12 Mai 2017
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre as leituras deste 5º Domingo da Páscoa.
No tempo da Páscoa, como as outras leituras escolhidas pelo lecionário romano não são paralelas ao Evangelho, comenta-se apenas o trecho evangélico (Jo 14, 1-12).
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na última refeição consumida com os seus discípulos antes da captura que o entregaria à morte, Jesus entregou as suas palavras como um testamento, como manifestação das suas últimas vontades. O quarto Evangelho nos dá o testemunho de como as palavras de Jesus foram meditadas e aprofundadas, em um crescimento de sobreconhecimento (epígnosis) do mistério do seu êxodo deste mundo ao Pai.
Eis, portanto, na cena em que Jesus deixa aos seus “o mandamento novo”, último e definitivo (cf. Jo 13, 34; 15, 12), as perguntas de três dos seus discípulos e as respostas de Jesus. No trecho litúrgico de hoje, colocamo-nos à escuta de algumas palavras de Jesus e das objeções dirigidas a Ele por Tomé e Felipe.
Uma vez que Jesus anunciou a traição de um dos Doze (cf. Jo 13, 21-30) e a sua partida já próxima (cf. Jo 13, 33), os discípulos são invadidos pelo medo. Jesus não estará mais no meio deles e com eles: estão, portanto, na incerteza e na aporia, sabendo que um deles é um traidor e que Pedro, “a rocha” (Jo 1, 42), enfraquecerá na sua solidez (Jo 13, 38). É realmente noite, não só exteriormente: é noite nos seus corações, é a hora da prova da fé, é a crise da comunidade, imersa naquela solidão angustiada e trágica em que parece impossível alimentar confiança.
Jesus, então, faz um convite de autoridade: “Tendes fé em Deus, tende fé em mim também” (trad. Bíblia da CNBB). Para aqueles homens, ter fé em Deus era uma operação em que eles estavam exercitados: eram crentes, filhos de Abraão, à espera do seu “Dia”. Portanto, essas palavras de Jesus soam para eles como um convite para confirmar o seu apego, a sua adesão ao Deus vivo, sabendo que só assim não seriam abalados na prova (cf. Is 7, 9).
Mas Jesus pede a mesma fé também nele, na sua pessoa. Só na fé pode-se acolher esse pedido “excedente”, sem se escandalizar: diante dos discípulos está Jesus, totalmente homem ou, melhor, carne frágil (sárx: Jo 1, 14), e pede para pôr nele a mesma fé que se põe em Deus! Eis a novidade da fé cristã em relação à fé dos crentes no Deus da aliança e das bênçãos: crer em Jesus de Nazaré como se crê em Deus. Mas essa é a fé da Igreja do quarto Evangelho, é a nossa fé.
Aqui, Jesus revela que, na casa de seu Pai – imagem aplicada por ele mesmo ao templo, que, porém, deixava de sê-lo após a sua vinda e a sua purificação (cf. Jo 2, 13-17) –, há muitas moradas, há lugar para muitos. A paternidade de Deus não é só paternidade em relação ao Filho, Jesus, mas também em relação aos seus discípulos; portanto, a casa de Deus pode acolhê-los, pode ser a sua casa, assim como é para Jesus: acolhida que não requer méritos, mas acolhida gratuita, paterna, que acolhe todos os filhos com o mesmo amor. Jesus vai embora, deixa visivelmente os seus discípulos, mas, “tendo passado deste mundo ao Pai” (Jo 13, 1), prepara os lugares junto dele, abrindo a via de acesso à intimidade filial com Deus.
Essas palavras devem ressoar como uma promessa para os discípulos que ficam no mundo. Basta que creiam em Jesus e verão a sua espera e a sua esperança fundamentadas, porque Jesus virá de novo, para levá-lo consigo, de modo que, onde ele estiver, também estejam os seus. Aquele que era chamado de ‘Immanuel, Deus-conosco (Is 7, 14; Mt 1, 23), no quarto Evangelho, é aquele que vem nos levar consigo, para viver uma intimidade, uma amizade, uma inabitação recíproca sem fim. Essa coabitação de Jesus e dos discípulos, justamente através da exaltação, da glorificação de Jesus na sua Páscoa, no seu êxodo, será mais intensa do que aquela vivida até então.
Assim, Jesus pede para não se deixar tomar pelo medo, mas para entrar em uma nova modalidade de comunhão com ele. Será uma coabitação à qual se acessa através de um caminho que os discípulos conhecem: o caminho percorrido por Jesus, a do amor vivido até o fim, até o extremo. Justamente o êxodo de Jesus deste mundo tinha sido descrito como amor até ao fim (cf. Jo 13, 1): viver concretamente o amor, gastando a vida e depondo-a pelos outros, é o caminho traçado por Jesus para ir ao Pai.
Mas eis que Tomé, o discípulo “gêmeo” (Dídymos: 11, 16; 20, 24; 21, 2) de cada um de nós, dirige uma objeção a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”. Justamente ele, que, com entusiasmo, tinha se declarado disposto a morrer com Jesus (cf. Jo 11, 16), mostra, na realidade, que não sabe o que tinha dito. Para Tomé, assim como para nós, certamente não é fácil compreender que a própria morte, se for um ato de amor, ação de não conservar egoisticamente a vida, mas de dá-la por amor aos outros, é a estrada, o caminho para viver com Jesus em Deus. Jesus, então, não responde diretamente à sua pergunta (“Aonde vais?”), mas diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim”.
Palavras muito densas e não ouvidas na boca de um homem! Jesus recorre à metáfora do caminho para dizer: “Eu mesmo sou o caminho a percorrer para ir para o Pai; eu mesmo sou a verdade como conhecimento do Pai; eu mesmo sou a vida eterna, a vida para sempre como dom do Pai”. E não nos escapam as palavras: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”. Depois da revelação de Jesus, que nos contou (exeghésato: Jo 1, 18) o Deus invisível, que ninguém jamais viu nem pode ver, não se pode crer, aderir a Deus, senão através dele, “imagem” única e verdadeira “do Deus invisível” (Cl 1, 15).
E aqui surge uma pergunta: nós, cristãos, levamos a sério essas palavras? Ou as repetimos sem a consciência necessária? Já não se pode ter um conhecimento de Deus se não se conhece Jesus Cristo, não se pode crer no Deus vivo sem crer em Jesus Cristo, não se pode ter comunhão com Deus se não se tem comunhão com Jesus Cristo. Às vezes, eu me pergunto se nós, cristãos, herdeiros do mundo grego, não acabamos professando um teísmo com um verniz cristão. Devemos ter a coragem de dizer que, para nós, cristãos, Deus é uma palavra insuficiente.
Justino, um Padre da Igreja do século II, já escrevia significativamente: “A palavra ‘Deus’ não é um nome, mas uma aproximação natural ao homem para descrever o que não é exprimível” (II Apologia 6, 3). Pois bem, o decisivo para a fé cristã não está em Deus como premissa, mas se revela como meta de um percurso realizado atrás de Jesus Cristo e com ele, não por acaso definido pelo autor da Carta aos Hebreus como “o iniciador da nossa fé” (Hb 12, 2). Portanto, não se pode ir a Deus e, depois, conhecer Jesus Cristo, mas o caminho é exatamente o inverso: vai-se para o Pai através de Jesus, que lhe dá um rosto, que no-lo explica e no-lo revela.
Compreendemos, então, as palavras seguintes: “Se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora o conheceis e o vistes”. O que é a vida eterna? É o conhecimento do Pai, único e verdadeiro Deus, e daquele que ele enviou, Jesus Cristo (cf. Jo 17, 3), um conhecimento progressivo, amoroso, penetrante, não um conhecimento intelectual. Ele ocorre através da relação, da escuta, da intimidade, da coabitação, do amor vivido. Conhecer Jesus significa entrar na sua comunhão através do amor vivido, do amor do “mandamento novo”: assim como Jesus nos amou, assim também nós devemos nos amar uns aos outros.
Mas eis a segunda objeção, a de Felipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!”. Felipe, que, convidado a seguir Jesus, tinha feito isso confessando-o como aquele que tinha sido preanunciado por Moisés e pelos profetas (cf. Jo 1, 43-45), também não compreendeu a verdadeira identidade de Jesus. Ele vê em Jesus “o enviado de Deus”, “Aquele que vem no Nome do Senhor”, mas ainda não sabe que Jesus é o relato, a narrativa do Pai.
Felipe é um homem de grande fé: como Moisés, ele pede para ver o rosto de Deus (cf. Ex 33, 18) e acrescenta que isso seria o suficiente para ele. Ele não busca nada mais senão ver aquele rosto que todos os crentes da antiga aliança tinham desejado entrever ou ver. Ver o rosto de Deus é o anseio do salmista (“Quando contemplarei o rosto de Deus?”, Sl 42, 3), é o desejo de todo buscador de Deus e de todos os crentes...
Felipe confessa esse desejo, mas Jesus lhe responde: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces, Felipe? Quem me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai’? Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim?”. Eis o ápice da revelação, que, na verdade, é o cumprimento da promessa feita por Jesus a Natanael, apresentado a Jesus justamente por Felipe: “Vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1, 51). Eis a revelação última: quem vê Jesus, o homem Jesus, na realidade, vê o Pai, porque Jesus é a imagem, o rosto visível de Deus, a própria glória de Deus. O homem Jesus é o Filho de Deus; o homem Jesus glorificado na ressurreição é Deus mesmo, como confessa Tomé: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28).
Encontra-se Deus no Jesus homem: na sua humanidade, pode-se ver Deus, olhando o agir de Jesus e escutando as suas palavras, pode-se encontrar a Deus. Essa é a especificidade, a singularidade da fé cristã: escândalo para todo caminho religioso, loucura para toda sabedoria humana (cf. 1Co 1, 22-23)!
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"Quem me viu, viu o Pai" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU