segurança “militar, econômica e financeira” do pequeno estado pontifício.
Tudo por causa da reforma de uma residência cardinalícia. Em suma, um processo emblemático que diz como está avançando com dificuldade a virada reformadora de Francisco. Os imputados pelo crime de peculato são dois ex-empresários, o presidente e o tesoureiro da Fundação do Bambino Gesù, Giuseppe Profiti e Massimo Spina, para os quais o procurador de Justiça pediu três anos de prisão e uma multa por lucros, enquanto, para Spina, a absolvição por falta de provas.
Desde o início do processo, cada passagem foi marcada pela ausência invasiva de dois cardeais: Tarcisio Bertone e Giuseppe Bertello. A montante da cadeia hierárquica, eles não só estavam conscientes dos problemas em curso por causa da reforma, mas ninguém quis sequer apurar se, por acaso, solicitaram os pagamentos das faturas pelos trabalhos que, caso contrário, nunca teriam terminado a tempo para a mudança. Faturas que, por causa de uma série de complicações, parecem ter sido emitidas duas vezes, mas sempre pagas para o mesmo empresário, Giuseppe Bandera, um construtor da Ligúria ligado a Bertone e, naquele período, com vários problemas econômicos, tanto que algumas de suas empresas, uma das quais com sede em Londres, acabaram em concordata preventiva justamente enquanto estava em curso a reforma do apartamento.
Os 400 metros quadrados deveriam ser divididos em duas áreas, uma privada para o cardeal e as irmãs, e uma ala de representação para ser usada para jantares de beneficência e para angariar dinheiro a ser destinado ao Hospital Bambino Gesù.
O projeto de captação de fundos foi idealizado pelo ex-empresário Giuseppe Profiti, mas, a montante, ele recebera o placet do cardeal, como, aliás, afirma o memorial que Bertone enviou aos magistrados em novembro passado, justamente para evitar que ele aparecesse no tribunal.
Escreveu o cardeal: “Quanto ao aspecto relativo à relação com o professor Giuseppe Profiti, o caso é muito simples. A tese do professor Giuseppe Profiti (para o qual tal pesquisa era favorável ao Hospital Bambino Gesù, para continuar de modo novo as iniciativas de promoção, de beneficência e de captação de recursos) baseia-se em uma ideia deste último, mas, de minha parte, vigorava a rigorosa cláusula que foi dita, isto é, não pesar absolutamente sobre a Fundação Bambino Gesù. A acusação de ter usado dinheiro da Fundação Bambino Gesù é mentirosa e infame, consideradas a paixão com a qual desde sempre eu cuidei da atividade do hospital e as iniciativas de promoção e de captação de recursos a seu favor”.
Nesse caldo de faturas, documentos inacessíveis, omissões, o processo está no fim. O procurador de Justiça chegou à conclusão de que a Fundação Bambino Gesù teria pago 422 mil euros ao empresário Bandera pela reforma do apartamento, mediante uma decisão pessoal tomada pessoalmente por Profiti, enquanto “o Governatorado não tinha conhecimento de que outra entidade estava financiando a reforma”, como relatou o engenheiro Marco Bargellini, chefe de Serviços Técnicos do Governatorado do Estado da Cidade do Vaticano, que definiu o fato como “singular”.
Entre as incongruências, também estão as especificações dos trabalhos. O construtor Bandera repetiu que tinha sido feita apenas uma, relativa às partes comuns, mas não aquela para o apartamento. Uma pena que, depois, por ordem dos juízes, o Governatorado (órgão liderado pelo cardeal Bertello), nesse meio tempo, foi forçado a entregar ao tribunal os documentos necessários.
A última testemunha a falar foi a presidente do Bambino Gesù, Mariella Enoc, que, inicialmente, se recusara a aparecer no tribunal. Enoc explicou que tinha “encontrado uma carta em que o cardeal Bertone se diz de acordo sobre a utilização do apartamento”.
Enoc, porém, acrescenta que se tratava de “documentos que não diziam respeito a mim”, “correspondência privada” entre o purpurado e Profiti. Além disso, ela relatou ter encontrado as cartas “em alguns dossiês”, mas, na fundação, repetiu, “não havia protocolos de arquivamento dos documentos e não houve passagem de bastão entre o professor Profiti e eu”.
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Vaticano: no próximo sábado, o fim do processo de Bertone, entre mistérios e omissões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU