13 Junho 2017
"As batalhas pontuais são duras e a guerra ainda mais intensa; o país está sob ataque – com múltiplas internalizações de interesses externos - e não há necessariamente um lado cem por cento confiável dentre os operadores políticos oficiais e menos ainda na disputa intra-institucional", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) finalmente terminou o julgamento tantas vezes protelado, até porque foi arbitrado em função dos tempos políticos da oposição, agora co-governo, quando do início da denúncia. Vale recordar que a ação foi motivada por vingança política do ex-candidato e senador pelo PSDB de Minas Gerais, Aécio Neves, derrotado no acirrado pleito de 2014.
Agora, na decisão final, vale a máxima de “defender a normalidade institucional”, sempre e quando esta favoreça a correlação de turno. Gilmar Mendes, sempre ele, seguindo o voto dos ministros Napoleão Nunes Maia, Admar Gonzaga (indicado por Michel Temer e ex-advogado da campanha de Dilma em 2010) e Tarcísio Vieira (também indicado pelo presidente MT), desempatou a causa. Mendes votou contrário aos ministros Herman Benjamin (relator), Luiz Fux e Rosa Weber. Vale recordar que Mendes, Fux e Weber também são membros do STF, e estarão julgando, avaliando uma hipotética acusação formal do PGR Rodrigo Janot contra o atual presidente.
Como difundido pelo blog de Andréia Sadi, literalmente a craque do fontismo no Planalto em transe (ver aqui), o ainda presidente Michel Temer, acompanhado da primeira dama, foi à comemoração de aniversário do presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Independente do gesto de cortesia e dentro do rito do cargo, tal proximidade revela quão difícil vai ser conseguir a autorização da câmara baixa para o afastamento do mandatário caso este venha a ser denunciado pela Procuradoria Geral.
Entendo ser necessária uma avaliação com certa profundidade política da atual crise brasileira e os limites do modelo o qual estamos todos subordinados. Vale retornar e observar duas variáveis: as origens expostas da crise atual e o isolamento da massa deste processo.
O Brasil se encontra diante da crise da democracia indireta como forma legítima de consulta pública e sua cada vez maior deslegitimação. Desde que foi consumado o impeachment da presidenta Dilma Rousseff sem mérito constitucional, o que era latente se torna evidente. No segundo turno de 2014, a campanha da reeleição foi em clima plebiscitário. Eram dois projetos contrapostos, um, de continuidade do crescimento econômico através da aliança de elites políticas, aparelho de Estado e conglomerados nacionais.
Outro, o projeto tucano, com a transnacionalização do país e o alinhamento com o “ocidente” e o capital financeiro. Havia um pouco do segundo projeto no primeiro, mas uma vez reeleita, Dilma incorpora muito do programa derrotado, e começa a perder sua força advinda das urnas.
A perda de legitimidade foi seguida de um processo de engano coletivo, cujo vice eleito e reeleito com Dilma, aproveitou-se do caos para se lançar como alternativa viável das oligarquias políticas e seus patrocinadores da superexploração interna. Hoje estamos diante de alternativas incompletas para a crise política do governo Temer. Uma, o presidente continua, com frágil legitimidade e legalidade; duas, passaremos por um processo de eleições indiretas (mesmo essas, cada vez mais improváveis), o que implica um poder absoluto do Congresso e de seus líderes de bancada; terceiro, um pleito de eleições Diretas, garantindo a legitimidade até as eleições gerais de 2018.
O dilema de legitimidade na consulta é fundamental. Se aprovadas as “reformas” – uma coletânea de leis regressivas e perda de direitos sociais – através da continuidade de Temer ou das Indiretas 2017, o próximo presidente não terá condições de governar. Se tivermos eleições Diretas 2017 e o presidente aprovar a continuidade das “reformas”, tampouco seu governo segue com legitimação. Mas, se alguém for eleito tendo que negociar maioria com esta legislatura e intentar frear a agenda regressiva, somente a pressão popular para frear a sanha da legislação liberal-conservadora. Ou seja, muitas datas como o Ocupa Brasília (24 de maio de 2017, com direito a Decreto de Garantia da Lei e da Ordem e a tentação autoritáriabeirando o limite).
O Brasil está diante de um problema clássico da teoria política contemporânea. Como pode um governo isolado se legitimar diante da cidadania incompleta e inconclusa brasileira se todo o programa do governo MT é antipopular? Pois bem, este governo só pode continuar quando está sobre um arremedo de legalidade, ainda que com legitimidade mais que duvidosa. E, neste cenário complexo e perverso, qual o agente político que tem penetração em todas as classes e pode oferecer narrativas distintas segundo o padrão de escolaridade de cada setor? Só a mídia hegemônica, especificamente as grandes redes de televisão com abrangência nacionais, com a Globo adiante, e os complexos multimeios, como as próprias organizações dos Marinho, assim como a Abril/Civita, Folha, Estadão e Jovem Pan podem operar este “milagre às avessas”. Some-se a estes conglomerados, as TVs com sede em São Paulo, que uma vez “reunidas” em linhas editoriais mais ou menos oficialistas, fortalecem a “sensação de legitimidade” para o governo MT. Tanto é assim que mesmo com a oposição ferrenha da Globo, Michel Temer se mantém firme no Poder Executivo.
Voltando à correlação no campo da comunicação e política, está feia a coisa. Logo, se os grupos hegemônicos saíram fortalecidos com o crescimento econômico brasileiro no período lulista e, como já vimos em momentos anteriores, não há massificação do contraponto ideológico, o que podemos fazer de imediato? Uma possibilidade, bastante concreta por sinal, é operar em baixa intensidade, mas em rede. A internet difusora de conteúdos políticos no Brasil é uma arena de batalha constante, mas limitada pelos algoritmos das bolhas de Google e Facebook. Portanto, não há como não estar nas redes sociais (Twitter incluído) e menos ainda ficar apenas nelas. Para além das bolhas, cada espaço em mídia aberta – mesmo quando regionalizada – deve ser ocupado, tal como todo e qualquer evento de debate público com abrangência para além de círculos já convertidos. No mesmo sentido, resgatar, mergulhar naquilo que existe, como a radiodifusão comunitária – popular e cheia de conflitos e contradições internas – e a novidade dos últimos quatro anos: os grupos de debate através de aplicativos como Whatsapp e Telegram.
É importante que a militância veja a necessidade de alguns elementos básicos de rotina produtiva, tal como: assiduidade; linguagem acessível (na medida do possível); o uso de analogias e comparações; ofertar elementos de análise que possam ser instrumentos para muitas pessoas e garantir o canal de retorno. Tanto agrupações de mídia como os ativistas individuais – de preferência vinculados a redes de comunicação popular já existente – devem fazer com “seus públicos” o oposto do que os deformadores da opinião hegemônica fazem. Atender quem nos procura, oferecer novas ferramentas, transformar o debate e a conversa em realizações concretas, apontar para além do debate e incidir sobre a militância.
No Brasil, temos mais de 44 milhões de pessoas que tiveram alguma mobilidade social no ciclo lulista e não têm uma representação ideológica classista. Logo, há muita bronca e ainda mais incompreensão. Ver no vizinho, colega de trabalho ou de aula alguém a ser convencido e positivamente influenciado é a tarefa constante de quem está na trincheira midiática da luta popular.
As batalhas pontuais são duras e a guerra ainda mais intensa; o país está sob ataque – com múltiplas internalizações de interesses externos – e não há necessariamente um lado cem por cento confiável dentre os operadores políticos oficiais e menos ainda na disputa intra-institucional. As expectativas da audiência se tornam cada vez mais passivas, com a massa acompanhando a luta dentro das instituições cada vez mais desmoralizadas pelos arranjos de conveniência, a fragilidade das convicções e os acertos patrimoniais e fisiológicos.
O próximo passo da luta intestina dos campos jurídicos e políticos deve ser a acusação formal do ainda presidente Michel Temer. Se eu entendi bem, as bases da Força Tarefa estão se unificando no discurso para reforçar o PGR que irá acusar formalmente ao ainda presidente Michel Temer (ver este link com entrevista ao procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, disponível aqui). Enquanto isso, Curitiba se dedica quase que exclusivamente a bloquear o retorno de Lula. A situação é tão absurda que agora a cidadania brasileira depende de liberais de toga para frear o governo dos oligarcas que deram um golpe nos seus ex-aliados da ex-esquerda, então contando com o apoio descarado dos mesmos liberais togados.
Parece a reedição de um drama brasileiro: em 15 de novembro de 1889, o povo do Rio de Janeiro, assistia "bestializado" a proclamação da 'tal da república' pelo marechal que era ministro da Princesa regente. Em 2017, a massa brasileira assiste “embasbacada” a absurdas manobras sem fim do estamento togado. Nunca o conceito "República dos Bacharéis" foi tão evidente e se o curtíssimo prazo passa por assistir estes absurdos, as etapas seguintes da luta política brasileira devem – deveriam – passar cada vez mais longe destas roletas viciadas.
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Após a votação no TSE, aumentam as chances de Temer seguir no cargo até as eleições de 2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU