31 Março 2017
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre as leituras deste 5º Domingo da Quaresma. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Neste domingo, as três leituras estão todas focadas na ressurreição, embora não tenham sido escolhidas como paralelas: elas nos preparam para o próximo Domingo da Paixão e para a Semana Santa, que terá como resultado a ressurreição de Jesus.
A última etapa da história da salvação antes da vinda do Messias, da plenitude dos tempos, é marcada pelos profetas. O profeta Ezequiel conta o que lhe foi revelado em uma visão devida à iniciativa de Deus. Ele olha para o povo de Deus nesta hora da catástrofe pela queda de Jerusalém nas mãos dos babilônios e constata a morte e a desolação: o vale está cheio de ossos de mortos, que negam toda esperança. Mas Deus lhe faz ver que, sobre esses ossos, sopra o seu Espírito, Espírito Criador, Espírito que dá vida: há uma ressurreição do povo de Deus, uma libertação já próxima.
O Apóstolo revela a realidade de vida nova que é o cristianismo, uma nova criação devida ao Espírito de Deus que também é Espírito de Cristo. Mediante a adesão a Cristo, o cristão se torna um homem novo, é arrancado da mundanidade e, graças à ressurreição de Jesus, participa da sua vida eterna: é a libertação do pecado e da morte que já começou em nós, mas que será plena quando o próprio Espírito Santo que ressuscitou Jesus ressuscitará os nossos pobres corpos mortais.
A Páscoa já está próxima, e a Igreja nos convida a meditar sobre o grande sinal da ressurreição de Lázaro, profecia da ressurreição de Jesus.
“Havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de Marta, sua irmã.” Jesus amava muito esses amigos, que ele frequentava nos períodos de descanso em Jerusalém: na casa de Betânia, ele podia desfrutar da acolhida zelosa de Marta, da escuta atenta de Maria (cf. Lc 10, 38-42) e do afeto fiel de Lázaro.
As irmãs mandam avisá-lo sobre a doença de Lázaro, mas ele está longe. Como Jesus pode permitir que um amigo seu adoeça, sofra e morra? Qual o sentido disso? São perguntas que afloram dentro da rede de amizades de Jesus, mas que ainda hoje ressoam quando, nas nossas relações, aparecem a doença e a morte; é a hora em que a nossa fé e o nosso ser amados por Jesus parecem ser desmentidos pelos sofrimentos da vida...
Jesus, informado sobre tal evento, diz: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”, ou seja, é uma oportunidade para que se manifeste o peso que Deus tem na história e, assim, manifeste-se a glória do Filho, glória do amar “até ao fim” (João 13, 1). A sua fala parece contradizer a evidência: sempre, na doença, a morte assoma no horizonte com a sua sombra ameaçadora, mas Jesus revela que a doença daquele que ele ama não significará vitória da morte sobre ele.
E assim – um detalhe desconcertante à primeira vista – Jesus fica ainda dois dias do outro lado do Jordão. Só no terceiro dia (alusão à sua ressurreição!) ele anuncia a sua vontade de se dirigir à Judeia. Os discípulos não compreendem: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-te, e agora vais outra vez para lá?”. Em resposta, Jesus lhes expõe uma semelhança de significado evidente: ele está intimamente convencido de que deve viver e agir como o Pai lhe pediu e sabe que deve fazer isso no pouco tempo que lhe resta, antes que chegue a hora das trevas, quando não poderá mais agir.
“O nosso amigo Lázaro – continua Jesus – dorme. Mas eu vou acordá-lo.” Diante de mais uma incompreensão da sua comunidade (“pensaram que falasse do sono mesmo”), Jesus declara abertamente: “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele!”.
O único a reagir de modo impulsivo, talvez até mesmo de modo provocador, é Tomé: “Vamos nós também para morrermos com ele”. Para além das suas próprias intenções, ele afirma uma profunda verdade: seguir Jesus significa se encontrar onde ele está (cf. João 12, 26), e, se ele vai rumo à morte – como ficará claro no fim deste capítulo – aos discípulos também caberá a mesma sorte.
Jesus chega com os seus discípulos em Betânia quando Lázaro estava “sepultado havia quatro dias”. Sabendo da sua chegada, Marta vai ao seu encontro e lhe dirige palavras que são, ao mesmo tempo, uma confissão de fé e uma repreensão: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido!”. Depois acrescenta: “Mas, mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus, ele to concederá”.
Marta é uma mulher de fé e confessa que onde Jesus está não pode reinar a morte, que a morte de Lázaro aconteceu porque Jesus estava longe. Ela crê em Jesus e, solicitada por ele, confessa a própria fé na ressurreição final da carne. Mas Jesus a convida a dar mais um passo: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais”. E Marta replica prontamente: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.
Maria, chamada pela irmã, também corre ao encontro de Jesus e, jogando-se aos seus pés, exclama por sua vez: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido!”. Os tons são mais afetivos, Maria expressa com as lágrimas a própria dor. Ela ama Jesus e sabe-se amada por ele, mostra-se pronta para encontrá-lo e se ajoelha diante dele, mas não dá sinais de uma fé que possa vencer o seu sofrimento: está inteiramente definida pela sua dor inconsolável. As suas lágrimas são contagiosas: choram os judeus presentes, e chora o próprio Jesus.
Aqui, somos convidados a nos deter sobre os sentimentos muito humanos vividos por Jesus. Acima de tudo, ele se comove, treme interiormente. Diante da morte de um amigo, de uma pessoa por ele amada, a primeira reação é o frêmito que nasce da constatação da injustiça da morte: como o amor pode morrer? Por que a morte trunca o amor, a relação? Depois, Jesus se perturba: o frêmito de indignação se torna perturbação, experiência de se sentir ferido e de sentir dor e angústia. Jesus sente essa reação emotiva também diante da perspectiva da própria morte iminente (cf. João 12, 27) e quando, na última ceia, anuncia aos seus a traição de Judas (cf. João 13, 21).
Por fim, vendo o túmulo, Jesus explode em pranto, reação que os presentes leem como o sinal decisivo do seu grande amor por Lázaro.
Chegamos, assim, ao verdadeiro ápice do relato: o encontro entre Jesus e Lázaro. Jesus, mais uma vez tremendo no seu espírito, dirige-se ao túmulo e vê a pedra que fecha o sepulcro: aquele que é a vida (cf. João 14, 6) começa um duelo, uma luta contra a morte.
O texto abre uma fresta sobre a relação de profunda intimidade entre Jesus e Deus. “Jesus levantou os olhos para o alto e disse: ‘Pai, eu te dou graças porque me ouviste. Eu sei que sempre me escutas”, assim como Jesus mesmo sempre escuta o Pai (cf. João 5, 30). É a única vez que ele reza antes de fazer um sinal, mas a sua oração é de agradecimento ao Pai, àquele que é o próprio fim da oração: Jesus deseja que os presentes cheguem a crer que ele é o Enviado de Deus, portanto um sinal que remete à realidade última, à fonte de todo bem, o Pai.
A resposta de Deus chega imediatamente, perceptível na palavra eficaz de Jesus, que cumpre o que diz: “Lázaro, vem para fora!”. Jesus tinha anunciado “a hora em que aqueles que estão nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus e sairão” (cf. João 5, 28-29). Eis uma antecipação: Lázaro, morto e sepultado, sai do túmulo ainda envolto nas faixas e, com sua ressurreição, profetiza a ressurreição de Jesus.
Não só isso, mas a ressurreição de Lázaro, “aquele que Jesus ama”, manifesta a razão profunda pela qual o Pai chamará Jesus novamente dentre os mortos para a vida eterna: no duelo entre vida e morte, entre amor e morte, vence a vida, vence o amor vivido por Jesus. Jesus é a vida, é o amor que arranca da morte as suas ovelhas, que não serão perdidas (João 10, 27-28); se Jesus ama e tem como amigo que nele crê, não permitirá que ninguém, nem mesmo a morte, rapte-o da sua mão!
Ocorrido o sinal, a sua leitura e interpretação cabem àqueles que o viram. “Muitos dos judeus creram nele.” A fé certamente não permite escapar da morte física: todos os seres humanos devem passar por ela, mas, na verdade, para aqueles que aderem a Jesus, a morte não é mais a realidade última, definitiva. Quem crê em Jesus e está envolvido na sua amizade vive para sempre e traz consigo a vitória sobre a doença e a morte.
Não só, como se lê ao término do Cântico, “o amor é forte como a morte” (Cântico 8, 6), mas o amor vivido e ensinado por Jesus é mais forte do que a morte, é profecia e antecipação para todos os amigos do Senhor, destinados à ressurreição. Essa é a glória de Jesus, a glória do amor, embora aparentemente ele pareça derrotado: em troca desse gesto, de fato, ele recebe uma sentença de morte das autoridades religiosas, pela boca de Caifás (cf. João 11, 46-53). Dar vida a Lázaro custou a Jesus a própria vida: eis o que acontece na amizade verdadeira, aquela vivida por Jesus, que deu a própria vida pelos amigos (cf. João 15, 13).
O amor, amizade de Jesus, portanto, vence a morte. Se somos capazes de pôr a nossa fé-confiança nele, essa página nos revela que não estamos sozinhos e que, até mesmo na morte, ele estará ao nosso lado para nos abraçar na hora em que cruzaremos aquele limiar escuro e para nos chamar definitivamente à vida com o seu amor.
Eis o dom extremo feito por Jesus àqueles que se deixam envolver pela sua vida: a morte não tem a última palavra, e qualquer um que adere a ele, ama-o e se deixa por ele amar não morrerá eternamente!
Canta Gregório de Nazianzo: “Senhor Jesus, pela tua palavra, três mortos viram a luz: a filha de Jairo, o filho da viúva de Naim e Lázaro, que saiu do sepulcro ao ouvir a tua voz. Faz com que eu seja o quarto!”.
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Um amor mais forte do que a morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU