10 Outubro 2017
“Tudo o que queríamos era uma conversa nos Estados Unidos entre bispos, teólogos e outros especialistas sobre a exortação papal, que nos convidasse a levar em consideração toda a gama de recursos da Escritura e da tradição para responder aos desafios da família católica contemporânea. Acreditávamos que as nossas famílias e o papa mereciam tal escuta.”
A opinião é do jesuíta estadunidense James Keenan, teólogo moral que atua como professor da cátedra Canisius e diretor do Jesuit Institute do Boston College. Ele co-organizou o congresso entre os dias 5 e 6 de outubro, “Amoris laetitia: um novo impulso para a formação moral e a prática pastoral”, com a presença do cardeal de Chicago, Blase Cupich. Em 10 dias, cada um dos cinco painéis estarão disponíveis no site do Jesuit Institute. As 15 apresentações do congresso também serão editadas por Keenan e por Grant Gallicho, para uma futura publicação pela Paulist Press.
Em janeiro de 2017, eu recebi as provas de um artigo que escrevi para a revista Theological Studies, intitulado “Recebendo a Amoris laetitia”. Nele, eu estudava como outros países implementaram pastoralmente a exortação apostólica do Papa Francisco, conhecida em inglês como “A alegria do amor” e lançada em abril de 2016, depois que o papa realizou dois sínodos dos bispos sobre a vida familiar.
A exortação é um documento belo e legível, que oferece ajuda aos ministros padres e leigos nas suas ações pastorais com as famílias. Na minha pesquisa, eu descobri que, na Argentina, Áustria, França, Alemanha, Itália e África do Sul, os bispos e os cardeais, junto com teólogos, deram passos criativos para compartilhar “A alegria do amor” com o seu povo. Será que os nossos bispos poderiam fazer o mesmo?, perguntei-me.
Eu enviei as provas ao cardeal de Chicago, Blase Cupich, e ao bispo de San Diego, Robert McElroy. Enviei-as ao primeiro porque eu escrevo para o jornal The Chicago Catholic e ao último porque ele havia promovido um sínodo sobre a Amoris laetitia na sua diocese.
Com o seu estilo simples e “direto ao ponto”, Cupich me telefonou no dia seguinte. “Ouça, Jim, eu quero promover um seminário sobre a Amoris laetitia em uma universidade. Será que o Boston College estaria interessado?”, ele me perguntou. Eu disse que sim. Eu sabia que o reitor do colégio, o padre jesuíta William Leahy, ficaria muito interessado em apoiar a ideia, e eu tinha alguns fundos para fazer isso, como diretor do Jesuit Institute. Mais tarde, obteríamos o apoio da Fundação Cushman, da Fundação Healey Family e da Fundação Henry Luce.
Parecia que o seminário poderia aprender com outro seminário realizado no ano passado em Paris, no qual o cardeal André Vingt-Trois organizou um evento similar com o Mons. Philippe Bordeyne, o reitor/presidente do Institut Catholique, para teólogos universitários e bispos franceses para vasculhar a Amoris laetitia. Quando começamos a planejar, Cupich estava pensando da mesma forma.
Consciente de que grande parte do discurso público sobre a Amoris laetitia nos Estados Unidos se concentra quase que exclusivamente nas visões polarizadas sobre a nota de rodapé 351, que menciona a “ajuda dos sacramentos” para os católicos divorciados em segunda união, estávamos mais interessados em uma leitura dos nove capítulos da exortação inteira.
Tudo o que queríamos era uma conversa nos Estados Unidos entre bispos, teólogos e outros especialistas sobre a exortação papal, que nos convidasse a levar em consideração toda a gama de recursos da Escritura e da tradição para responder aos desafios da família católica contemporânea. Acreditávamos que as nossas famílias e o papa mereciam tal escuta.
A fim de obter um equilíbrio certo, percebemos que precisávamos de alguma ajuda externa. Convidamos o cardeal Kevin Farrell, prefeito do novo Dicastério vaticano para os Leigos, a Família e a Vida; o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, canonista; o cardeal Reinhard Marx, presidente da Conferência Episcopal Alemã; o padre jesuíta Antonio Spadaro, editor da revista italiana La Civiltà Cattolica; e Bordeyne, de Paris. Todos aceitaram, exceto Marx, que enviou o bispo Franz-Josef Overbeck, que, tendo participado de ambos os sínodos, esteve envolvido na elaboração da resposta dos bispos alemães à exortação.
Dos Estados Unidos, convidamos o cardeal de Boston, Seán O’Malley; o cardeal de Newark, Joseph Tobin; o cardeal de Houston-Galveston, Daniel DiNardo, presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos; o arcebispo de Los Angeles, José Gomez, vice-presidente da Conferência; e o arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, presidente da Comissão Episcopal para os Leigos, o Matrimônio, a Vida Familiar e a Juventude. Todos os cinco não puderam participar, mas O’Malley e Chaput enviaram delegados ao encontro.
Convidamos outros nove membros do episcopado, incluindo o arcebispo de Atlanta, Wilton Gregory, e McElroy, que concordaram em vir. Convidamos 12 teólogos (seis mulheres e seis homens) e outros 12 interlocutores.
No dia 5 de outubro, 14 membros da hierarquia, 24 “especialistas” e dois apoiadores chegaram ao Boston College para o nosso seminário de dois dias.
Projetamos um seminário com cinco painéis, cada um com três ou quatro apresentadores. Cada painel seria seguido por uma discussão de uma hora, e cada um seria o próprio fundamento para o seguinte.
O primeiro painel abordou como a Amoris laetitia é ou poderia ser recebida em diferentes comunidades ao redor dos Estados Unidos. Esse painel nos deu uma profunda apreciação dos desafios sentidos pelas famílias nos Estados Unidos.
O segundo painel levantou a questão sobre como a novidade da Amoris laetitia afetou a Igreja na França e como ela pode afetar os nossos clérigos, canonistas e famílias – particularmente aquelas em segundas uniões.
O terceiro painel analisou se a Amoris laetitia poderia ajudar no trabalho contínuo de evangelização com mulheres, millennials, hispânicos e com o crescente número de “nones”, ou seja, aqueles que se descrevem como não mais filiados às comunidades eclesiais.
O quarto painel centrou-se nos sínodos, buscando entender a teologia dos sínodos e como os sínodos ocorreram, tanto em Roma, quanto em San Diego.
O painel final consistiu em relatórios de Scicluna e Overbeck sobre o trabalho nos seus países de implementação da Amoris laetitia, com uma reflexão de Gregory sobre o curso de trabalho futuro entre teólogos e bispos sobre o documento.
Esses painéis de apresentação foram estimulantes e provocaram um debate extraordinário entre os 40 participantes, não apenas nas cinco sessões de discussão, mas também nos almoços, nos intervalos e em um jantar oferecido por Leahy. É claro, grande parte disso se deveu à oração que acompanhou esse congresso, nas liturgias eucarísticas que começavam cada dia e nas orações de intercessão que pedimos aos outros.
Também foi bem-sucedido por causa da generosa boa vontade de todos os presentes. Como observou um bispo, “ninguém tem os escudos levantados”. A discussão também foi bem-sucedida porque nenhum apresentador falou por mais de 15 minutos. Cada apresentador oferecia a primeira palavra sobre a questão, e não a última palavra inesquecível.
Cinco momentos me chamaram a atenção, ao fornecerem frases-chave significativas para descrever o estilo e o conteúdo do nosso seminário.
No início da primeira discussão, Lisa Sowle Cahill observou: “É tão bom que os apresentadores basicamente optaram por descrever a situação contemporânea em termos de família, em vez de matrimônio”. A sua intuição era de que a política do matrimônio muitas vezes nos afastava de questões mais complicadas da família, em que questões de pressões e desigualdades econômicas profundas, discriminação, saúde física e mental e outras são tão profundamente desafiadoras.
O segundo momento surgiu quando Farrell respondeu a uma pergunta de um bispo, que perguntou que documento romano deveria ter prioridade sobre os outros. Farrell afirmou enfaticamente: “A Amoris laetitia! Esse é o documento que fala sobre o nível mais elementar do ministério pastoral de toda a Igreja”.
Em terceiro lugar, uma afirmação muito repetida foi: “Descobrimos que há outros oito capítulos na Amoris laetitia”. A linguagem da Amoris laetitia foi repetidamente ecoada ao longo dos dois dias, já que muitos apresentadores citaram notavelmente os capítulos 2 (“A realidade e os desafios das famílias”), 4 (“O amor no matrimônio”) e 5 (“O amor que se torna fecundo”).
Embora não ignorando o capítulo 8 (“Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”), Cupich acrescentou: “Eu gostaria de nos advertir que existem outras dimensões da vida familiar que o papa aborda na Amoris laetitia que têm a ver não apenas com as questões morais, mas também com a vida social, as restrições econômicas e as dificuldades que as pessoas enfrentam ao criar famílias e filhos”.
Ao falar sobre o capítulo 8, Scicluna nos deu a quarta frase, quando ele falou sobre “o princípio da colegialidade afetiva e da comunhão com o Santo Padre”. Eu sugeriria que a “colegialidade afetiva” que cada um de nós sente por Francisco se estendesse uns aos outros, e que a colegialidade episcopal e a colegialidade entre os teólogos, especificamente, se unissem.
Ao discutir o seu sínodo em San Diego, McElroy comentou no fim da sua impressionante apresentação: “Eu era um aprendiz lá”. Essa é a quinta frase-chave. Eu acho que todos foram embora do seminário simplesmente depois de terem vislumbrado experiencialmente, a partir uns dos outros, a Igreja que Francisco nos convida a sermos.
Usando os termos de Francisco como “a Igreja como hospital de campanha”, a “consciência insubstituível”, o “acompanhamento” e o “discernimento autêntico”, tornamo-nos, durante 36 horas, um pouco mais esquecidos de nós mesmos e mais conscientes da exortação papal sobre as nossas famílias. Foi um momento refrescante.
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O que eu aprendi com a organização e a participação no evento sobre a ''Amoris laetitia'' em Boston. Artigo de James Keenan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU