23 Mai 2017
“O caminho mais legítimo viria através de uma emenda constitucional antecipando eleições gerais e, simultaneamente, convocando uma reforma política – uma mini constituinte exclusiva - com elementos de democracia participativa”, defende Bruno Lima Rocha, cientista político e professor de relações internacionais da Unisinos.
Segundo ele, “a apreciação do mecanismo democrático para o brasileiro é cada vez menor pois o voto não representa a vontade do eleitor e sim a do eleito e de seus financiadores nacionais e estrangeiros. Logo, no descontrole da representação, a democracia representativa fica esvaziada, abrindo margens bastante perigosas para arrivistas e aventureiros. Ou seja, para garantir os elementos mínimos de legitimidade, o mecanismo de consulta tem de fidelizar o voto com o compromisso e a vontade da maioria. Do contrário, a crise só aprofunda”
Os acontecimentos da política nacional brasileira e sua interseção jurídica, policial e midiática vêm sendo vertiginosos. Desde a 4ª, 17 de maio, quando o colunista de O Globo deu “o vazamento de todos os vazamentos”, pois realizou um “furo” na base do fontismo e da exclusividade, as ações e reações, posicionamentos e recuperações de posições por parte do ainda presidente Michel Temer, mal nos permitem o tempo hábil de processar o que ocorre e transformar em análise. No texto que segue, avaliamos temas de interesse e ao final, apontamos uma via normativa – de tipo dever ser – onde afirmamos uma posição pela radicalidade democrática. Vamos ao debate, temos muito o que fazer.
No sábado, dia 20 de maio, foi realizado o segundo pronunciamento do ainda presidente Michel Temer (MT). O que se pode compreender é uma linha de ofensiva jurídica, atacando a suposta edição do áudio, e para tal se referencia pela já conhecida reportagem da Folha de São Paulo. O professor de direito constitucional - pasmem, é verdade! - MT tenta desqualificar a Procuradoria Geral da República (PGR, leia-se, o próprio Rodrigo Janot) e o Supremo Tribunal Federal (STF, leia-se, Luiz Edson Fachin) e afirma que foi aberto procedimento de investigação contra o presidente sem o devido procedimento. Se o áudio foi tomado como prova - e suponho que a peça tenha sido periciada (não é possível supor que tenham enviado o áudio formalizando como prova sem a devida verificação) - logo, o debate é sobre a interpretação da conversa.
A defesa de Temer, pedirá que as investigações sejam suspensas até que o áudio seja novamente periciado.
Na guerra de versões, a minutagem da rádio CBN (sintonizada no carro de Joesley Batista quando da conversa) diz que o áudio está correto. Já a perícia contratada pela Folha afirma – como parecer inicial - que houve alteração no áudio, mas os trechos fundamentais não.
Deve haver algum procedimento ou manobra legal para contestar a ação aberta por Fachin contra o presidente, passando pelo argumento apropriado, duvidando da prova.
Se a prova for anulada, não tem caso. Manobra perfeita. Mas, pelo que se percebe, nem Temer vai de fato recuar, nem a PGR e o STF recuam de primeira. Mesmo que o áudio tenha sido editado, se as conversas não foram adulteradas, os fatos narrados seguem valendo.
Se há alguma boa notícia neste momento é que a crise política do golpe dentro do golpe, barra, ao menos momentaneamente, tanto a base aliada como o rolo compressor do Planalto para aprovar as leis regressivas e anti-populares. Temer no Planalto é a garantia de que o sistema político brasileiro, o presidencialismo de coalizão e o jogo do capitalismo familiar brasileiro continua. A versão brasileira da Operação Mãos Limpas, ataca agora a todo o sistema político, criminaliza o modelo de acumulação e crescimento interno e visa desmontar as prerrogativas políticas dos oligarcas. No mapeamento destes partidos de interesse, as grandes facções da elite brasileira ou dos investidores transnacionais que internalizam seus interesses, valer ler este texto de Carta Capital que traz o mapa possível e identificável do momento.
Seria tudo ótimo – o ataque ao fisiologismo patrimonial e os oligarcas de sempre - se não fosse protagonizado por um mecanismo acusatório inspirado na Operação Mãos Limpas e retroalimentado por acordos de Cooperação Jurídica com vários países, protagonizado pela Superpotência. Por mais sentido de crença e ideologização dos cruzados da Lava-Jato, a política é um jogo duro e protagonismo é quase tudo. Quem acerta – ou deveria acertar - o rumo da política é o povo e não magistrados e procuradores.
Enquanto a mediocridade chafurda no Planalto, o Brasil afunda, e nossa dimensão colonizada e viralatista (o Bananão) megulha em transe completo; o Império segue rindo à toa. Nas ruas dos EUA, uma ex-musa da TV e Joesley Batista - o verdadeiro Joesley Safadão junto a Ricardo Saud, seu braço direito - fecha primeiro o acordo de leniência com o Departamento de Justiça, salva seus ativos no exterior, garante os depósitos e arrisca tudo no Brasil. O Bismarckismo Tropical também acabou.
Observei a alusão a dois cenários na Globonews, programa Painel (exibido no sábado 20 de maio e domingo 21). Um destes é o das Indiretas 2017 e o consenso dos caciques em torno de um ex-politico e ex-membro do STF. Ou seja, cogitam o nome de Nelson Jobim. Outro é uma ruptura dentro do STF, sem explicar como seria, ou uma contestação do Supremo pelas elites políticas. Este segundo cenário eu havia previsto na 6ª, 19 de maio de 2017, e é justamente onde o caldo entorna. Imaginemos uma queda de braço entre o Congresso e o STF na indicação do presidente indireto ou contestando uma emenda constitucional que aprovasse a Diretas Já 2017, tal como foi a do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) junto ao Supremo no final de 2016?! Aí sim, seria a autêntica paralisia decisória e pode abrir margem para uma saída de tipo autoritário – transitório, mas duro e com base no Poder Judiciário.
No mesmo programa Globonews Painel, estão dando a dica. Quanto mais tempo Temer ficar no cargo, maiores são as chances de perda de controle do Poder Executivo.
A permanência de MT na Presidência é a garantia de ilegitimidade da República, e por consequência, a capacidade de colocar o tema das Diretas Já nas ruas, ou melhor, de avançar para mecanismos de reforma política com democracia participativa.
Nos demais aspectos, os quatro liberais do Painel do Neoliberalismo Neoinstitucional insistem em Indiretas, ponderação, acórdão dos líderes políticos e bom senso do STF.O de sempre, de vomitar.
A Michel Temer só resta tentar resistir, se agrupar com a mídia Paulista, amarrar a base parlamentar possível e jogar pesado para derrubar Rodrigo Janot. E se Janot não ceder? Estamos agora em 1977, Sylvio Frota briga publicamente contra Geisel e Golbery. A Globo sopra junto do lado mais forte, o da PGR. Por enquanto Janot ganha a queda de braço, mas ainda não acabou o episódio MT. E menos ainda terminou o terceiro turno de 2014.
As investigações reveladas pelo colunista de O Globo, Lauro Jardim, literalmente colocam o governo Temer no parapeito. As provas seriam irrefutáveis e confirmadas pela PF e a PGR. O presidente estaria envolto em operações ilegais de “compra de silêncio” do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba. A partir desta revelação – ainda incompleta – a base aliada no Congresso começa a ruir.
Estamos diante do imponderável e as saídas são conflitantes. Temer pode renunciar, assume Rodrigo Maia (presidente da Câmara) e em 30 dias teremos eleições indiretas. Embora constitucional, este governo tampão não teria a menor legitimidade, algo já escasso no atual. Caso o presidente não renuncie, então estará deflagrada uma ampla desobediência civil, com a quebra de compromisso do Congresso em votar o ajuste através das leis regressivas. Um governo ilegítimo e atado a um fiapo de legalidade, não pode seguir tendo como alvo de investigações o mandatário do país; quiçá seguir votando na base do rolo compressor um pacote de medidas impopulares.
Outras possibilidades seriam o impeachment de Temer – um processo demorado – ou a cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE. Neste caso, se condenado e não vindo a recorrer, poderia ser a saída menos traumática para o presidente. Mas a crise institucional continua.
O caminho mais legítimo viria através de uma emenda constitucional antecipando eleições gerais e, simultaneamente, convocando uma reforma política – uma mini constituinte exclusiva - com elementos de democracia participativa. A apreciação do mecanismo democrático para o brasileiro é cada vez menor pois o voto não representa a vontade do eleitor e sim a do eleito e de seus financiadores nacionais e estrangeiros. Logo, no descontrole da representação, a democracia representativa fica esvaziada, abrindo margens bastante perigosas para arrivistas e aventureiros. Ou seja, para garantir os elementos mínimos de legitimidade, o mecanismo de consulta tem de fidelizar o voto com o compromisso e a vontade da maioria. Do contrário, a crise só aprofunda.
Espero que a crise de legitimidade se transforme em retomada da soberania popular através de mecanismos participativos com garantia e ampliação dos direitos sociais.
As formas de consulta direta ou semi-direta caminham junto da defesa incondicional dos direitos coletivos e da urgente interrupção das leis regressivas no mundo do trabalho e na Previdência, além de derrubar a PEC 55, a do fim do mundo. Está tudo em aberto e o racha das elites mais à direita podem abrir a chance de virada no curto prazo. A hora é agora.
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Análise de conjuntura da crise política após os dois pronunciamentos de Michel Temer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU