17 Fevereiro 2017
Mais de 12 milhões de visualizações no Facebook, 129.000 pessoas conectadas ao vivo via streaming, 18.000 usuários no site e 80.000 páginas vistas. Os dados fornecidos no último dia pelos organizadores parecem decretar um sucesso que, se não pode ser considerado como inesperado, afirma com certeza o interesse com que foi acompanhada também a edição 2017 do Fórum Internacional de Bioética, que encerrou no sábado, 4 de fevereiro, em Estrasburgo.
A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada por Settimana News, 07-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um evento anual, que começou em fevereiro de 2011 e já representa uma tradição que foi se consolidando ao longo do tempo, ampliando gradualmente o número de participantes e o raio de iniciativas. Porque bioética já é um tema que “atrai” e em nível transversal, sem distinção de credo religioso ou filiação política, mas também sem diferença entre aqueles que se ocupam de disciplinas humanísticas e aqueles que vivem na pesquisa científica ou trabalham no campo biomédico. Basta “ser pensativo e pensante”, repete Israël Nisand, o médico francês especialista em diagnóstico pré-natal, a alma da iniciativa.
Se, em alguns campos, é difícil traçar uma linha divisória clara – preto e branco – permanece sempre em aberto a possibilidade de reflexão e de diálogo para identificar soluções compartilhadas na ótica do primado da dignidade humana, mesmo no contexto de sensibilidade e competências diferentes.
Com a intenção de dissipar a convicção – às vezes difundida até mesmo em alguns ambientes católicos – que imagina médicos e biólogos trancados nos seus laboratórios preparando um ataque à existência humana em nome de sabe-se lá qual vantagem (ou, talvez, hoje, diríamos um complô), o Fórum de Estrasburgo se torna um instrumento para ampliar a base de discussão e levar, de ano em ano, os temas mais candentes ao alcance de todos.
Sem esquecer que, em âmbito político europeu, a bioética fez a sua entrada ainda em 1980, quando o Conselho da Europa começou a abordar a questão das transfusões de sangue para evitar toda discriminação contra pessoas com Aids, enquanto já é decisivamente consistente a contribuição fornecida sobre essas questões pelo âmbito católico, ou seja, por parte dos bispos credenciados junto à União Europeia reunidos na Comissão dos Episcopados Católicos da União Europeia (Comece) de Bruxelas (documentos de alto rigor científico, com o qual contribuíram estudiosos de disciplinas diversas em nível europeu e que mereceriam mais atenção na Itália, porque toda bibliografia que os ignore mostra, por si só, os seus limites).
A questão do fim da vida ou das modalidades do nascer, a manipulação do cérebro, o tráfico de órgãos são algumas das questões mais prementes abordados até agora, enquanto que, na edição que acaba de se concluir, o objeto era definitivamente preto e branco: “Humano ou pós-humano?”.
Na época que já é chamado de “Antropoceno”, por causa de uma realidade, infelizmente, diante dos olhos de todos, a modificação da atmosfera por parte do homem (mudanças climáticas) e dos ecossistemas do planeta, o que pode ser dito sobre a questão do homem como organismo animal, até agora no ápice da evolução?
“Os homens são aqueles organismos especiais através dos quais a vida toma consciência de si”, dizia o biólogo Menegon ao Muse de Trento, dialogando com o arcebispo emérito L. Bressan. Ora, já é difícil tomar consciência dos danos que estão sendo causados ao ambiente e aos nossos semelhantes pelos nossos estilos de vida ocidentais e predadores, mas o que se sabe sobre as tentativas de “superar” os limites humanos? Até onde é permitido ao uso da técnica e quando, ao contrário, seria desejável para parar? E, mais uma vez, a pergunta recorrente: quem deve decidir?
Uma semana de encontros coordenados pela jornalista Nadia Aubin, cofundadora do Fórum, que contou com intervenções, mesas redondas, debates, iniciativas específicas para crianças e jovens com a participação de médicos, biólogos, biotecnólogos, psicólogos, cientistas da computação, advogados, filósofos, teólogos.
Um debate que também viu momentos de grande intensidade emotiva como no debate “Viver e não morrer nunca?”, com uma análise sobre o conceito de “imortalidade”. Desmontada peça por peça a hipótese – é a própria física que nos lembra disso, se é que seja necessário – trata-se de estabelecer se o sonho de um prolongamento, também significativo, da vida humana pode se revelar como uma meta ou, ao contrário, um pesadelo. Diante de slogans propostos pela mídia, como “matar a morte”, foram duas as intervenções que reuniram os maiores consensos: a do neurologista Aurélien Benoilid (“Nunca poderemos ser imortais, é uma falsa crença, e o funcionamento dos neurônios demonstra isso”) e a do reitor da Universidade de Estraburgo, o padre e teólogo Michel Deneken. “Talvez eu deveria me considerar tão importante e indispensável a ponto de impor a minha presença pelos séculos por vir? Mas que orgulho!”, comentava.
A questão não é insignificante: é melhor ser humanos ou um pouco mais do que humanos? E antes de responder: em que termos se configura o fato de ser “mais humanos”? Em que dimensão se situa o eventual acréscimo? Na ordem da qualidade ou da quantidade? E ainda: o “trans-humano” é um bem em si mesmo?
Em Estrasburgo, contra todas as expectativas da maioria, os cientistas foram os que frearam, e, às vezes, os filósofos foram os que aceleraram, pelo menos alguns. De fato, há quem entreveja, como Gilbert Hottois, uma espécie de “humanismo revolucionário”, muito além de uma “visão utópica de curto prazo”, um humanismo que visa a nos projetar “longe no futuro”, quase para “superar a obsolescência corrente da imagem humana”. Enquanto, no fronte oposto, Jean-Noël Missa não teve nenhum escrúpulo para falar de autêntico “temor” em relação ao que poderia acontecer em um futuro não muito distante.
Os únicos (e é muito significativo) que abordaram a questão a partir de um lado quase exclusivamente positivo e distante de qualquer medo foram os industriais técnicos, como Didier Coeurnelle, vice-presidente da francesa Technoprog, que reconhece na “amortalité” uma extensão decisiva da longevidade, embora reconheça que “é difícil torná-la aceitável na nossa sociedade”.
Alexander Maurer, cientista da computação e e trans-humanista, não tem dúvidas: “O homem não pode se considerar como a última peça da evolução”. Para ele e para muitos defensores de um certo conceito de tecnologia, não existiria “nenhum teto para a longevidade, nenhuma razão para recusar o convite a nos tornarmos mais do que humano”.
E, enquanto os biólogos, em particular os biotecnólogos, se apressam para explicar que a evolução ocorreu por “seleção natural” e que a intervenção externa sobre o genoma, hoje em clima de epigenética, não tem nenhuma possibilidade de evocar fantasmas (leia-se clones humanos e semelhantes amenidades que, no entanto, são lidas em textos que deveriam ser sérios), que permanecem como apanágio da ficção, a conclusão no fim do debate parece ser a de que o trans-humanismo, assim como a proposta vegana, começa, ao contrário, a representar uma verdadeira ideologia, uma espécie de posição estética, uma provocação, senão até um novo credo religioso.
Foi amplo o espaço dedicado, por um lado, ao mundo dos videogames e, por outro, ao vastíssimo panorama da ficção, tanto literária quanto cinematográfica.
A ideia recorrente é de que, dado que “sempre incute medo aquilo de que não se conhecem as regras” (como aqueles que demonizavam o computador sem saber manejá-lo) e também admitindo-se a possibilidade de ter adquirido um certo grau de trans-humanização, o herói continuará sendo sempre, como lembrava Stéphane Becker, aquele que, em certo ponto, rejeita e se retira em nome da própria dignidade, como aconteceu no famoso “Gattaca: experiência genética”, o filme de 1997 dirigido por Andrew Niccol e estrelado por Ethan Hawke, Uma Thurman e um Jude Law muito jovem (o futuro Young Pope de Sorrentino).
É certo que os videogames são construídos de modo a encarnar, se assim se pode dizer, a própria tensão do jogador em relação a uma contínua melhoria ou potencialização de si mesmo: as implicações sobre as personalidades mais frágeis, como os muito jovens, ou mesmo imaturas podem ser devastadoras e desaguar em autênticas tragédias, nas quais, no lugar do videogame, encontramo-nos no volante de um carro ou moto (real), ou manuseamos uma arma, ou somos introduzidos em uma organização criminosa.
O super-herói sempre excitou a fantasia dos mais fracos, e as novas possibilidades dos games são capazes de estendê-la ao infinito, quase como uma espécie de “viagra da mente ou da personalidade”.
Outra questão são as possibilidades que se abrem hoje no campo biomédico, algumas das quais já são óbvias. Quem se escandaliza com um monitor para medir a frequência cardíaca, potencializando a simples auscultação do médico? Ou com um instrumento que mede a glicemia, evitando lentos métodos de laboratoriais? Aconteça o que acontecer, nada poderá substituir jamais o papel do médico e a relação médico-paciente, mas a tecnologia pode fornecer uma ajuda considerada já hoje como insubstituível, embora, tenha sido reiterado, ainda não existam normas compartilhadas sobre o tratamento dos dados e sobre a regulamentação da tecnologia (que, muitas vezes, se torna fator discriminador na saúde pública).
Também em âmbito médico, é sempre difícil encontrar quem se escandalize diante de um membro artificial ou de um pedaço de órgão que, de fato, potencializa ou anula um limite da fragilidade corpórea.
É diferente o caso da introdução de robôs. Que valor assume viajar em um veículo automático ou sermos cuidados por uma máquina, em vez de um cuidador? Que responsabilidade existe para um drone? “Se um robô deve atirar em um terrorista e mata uma criança, é evidente que se trata de um erro humano”, dizia Rodolphe Gelin, diretor do time de inovação Robotics da SoftBank.
“Eu acho que a responsabilidade está sempre e claramente no lado da humanidade, ou seja, daquele que programou”, acrescentava Mady Delvaux, deputada europeia de Luxemburgo (nascida em 1950 e ex-professora de letras clássicas), autora de uma recente conferência ao Parlamento Europeu sobre o “direito civil que governa robôs e inteligência artificial”.
Digna de todo o respeito é a questão que diz respeito um pouco à pergunta da raposa ao Pequeno Príncipe: se os robôs trabalharem para nós, o que faremos no tempo livre? Talvez, os robôs poderiam nos tornar mais humanos? Poderia, talvez, se descerrar a possibilidade de um tempo maior para dedicar às relações humanas, ao cuidado dos outros? E isso que, para alguns, vamos nos tornar apenas “mais idiotas”: o futuro responderá.
“A técnica é hoje tão veloz que não temos mais como antecipar os tempos”, disse Catherine Dufour, escritora de livros de fantasia e autora de “O gosto da imortalidade”.
E talvez seja melhor assim. Para evitar que aquilo que era imaginado pela ficção seja, talvez, confundido com a realidade.
Se a epigenética exclui racionalmente apenas a ideia de clonar a humanidade (pelo menos 50% daquilo que somos é “escrito” pelo ambiente, não no DNA), se nenhuma máquina jamais poderá funcionar sozinha, mas sim graças ao cérebro daqueles que a idealizaram e programaram, o senso comum ainda é muito fruto de pouca informação, senão até de ignorância.
Mais um motivo para estudar e realmente se informar (para, depois, informar e educar).
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O que é melhor: humano ou trans-humano? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU