29 Mai 2017
“A obsessão pelo poder, que reúne estas quatro biografias [Batista, Meirelles, Temer e Lula] que na última década se entrecruzaram, é parte indivisível da lógica capitalista. Ainda que em muitos casos, assim como quem forjou a frase do título (Abimael Guzmán, Sendero Luminoso), tiveram um discurso oposto”, escreve o jornalista e analista político uruguaio Raúl Zibechi, em artigo publicado por La Jornada, 26-05-2017. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
José Batista Sobrinho começou a trabalhar aos 15 anos. Deixou a escola na quarta série. Quando terminou o serviço militar, dedicou-se a abater bois, vendendo a açougues da cidade de Anápolis, com uns 50.000 habitantes, no estado de Goiás (Brasil). Quando o presidente Juscelino Kubitschek, anos 1950, decidiu construir Brasília, Zé Mineiro (seu apelido) mudou para a futura capital, para instalar um abatedouro onde abatia 25 bois por dia.
Meio século depois, em 2007, JBS (iniciais de José Batista Sobrinho) era um dos maiores frigoríficos do mundo. Tanto que comprou o frigorífico estadunidense Swift por 1,4 bilhão de dólares. Foi possível realizar a gigantesca operação graças ao banco estatal BNDES, que capitalizou a JBS, ao adquirir 14% das ações, para que uma das campeãs nacionais (são palavras de Lula) tivesse acesso ao mercado estadunidense.
Na fusão dos frigoríficos JBS e Bertin, em setembro de 2009, outro passo à frente da empresa, o BNDES investiu 4,7 bilhões de dólares para torná-la possível. O banco estatal chegou a ter uma participação de 22,4% na JBS, em instâncias do governo federal.
Todos os filhos de Zé Mineiro abandonaram seus estudos para dedicar tempo integral ao negócio familiar. Nosso conhecimento não é acadêmico, aprendemos com a vida, disse Wesley à revista Forbes. Junto aos outros dois irmãos, José e Joesley, aquele abatedouro familiar se tornou uma enorme multinacional: está presente em 110 países, tem 200.000 empregados, 150 instalações e fatura mais de 50 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, o maior mercado de carne bovina do mundo, a JBS era responsável, em 2011, por 22% da oferta.
Joesley figura entre as 70 pessoas mais ricas do mundo, segundo a Forbes. Sob os dois governos de Lula (2003-2010), o Grupo J&F, que controla a JBS, cresceu de modo exponencial, multiplicando por mais de dez o seu faturamento. O grupo foi um dos principais beneficiários da política de Lula em selecionar grandes empresas para introduzir dinheiro público e torná-las grandes multinacionais.
Era uma das peças chaves do projeto Brasil Potência do Partido dos Trabalhadores. As outras são mais conhecidas: Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS e um punhado mais.
Henrique Meirelles, nomeado presidente do Banco Central por Lula, manteve-se oito anos à frente da instituição. Quando Lula deixou a presidência, Meirelles foi nomeado presidente do conselho de administração da J&F, lugar que ocupou até 2016, com o objetivo de criar estruturas de governança na companhia para prepará-la para a bolsa. Quando Dilma Rousseff foi destituída, no dia 31 de agosto de 2016, Meirelles passou a ocupar o cargo de ministro da Fazenda do governo de Michel Temer.
Joesley Batista decidiu gravar e denunciar Temer como parte de sua estratégia de negócios. Segundo análise do jornal econômico Valor, decidiu rifar o Brasil para mudar seus negócios para os Estados Unidos, onde a empresa já possui 80% de suas operações: 56 fábricas processadoras de carne e metade de seu operativo mundial já estão nesse país.
Para garantir a execução de seu plano, a empresa e seus controladores precisavam chegar a um acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o poderoso DoJ. Em dezembro, a empresa realizou uma IPO (oferta pública inicial) na Bolsa de Nova York como parte de um amplo processo de reorganização que levará o grupo a deixar de ser brasileiro, afirma o jornal brasileiro Valor.
O artigo finaliza com uma frase que resume a lógica empresarial: Os Batista atuaram rápido, escolhendo o caminho oposto ao da família Odebrecht, que viu seus negócios se afundar, enquanto rejeitava colaborar com as investigações. Falta acrescentar que horas antes da divulgação da gravação, que afundou Temer, os Batista compraram milhões de dólares, prevendo que a moeda sofreria uma forte desvalorização. Ganharam duas vezes.
Até aqui a história contada telegraficamente. Uma história que liga quatro personagens que lutaram, de forma árdua e exitosa, pelo poder.
A família Batista fez o que sabem fazer os empresários capitalistas, as aves de rapina como os definia Fernand Braudel. A JBS cresceu sob a asa do desenvolvimentismo brasileiro e se beneficiou como poucas da política das campeãs nacionais de Lula. Milhares de milhões de dólares do Estado para torná-la no que hoje são: aves de rapina sem limites, capazes de morder a mão (estatal) que lhes deu de comer.
Meirelles é um executivo de carreira do setor financeiro global, trabalhou 28 anos no Banco de Boston, dos quais 12 anos se desempenhou como presidente do banco no Brasil e, depois, ficou três anos como presidente do Banco de Boston mundial. Nos Estados Unidos, era considerado muito próximo ao presidente Bill Clinton. Daí, passou ao governo de Lula, que lhe tinha grande estima.
Temer é o típico político brasileiro, medíocre e ambicioso. Fez carreira no centrista PMDB e foi ascendendo até que Lula e Dilma o escolhesse como candidato à vice-presidência em duas ocasiões, nas eleições de 2010 e nas de 2014. Esperou seu momento para dar o salto e, quando conseguiu, caiu no vazio. Em alguns poucos anos, assim será lembrado.
O quarto é Lula. Tendo em conta a crise em curso, acelera o passo para retornar à presidência. Pode conquistá-la. Se conseguir, governará um país destroçado, não terá a maioria parlamentar que conseguiu tecer em 2003, deverá lidar com uma sociedade dividida e confrontada, e enfrentará um cenário global desfavorável. Qualquer pessoa sensata lhe aconselharia a desistir, já que as possibilidades de êxito são mínimas.
A obsessão pelo poder, que reúne estas quatro biografias que na última década se entrecruzaram, é parte indivisível da lógica capitalista. Ainda que em muitos casos, assim como quem forjou a frase do título (Abimael Guzmán, Sendero Luminoso), tiveram um discurso oposto.
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Exceto o poder, tudo é ilusão. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU