26 Setembro 2017
Na semana em que o Theological College da Catholic University of America desconvidou o padre jesuíta James Martin a um evento, ex-alunos expressaram a sua raiva e seu pesar diante da decisão do seminário.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 22-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O seminário com sede em Washington cancelou o evento agendado com o popular autor e personalidade midiática em resposta à reação de grupos católicos de extrema-direita ao livro de Martin sobre os católicos LGBT. Além de desapontar alguns ex-alunos, a medida também fez com que dois bispos dos Estados Unidos se tornassem aliados improváveis, pois, em artigos separados, condenaram os ataques pessoais contra Martin que alimentaram o seu cancelamento, considerando-os prejudiciais para a Igreja Católica em geral.
“Estou muito infeliz com a decisão”, disse o Pe. Martin Peter, um sacerdote aposentado da Arquidiocese de Indianápolis e representante dos ex-alunos pela turma de formandos de 1967 do seminário. Martin estava programado para falar durante a celebração anual das jornadas de ex-alunos do seminário (3 a 4 de outubro), que, neste ano, marca o 100º ano de fundação do Theological College.
O seminário, parte da Catholic University of America, que foi fundado pelos bispos dos Estados Unidos em 1887 e traz consigo um título papal, disse em um comunicado enviado aos ex-alunos no dia 15 de setembro que tomou a decisão na tentativa de evitar distrações e polêmicas durante o centenário, depois de “ter experimentado uma crescente resposta negativa de vários sites de redes sociais”.
Dirigido pela Society of St. Sulpice, o seminário recusou-se a fazer mais comentários sobre a campanha anti-Martin para além do comunicado de imprensa original. Ele disse ao NCR que não haveria uma palestra pública na reunião dos ex-alunos deste ano.
Nas últimas semanas, grupos católicos de extrema-direita, incluindo o Church Militant e o LifeSiteNews, fizeram uma campanha de mídias sociais contra Martin por causa do seu livro Building a Bridge: How the Catholic Church and the LGBT Community Can Enter Into a Relationship of Respect, Compassion, and Sensitivity [Construindo uma ponte: como a Igreja Católica e a comunidade LGBT podem estabelecer uma relação de respeito, compaixão e sensibilidade]. As campanhas tinham como alvo organizações que convidavam Martin como palestrante e se expandiam envolvendo telefonemas, em um esforço para que as aparições de Martin fossem canceladas.
Martin, editor-geral da revista America e consultor da Secretaria para a Comunicação do Vaticano, também teve que cancelar uma aparição pública no jantar da Ordem do Santo Sepulcro no dia 21 de outubro, por causa da campanha. Uma palestra realizada pela Cafod, a agência oficial de ajuda da Igreja Católica na Inglaterra e no País de Gales, também foi cancelada, de acordo com Martin devido a preocupações com a publicidade negativa vinculada ao livro Building a Bridge; a Cafod disse que o evento foi adiado e que o convite a Martin continua de pé.
“Navegar no meio dessa reação não tem sido fácil. Mas eu estou em paz com o livro e com a missão de amar e defender os católicos LGBT”, escreveu Martin no dia 21 de setembro no jornal Washington Post, referindo-se aos grupos que o tomam como alvo como “uma espécie de alt-right católica”.
Peter disse que ele e uma dezena de ex-colegas começaram a planejar há um ano a sua participação nas Jornadas de Ex-Alunos, um pequeno evento que geralmente reúne cerca de 30 a 50 ex-alunos, para celebrar juntos o seu aniversário de ouro como padres. Alguns planejavam comparecer especificamente por causa de Martin, acrescentou Peter. Ele estava entre os mais empolgados pelo fato de que a fala estaria centrada no livro de Martin de 2014, Jesus: A Pilgrimage [Jesus: uma peregrinação], que ele leu com o clube do livro da sua paróquia em Columbus, Indiana.
Presidente da sua turma durante os quatro anos no Theological College, Peter disse não concordar com a decisão, porque a universidade sucumbiu àqueles que procuravam silenciar Martin.
“Eu não acho que devemos nos permitir ser chantageados e pressionados por grupos... Se respondemos e cancelamos coisas como essas, isso simplesmente os encoraja a continuarem se opondo a todo o espírito que eu vejo no Papa Francisco, que nos diz para irmos ao encontro das periferias, que não devemos julgar e que sejamos abertos”, disse.
Outros ex-alunos fizeram eco desses sentimentos em e-mails enviados ao Theological College, cujas cópias foram compartilhadas com o NCR. Eles expressaram desapontamento e choque diante da decisão. Um padre chamou a retirada do convite de “um grave erro”, e outro graduado leigo rotulou o fato como “um ato vergonhoso e covarde”.
“Essa era uma oportunidade para sermos corajosos e permitir que o diálogo aconteça. É triste pensar que a minha alma mater está se deixando pressionar e se deixando levar por preocupações financeiras, em vez do direito de ouvir todos os lados, até mesmo, senão especialmente, sobre temas controversos”, escreveu um padre.
Várias pessoas disseram que não participariam mais da reunião dos ex-alunos, enquanto outros disseram que o “desconvite” os levou a ler Building a Bridge. Alguns apontaram que Martin não iria falar sobre a pastoral aos católicos LGBT, mas sim sobre “Encontrar Jesus: encontrando o Jesus da História e o Cristo da Fé” (Martin fez uma palestra sobre esse mesmo tema no dia 19 de setembro em um encontro de 2.500 diretores e professores da Arquidiocese de Nova York).
“Eu acho que a possibilidade de ‘Encontrar Jesus’ está em desuso no Theological College...”, escreveu o Pe. John Cahill, ex-aluno de 1973 e padre na Diocese de Covington, Kentucky, em um e-mail.
Com Building a Bridge, Martin buscou construir um diálogo sobre o ministério da Igreja Católica aos católicos que são gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. O livro, que vendeu 25 mil cópias nos Estados Unidos desde a sua publicação em junho – com picos de vendas nas últimas semanas, depois que o “desconvite” do Theological College atraiu a cobertura da imprensa nacional, de acordo com a editora HarperOne –, recebeu a aprovação eclesiástica formal dos superiores jesuítas de Martin e foi endossado por quatro bispos estadunidenses, entre eles dois cardeais.
Desde o cancelamento, os padres jesuítas e paulistas emitiram declarações públicas de apoio a Martin e ao seu livro, assim como o grupo católico LGBT News Ways Ministry.
Em texto escrito na revista America do dia 18 de setembro, o bispo de San Diego, Robert McElroy, reforçou o seu endosso ao livro e abordou aquilo que chamou de campanha “para vilipendiar o Pe. Martin, para distorcer o seu trabalho, para rotulá-lo como heterodoxo, para assassinar o seu caráter pessoal e para aniquilar tanto as ideias quanto o diálogo que ele iniciou”.
Ele disse que as organizações que cancelaram as aparições de Martin “trouxeram paz, mas, ao fazerem isso, elas aderiram e reforçaram táticas e objetivos que são profundamente prejudiciais à cultura católica nos Estados Unidos e à pastoral da Igreja para os membros das comunidades LGBT”.
“Essa campanha de distorção deve ser desafiada e exposta pelo que ela é – não principalmente em prol do Pe. Martin, mas porque esse câncer de vilificação está penetrando na vida institucional da Igreja”, escreveu McElroy, destacando três impulsos por trás dos ataques: “A homofobia, uma distorção da teologia moral católica fundamental e um ataque velado ao Papa Francisco e a sua campanha contra o julgamento excessivo na Igreja”.
“O ataque coordenado contra Building a Bridge deve ser um alerta à comunidade católica para que olhe para dentro de si mesma e se purifique da intolerância contra a comunidade LGBT”, disse o bispo.
Em um artigo do dia 21 de setembro para o jornal católico conservador First Things, o arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, se somou para condenar os ataques pessoais “indesculpavelmente feios” contra Martin, separando a “crítica legítima e séria” ao livro Building a Bridge daquilo que ele chamou de “destruição ad hominem”.
“A amargura dirigida contra a pessoa do Pe. Martin não é apenas injustificada e injusta; é um contratestemunho destrutivo do Evangelho”, disse Chaput. Ele chamou Martin de “um homem de intelecto e competência cujo trabalho eu frequentemente admiro”.
O arcebispo argumentou que era falso relacionar as divisões na Igreja exclusivamente aos católicos de direita, dizendo que os católicos progressistas desempenharam o seu próprio papel. Mas o arcebispo se pronunciou no passado especificamente contra grupos como o Church Militant e o Lepanto Institute. Depois que os dois grupos rotularam os organizadores do Encontro Mundial de Famílias de 2015, realizado na Filadélfia, como pró-aborto, Chaput disse a um jornalista: “Tanto o Lepanto quanto o ChurchMilitant semeiam divisão por onde quer que passem... Eles são sinceros, mas também destrutivos”.
Em um artigo do dia 18 de setembro para o La Croix International, Massimo Faggioli, historiador da Igreja da Villanova University, disse que as campanhas contra Martin “deveriam preocupar todos os católicos”. Ele disse que os grupos que estão por trás deles “formam uma cibermilícia católica” que, embora pequena, cresceu nos últimos anos e mostrou uma capacidade de exercer poder e influência na Igreja dos Estados Unidos.
“Até mesmo quando o Papa Francisco tentou enfatizar a fundamental virtude da misericórdia, certos católicos aumentaram o uso da linguagem de ódio e novos canais de intimidação. Essa é a história de uma Igreja Católica institucional que está tentando mudar e da reação virulenta contra ela”, disse Faggioli.
Jerry Filteau, jornalista católico aposentado e formado no Theological College em 1971, disse que a situação em relação a Martin lembrou-o da conferência “Call to Action” de 1976, realizada em Detroit, em que um membro dos Sons of Thunder gritou: “Judas! Judas! Judas!” para o cardeal de Detroit, John Dearden, em protesto contra as discussões sobre o futuro da ação social da Igreja dos Estados Unidos. “Você podia ver o ódio nos seus rostos”, lembrou Filteau.
Ex-repórter do Catholic News Service e do National Catholic Reporter, Filteau disse ter ficado “muito desapontado com o fato de o Theological College ter caído nesse tipo de armadilha. Quando você deixa que aqueles que gritam mais alto ganhem, isso não ajuda a Igreja de modo algum”.
Outros ex-alunos experimentaram um déjà vu em relação a 1963, quando os padres jesuítas John Courtney Murray e Gustave Weigel, junto com o padre e teólogo suíço Hans Küng e o padre e liturgista beneditino Godfrey Diekmann, foram impedidos de falar na Catholic University of America e transferiram as suas palestras para a Georgetown University.
Cahill, que atuou por vários mandatos na liderança discente no Theological College, disse ao NCR que ficou “consternado” com a decisão do seu ex-colega e atual reitor, o padre sulpiciano Gerald McBrearity. Não tomar uma posição diante dos grupos que assediam o seminário constitui um mau exemplo para os seminaristas atuais, disse.
“Eu não questiono a sua sinceridade ou o seu caráter. Eu questiono o seu julgamento. Eu acho que é realmente importante que reajamos às pessoas que tentam intimidar a Igreja”, disse Cahill.
Ele acrescentou que, depois que os seminaristas forem ordenados, “eles vão enfrentar o mesmo tipo de pressão, se pregarem o Evangelho... Você não pode deixar que as pessoas parem você quando você está fazendo o que é certo”.
Embora muitos dos e-mails de ex-alunos irritados tenham vindo de graduados do Theological College durante os anos 1960 e 1970, os padres mais jovens permaneceram em grande parte silenciosos, segundo o que Cahill e outros ouviram. Os pedidos de comentários enviados pelo NCR para nove representantes da turma do Theological College que se formou entre 1997 e 2017 não foram respondidos.
O Pe. John Wagner, um graduado de 1987 do Theological College, disse ao NCR que “ficou um pouco desapontado” com a decisão, mas a apoiou e entendeu por que ela foi tomada. Ele disse que gostava de Martin e ouvia quando ele falava na rádio católica, mas, “com o último livro que ele escreveu, eu posso ver por que isso causou polêmica”. Promover uma palestra com Martin, disse, poderia dar uma impressão negativa sobre a faculdade, dando a entender que ela apoia o que Martin escreveu em Building a Bridge.
“Mesmo que ele não fosse falar de questões LGBT [no evento dos ex-alunos], por causa do que ele disse, está meio que implícito. Então, ele é culpado por associação”, disse Wagner, pároco da Igreja do Redentor, em Mechnicsville, Virgínia.
A partir do dia 21 de setembro, um abaixo-assinado iniciado pelo Faithful America coletou mais de 22.000 assinaturas que pediam que o convite a Martin fosse refeito. Alguns ex-alunos se perguntaram por que a Universidade Católica, que sediou uma palestra de Martin no ano passado e se distanciou da decisão do seminário, não ofereceria seu campus para a conferência.
Martin deve falar no dia 30 de setembro na Holy Trinity Church, em Washington, que estendeu o convite após o cancelamento do seminário.
Mesmo com a ausência de Martin em uma aparição física no Theological College, os graduados do passado estavam certos de que ele teria uma presença proeminente no evento dos ex-alunos, dada a controvérsia em torno da retirada do seu convite.
“Tenho certeza de que haverá muita discussão sobre isso na reunião”, disse Peter.
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''Não cedam às intimidações'', dizem ex-alunos depois de cancelamento de palestra com o jesuíta James Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU