24 Abril 2017
"Como diversos estudos têm documentado [7], desde o desastre da economia dos EUA em 2008, tem havido um declínio na migração irregular. A razão disto reside no fato de que, com a crise econômica, os postos de trabalho que eram ocupados por dezenas de milhares de migrantes desapareceram, e dada a lenta recuperação econômica dos últimos anos, a geração de empregos não tem aumentado - na construção civil, na indústria manufatureira e em outros nichos laborais - onde os migrantes poderiam ser inseridos", escreve Guillermo Castillo Ramírez, professor da UNAM, em artigo publicado por Alai, 20-04-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Eis o artigo.
Grande parte do discurso das políticas migratórias é maniqueísta e perversa. Baseiam-se em estereótipos discriminatórios e tendenciosos, onde o migrante é visto como um transgressor da lei, enquanto é deliberadamente omitido que ele seja um trabalhador explorado, sem benefícios, segurança social e sem direitos, e que, acima de tudo, ele aumenta a riqueza dos empregadores e das empresas...
Juntamente às deportações e o aumento da criminalização do migrante, um dos eixos mais visíveis e polêmicos da política de imigração do atual governo dos EUA tem sido a iniciativa da construção do muro. Entre as razões da administração gringa para a construção do muro estão os esforços para deter a migração mexicana, controlar as atividades do narco-crime organizado e conter as ameaças à segurança nacional. No entanto, estas iniciativas, longe de serem baseadas em uma leitura histórico-estrutural e sócio-política desses processos fronteiriços, fundamentam-se em preconceitos xenófobos. Os muros, que já existem em alguns cruzamentos da fronteira - por exemplo, em Tijuana/San Isidro e Ciudad Juárez/El Paso -, não conseguiram conter a migração, que durante a virada do século cresceu devido às reformas neoliberais e à demanda de mão-de-obra nos Estados Unidos (EUA), o que só serviu para aumentar exponencialmente o número de mortes de migrantes. Tampouco reduziram a passagem de drogas e a atividade de grupos do crime organizado que se beneficiaram do uso de túneis, caminhões com compartimentos secretos e outras estratégias para despistar as autoridades. Por fim, não é pela fronteira sul o lugar em que as principais ameaças à segurança nacional - os grupos terroristas - tem ingressado nos EUA nas últimas décadas.
Por outro lado, as deportações baseadas em uma "criminalização" discriminatória e excessiva dos migrantes tornou-se um dispositivo violento do qual pessoas que cometeram infrações administrativas ou cruzaram um semáforo fechado são classificadas da mesma forma que aquelas que cometeram crimes graves - tais como sequestro, posse ilegal de armas ou assassinato. Na verdade, dos migrantes deportados, estima-se que pouco mais de 5,3% cometeram crimes graves. A grande maioria são apenas imigrantes trabalhadores estigmatizados como criminosos. Esta política migratória fundamenta-se em pressupostos falsos, que se opõem aos dados e aos diversos estudos. Seu eixo é a construção fictícia do estereótipo dos mexicanos como "homens maus transgressores da lei", a partir de uma postura xenófoba e racista. O panorama que está emergindo é uma violação maciça e estrutural dos direitos humanos dos migrantes mexicanos.
Longe dessas distorções, os migrantes são trabalhadores explorados e marginalizados, com os salários mais baixos dos EUA. A forma de combater esses preconceitos é tornando três processos visíveis: as contribuições econômicas dos migrantes para a sociedade estadunidense, a diminuição da migração não documentada a partir da crise de 2008 até hoje [1] e a forma em que as políticas de fechamento e militarização das fronteiras não servem para impedir a migração, mas que apenas aumentam significativamente a morte dos mexicanos [2]. Este texto se concentra apenas no primeiro desses processos, que está relacionado com o derramamento de dinheiro e riqueza que a migração deixa no país.
A migração tem causas estruturais, tanto no México, com os contextos adversos que obrigam as pessoas a sair em busca de melhores empregos, quanto nos EUA, que tem uma demanda internacional de trabalhadores e atrai os migrantes. Uma ideia muito difundida é que as maiores contribuições dos imigrantes chegam ao México através de remessas. No entanto, como demonstrado pelo grupo de Economia Política na Universidade de Zacatecas [3], os grandes benefícios econômicos e lucros ficam nos EUA, majoritariamente. De acordo com este grupo de investigação, os migrantes mexicanos, que cresceram de 8,8 milhões, em 2000, para 11,7 milhões, em 2007, contribuem com a sua juventude e "rejuvenescem" a sociedade norte-americana. Por exemplo, entre 2000 e 2008, cerca de 70% dos migrantes mexicanos tinham entre 15 e 24 anos [4].
Além disso, esses migrantes contribuíram significativamente para o crescimento da força de trabalho dos Estados Unidos. Os mexicanos foram e são os trabalhadores mais baratos e precarizados. Entre 1994 e 2008, os mexicanos ocuparam 3,8 milhões de postos de trabalho, o que representa 16% do mercado de trabalho e 1 em cada 6 empregos gerados. Além do mais, os mexicanos contribuíram com um pouco mais de 10% do crescimento do Produto Interno Bruto dos EUA entre 2000 e 2007 [5]. Isto sem contar que, por serem trabalhadores explorados e precarizados, os migrantes barateiam os custos de produção devido aos baixos salários, a falta de benefícios e a flexibilidade de trabalho [6]. A isto haveria de somar que os Estados Unidos não despenderam dinheiro algum para formar e treinar os trabalhadores migrantes. Finalmente, o consumo de mais de 10 milhões de mexicanos nos EUA gera um grande impacto econômico em suas indústrias, empresas e em sua economia.
Além disso, os migrantes vivem em condições de marginalização e exclusão social, especialmente aqueles "em situação irregular". Por um lado, os mexicanos têm difícil acesso aos serviços sociais devido a sua situação migratória, especialmente os mexicanos sem documentos. Mesmo assim eles vivem em condições de precariedade material para poder enviar dinheiro ao México, e por conta disso, possuem os mais altos níveis de pobreza e de baixa renda dos Estados Unidos. A isto seria preciso acrescentar que eles são os trabalhadores mais propensos a terem seus direitos violados, e o grupo que têm menor mobilidade socioeconômica no país.
Como diversos estudos têm documentado [7], desde o desastre da economia dos EUA em 2008, tem havido um declínio na migração irregular. A razão disto reside no fato de que, com a crise econômica, os postos de trabalho que eram ocupados por dezenas de milhares de migrantes desapareceram, e dada a lenta recuperação econômica dos últimos anos, a geração de empregos não tem aumentado - na construção civil, na indústria manufatureira e em outros nichos laborais - onde os migrantes poderiam ser inseridos.
Em contrapartida, houve um claro aumento no número de deportações nos últimos governos dos Estados Unidos. Estima-se que apenas na administração de Obama cerca de 2,5 milhões de mexicanos tenham sido deportados. Os migrantes que não têm documentos de imigração tentam ficar mais tempo nos EUA e acabam experimentando cada vez mais violações gravíssimas e visíveis de seus direitos humanos e trabalhistas, assim como sofrem com os processos de separação familiar mais prolongados e intensos. De fato, as deportações implicam em claras rupturas familiares e sócio-comunitárias. Alguns estudos estimam que em setembro de 2015 cerca de 4% dos migrantes deportados tinha um filho nos Estados Unidos com cidadania norte-americana.
Os antecedentes da "proposta do muro no outro lado da fronteira" têm sua origem nas medidas de controle de determinados pontos da fronteira na década de 1990, com a ideia de "fechar as válvulas e locais de passagem". Estes foram os casos das operações Blockade (El Paso, 1993) e Gatekeeper (San Diego, 1994), com a construção de barreiras, o aumento de tropas na patrulha fronteiriça e o aumento significativo nos gastos com segurança na região. No entanto, os efeitos dessa política migratória foram escassos e erráticos, pois de fato, entre 1994 e 2007, houve um claro aumento na migração, devido tanto à crise e o fechamento de postos de trabalho no México, quanto à demanda por mão-de-obra nos Estados Unidos. A única coisa que essas políticas conseguiram foi a invisibilidade social dos migrantes, o surgimento de rotas muito mais perigosas - como o deserto de Altar -, a diminuição da probabilidade de detenção dos migrantes - o que significa mais dinheiro e menos prisões -, a redução dos salários dos trabalhadores migrantes nos EUA e, acima de tudo e mais dramático, o aumento exponencial de imigrantes mortos na fronteira. Apenas como consequência da operação Gatekeeper entre Tijuana e San Diego registrou-se aproximadamente 5.600 mortes de migrantes entre 1994 e 2009. Desde os anos 1990, houve uma forte defasagem entre a política de integração econômica relacionada ao NAFTA - que permitia o livre fluxo de certas mercadorias - e a política migratória - que restringia a passagem de pessoas.
Há três grandes situações que podem ser vislumbradas a partir do cenário atual:
(1) A manutenção de uma política xenofóbica e racista em direção a migração internacional em geral e para com os mexicanos.
(2) Isto supõe uma violação maciça e estrutural dos direitos humanos dos migrantes, seja por eles serem mexicanos criminalizados injustamente, seja por eles serem trabalhadores explorados e vulneráveis.
(3) O que está sendo realizado é o aprimoramento e a intensificação da "máquina de deportação" - criada por Bush e Obama -, e que atualmente funciona em um eixo de ações: a construção do muro - aguardando agora por recursos -, as deportações massivas e injustificadas, e a criminalização e exclusão social dos imigrantes conterrâneos [8].
Referências bibliográficas
[1] 20 Temas actuales y relevantes sobre la migración en México, COLEF, México.
[2] Para uma argumentação mais detalhada veja a conferência:El muro, la frontera y la migración. Consultar aqui:
[3] Espejismos del Río de Oro. Dialéctica de la migración y el desarrollo en México, Miguel Ángel Porrúa, Red Internacional de Migración y Desarrollo, Universidad Autónoma de Zacatecas, México.
[4] Idid.
[5] Idid.
[6] Idid.
[7] 20 Temas actuales y relevantes sobre la migración en México, COLEF, México. Para uma argumentação mais detalhada sobre como diminui a migração e quais foram as causas, consultar aqui.
[8] Para uma argumentação mais detalhada veja a conferência: El muro, la frontera y la migración. Consultar aqui.
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O racismo como política de imigração do governo dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU