08 Mai 2017
Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais, analisa a conjuntura do momento político brasileiro.
Eis o artigo.
Este texto traz duas partes complementares. A primeira apresenta uma rápida análise do país que conseguiu a duras penas realizar a Greve Geral de 28 de abril de 2017, colocando no mundo do trabalho formal a centralidade da luta social brasileira. A segunda parte observa a tensão entre o conflito que vai continuar mesmo após a possível (e até provável) vitória eleitoral de centro-esquerda em 2018 e a tentativa de domesticar a rebeldia brasileira contemporânea. Vamos ao debate, há muito para fazer.
Analisando o fator repressivo após a Greve Geral de 2017
Ao final da noite de 28 de abril me vi obrigado a fechar a seguinte análise. Se compararmos momentos distintos, mesmo continentes diferentes em momentos de crise, seguimos a seguinte observação. A economia da Grécia encolheu cerca de 30% de seu PIB de 2008 até 2015 (estes são índices ‘conservadores’, se consultarmos a ONG ATTAC Europa, os índices são ainda mais elevados). Neste espaço de tempo, nunca faltou verba para a repressão. Quando em janeiro de 2009 acabou o estoque de gás lacrimogêneo, o Estado de Israel cedeu "gentilmente" o produto. Nos piores planos de intervenção da Troika europeia, o fundo do Europol (recursos da União Europeia para as polícias "nacionais", também operando como agência da entidade supranacional; ver aqui) nunca foi minguado. Ao contrário. Na Argentina, a economia colapsou em 2001 e nunca faltaram fundos para a repressão política massiva. Exemplos assim sobram na história recente.
A elevação de gastos com policiamento "preventivo e anti-distúrbios" e a ênfase da cobertura dos conglomerados midiáticos nos atos de repressão e violência na luta social são inversamente proporcionais ao que realmente está em jogo (CLT, Previdência, Terceirização, Ensino Médio....). Trancar rua não é e nem nunca foi por fetiche. Já reprimir, nunca foi garantia de ordem pública e sim de manutenção dos privilégios societários em forma de Estado de direito (ou de retirada legal de direitos). Tenhamos calma e fôlego, este embate só está recomeçando. A equação brasileira é tão simples como cruel. O abuso policial que mata na favela e incide negativamente, ampliando os índices de criminalidade, é o mesmo que reprime politicamente nas ruas, tal como no caso do estudante de ciências sociais Mateus Ferreira (graduando da UFG), covardemente agredido pelo capitão Sampaio da Polícia Militar do estado de Goiás (comandante da 37ª Cia Independente da PMGO).
A tendência é desta regra de comportamento ser ampliada. Quanto mais ilegítimo for um governo, mas vai depender da fábrica de mentiras e consentimento midiático e, ao mesmo tempo, mais vai usar e abusar da repressão policial e agora, da intimidação através do Judiciário e do Ministério Público. A Nova República acabou, mas mesmo no auge do lulismo, o entulho autoritário não foi tocado e estas instituições reforçam os vínculos ideológicos autoritários no seio das classes subalternas brasileiras. O que vem pela frente está sendo escrito agora, ainda com o glossário político das instituições moribundas.
Escutei uma entrevista da ex-presidenta Dilma Rousseff (no dia 04 de maio, ao programa Esfera Pública da Rádio Guaíba) afirmando agora, e somente agora, as demandas que estavam nas ruas em 2013. A ex mandatária afirmou, com todas as letras, que o oligopólio midiático com incidência nacional bloqueia o debate político e apenas um mecanismo de referendos e plebiscitos poderia avançar em medidas de aumento de carga tributária sobre grandes fortunas e dividendos. A ficha caiu, agora, na etapa final da sístole liberal-conservadora (onde o governo MT se segura em um fio de legalidade e no aval da mídia) ou estamos diante de uma manobra tática, de duplo sentido?
Um possível sentido seria o de salvar seu próprio legado como presidenta, onde a mesma, como ex-guerrilheira, portou-se de maneira passiva e nada estratégica. Outro sentido, ainda mais grave, seria o de canalizar a rebeldia de 2017, a luta contra as leis regressivas e apostar no projeto da volta ao Poder Executivo. Este perigo é real e imediato e não há como retroceder um milímetro para conceder um "gesto de boa vontade" ao governo deposto e seus dirigentes.
Concordo na íntegra – em sua dimensão analítica - com o professor Wanderley Guilherme dos Santos (ver aqui), tanto quanto ao labirinto onde as forças golpistas se encontram - momento tipo Collor ou Berlusconi; isolamento da plutocracia, do estamento e dos senhores de engenho; entreguismo amplo e geral; sopro de legalidade e sem um pingo de legitimidade - tudo levando a duas condições.
A primeira, o fato de que Lula, ou é eleito em 2018 ou já é o maior cabo eleitoral do país. Só um desastre não faz de Luiz Inácio o próximo presidente ou o cabo eleitoral do presidente que virá. Ciro Gomes põe as barbas de molho, pondera a verborragia e interage com a inteligência restante do empresariado brasileiro, aguardando seu momento. A segunda condição, indicada por este e por Luis Nassif (ver aqui; assim como pelo modesto analista aqui a escrever) é a certeza de que com pacto nacional-produtivo, manobra de centro-esquerda ou giro ao centro do empresariado restante, a bolha ultraconservadora, o submundo da internet, a vontade própria de setores do MPF-PGR e do Judiciário, a República de Curitiba e o comando da Globo não vão retroceder. Assim, mesmo ganhando na urna, como irá governar o lulismo ou o pós-lulismo?
Neste questionamento, como prever que toda a energia de resistência liberada neste último ano, um esforço contínuo e cumulativo desde 2013 - por esquerda, bem à esquerda - não vai servir de contrapeso para negociar a tal da governabilidade ainda sob o manto do maldito presidencialismo de coalizão?
Outra questão é ainda mais urgente: Lula, o lulismo, o pós-lulismo, vai realmente se comprometer em reverter a perda de direitos caso ganhe a Presidência na urna da democracia indireta oligárquica? A dimensão estratégica é esta, e daí para frente as posições se definem e a esquerda eleitoral aposta em uma candidatura própria, a esquerda não eleitoral fortalece suas bases e enlaces, e a centro-esquerda, lulista ou pós-lulista, se prepara para governar novamente, mas desta vez, sem "acórdão" com a Casa Grande. Não que a oligarquia que um dia foi vermelha não o queira, mas é irreversível, no curto prazo de uma campanha e um mandato, a posição belicosa assumida pela nova-velha direita. Até Gilmar Mendes se apercebeu disso e aponta alguma saída político-oligárquica. Resta combinar com os Jardins paulistanos e o Jardim Botânico dos Marinho. Duvido que aceitem.
Entendo que o pessimismo ou ceticismo analítico do professor Wanderley Guilherme dos Santos é saudável. Isso não interfere nas preferências ideológicas, ou ao menos não deveria preferir. A fórmula que os veteranos da luta latino-americana de corte libertário me ensinaram ainda na juventude é "ceticismo analítico, dúvida teórica e certeza ideológica". Do contrário, caímos em cientificismos e falsas certezas. O cenário é de isolamento do Poder Executivo mesmo, escorando-se no pior do Brasil e nas fábricas de mentiras.
É o fim da Nova República. Concordo. Mas, a partir daí é preciso operar e trabalhar, mergulhar no tecido social desorganizado, batalhando por uma democracia de massas com mecanismos de controle popular. E, ao mesmo tempo, preparar um contra golpe, indo além e apesar das elites políticas de centro-esquerda que são favoritas nas urnas. Não é tarefa fácil, mas realmente não vejo outro caminho.
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O monstro está solto e a saída domesticada também - Instituto Humanitas Unisinos - IHU