07 Julho 2017
Neta de Getúlio Vargas (1882-1954), presidente da República responsável pela implantação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 1943, a socióloga Celina Vargas do Amaral Peixoto admite a necessidade de reforma da legislação trabalhista.
"A relação capital e trabalho mudou. Não é mais o setor industrial que cria mais empregos. Hoje é o setor terciário [comércio e prestação de serviços]. É óbvio que precisa haver uma mudança [na legislação trabalhista]", afirma Celina, 73.
A reportagem é de Naieff Haddad, publicada por Folha de S. Paulo, 07-07-2017.
O Senado deve votar na semana que vem, em regime de urgência, a reforma trabalhista. Entre outros pontos, a proposta do governo prevê que os acordos coletivos possam se sobrepor à lei em quaisquer circunstâncias.
A socióloga, contudo, é assertiva nas ressalvas à condução do processo em Brasília. "A legislação trabalhista levou 13 anos sendo estudada pela equipe do Getúlio antes de ser consolidada. Não se pode fazer essa mudança num piparote [como numa brincadeira]", diz Celina.
"Tenho medo pela população brasileira que foi protegida pelo Getúlio. Por meio da CLT, ele promoveu a maior inclusão social que o Brasil já viu. Não foi o Bolsa-Família", afirma a socióloga.
Com uma fala suave ao longo da maior parte da entrevista, Celina é enfática em alguns momentos.
Para ela, uma reforma trabalhista "tem que ser séria. Séria!", ressalta. "O processo deveria começar pela elite, pelas pessoas que ganham salários altos e benefícios mais altos ainda."
Celina é uma das organizadoras da nova edição do livro "Getúlio Vargas, meu Pai" (editora Objetiva), escrito por Alzira Vargas (1914-1992).
Celina é filha única da união de Alzira e Ernani do Amaral Peixoto (1905-1989), que foi interventor federal no Rio de Janeiro e posteriormente governador do Estado.
A obra foi lançada pela primeira vez em 1960. A nova edição, a cargo da editora Objetiva, reúne textos inéditos de Alzira, nascida em São Borja, no interior gaúcho, assim como o pai.
Getúlio comandou o Brasil em dois períodos.
O primeiro se estendeu de 1930 a 1945. Está dividido em três fases: 1) de 1930 a 1934, quando Getúlio estava à frente do governo provisório; 2) entre 1934 e 1937, como presidente do governo constitucional, tendo sido eleito pela Assembleia Constituinte; 3) de 1937 a 1945, como ditador, durante o Estado Novo.
O segundo período durou só três anos e meio. Eleito pelo voto direto, Getúlio governou de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954, quando se suicidou.
De acordo com Celina, não é possível estabelecer pontos de contato entre as crises enfrentadas por seu avô e as turbulências recentes, nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.
Para amparar seu argumento, ela cita Lira Neto, autor da biografia de Getúlio, lançada em três volumes.
"Por que eu não procurei o Lira ao saber que ele estava pesquisando a vida do Getúlio? Porque tinha certeza que ele encontraria um personagem bonito, honrado", diz.
"Não vejo paralelo nenhum, portanto. Estamos falando de um grupo de pessoas denunciadas em virtude da operação Lava Jato. Já o Getúlio teve a vida pesquisada pela República do Galeão e nada foi encontrado."
"República do Galeão" foi como ficou conhecida a Base Aérea do Galeão, no Rio, quando lá foi montado, em agosto de 1954, um aparato da Aeronáutica para interrogar suspeitos do atentado da rua Tonelero.
No atentado, foi ferido Carlos Lacerda (1914-1977), o principal opositor do então presidente Getúlio, e morreu o major Rubens Vaz. Os interrogatórios transcorriam em meio à crise do governo e às acusações de corrupção contra Getúlio.
Ao comentar as investigações em andamento, Celina lembra-se de um dos capítulos do livro, cujo título é "Era uma Vez um 'Mar de Lama'".
Nesse trecho, Alzira assegura que ela, assim como o pai, eram "invulneráveis". Alzira, que assessorava Getúlio, foi "tentada com corrupção por todos os lados. As pessoas queriam dar coisas, mas ela não cedia", afirma Celina.
"O Brasil já foi honrado e não falo só do Getúlio", diz a socióloga. "Na época dele, os homens tinham ideologias diversas, mas não vi ninguém ganhar dinheiro."
Neste ponto da entrevista, ela menciona diversos políticos que fizeram oposição ao avô, como os ex-governadores de Pernambuco Etelvino Lins e Cordeiro de Farias.
"Conheci as famílias deles, eram normais", afirma – por "normais", leia-se "que não enriqueceram com política".
A lista de opositores, desfiada por Celina, chega, enfim, ao nome do maior deles, Lacerda, governador da Guanabara entre 1960 e 1965.
"Conheço a família do Lacerda, também não vi nada [que fosse irregular]. O Brasil não era como hoje. É preciso recuperar o país".
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“CLT fez mais que o Bolsa Família”, constata Celina Vargas do Amaral Peixoto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU