15 Fevereiro 2017
Na França, muitos analistas e políticos elogiaram o desempenho da "French Tech" nesta área. O filósofo Jean-Michel Besnier, no entanto, teme que nós admitamos restringir a nossa humanidade, permitindo que a inteligência artificial penetre em todos os espaços.
Jean-Michel Besnier é filósofo e doutor em Ciências Políticas. Ele é professor de filosofia na Universidade de Paris IV – Sorbonne e autor, entre outros, do livro L’Homme simplifié. Le syndrome de la touche etoile (Fayard, 2012).
A entrevista é de Yoann Labroux-Satabin, publicada por La Vie, 12-01-2017. A tradução é de André Langer.
O fantasma da inteligência artificial remonta à Antiguidade e ao mito do escultor Pigmalião, que deu vida a uma estátua. Como ela evoluiu?
Nós nem sempre tivemos a mesma concepção de inteligência. Durante muito tempo, a inteligência era considerada uma faculdade da alma, o privilégio de seres humanos. Criar uma inteligência artificial significava, portanto, animar uma máquina no sentido próprio da palavra, isto é, insuflar-lhe uma alma. Necessitava-se de algo que provocasse isso, luz ou eletricidade. Pensemos no Frankenstein. No século XVIII, Julien Offray de La Mettrie questiona a distinção cartesiana entre corpo e alma, e faz a seguinte pergunta: por que não imaginar que a alma seja produto da matéria? Ele abre, assim, o caminho para a inteligência artificial como a compreendemos hoje, numa concepção materialista e não mais espiritualista. Os roboticistas já não procuram mais colocar os conhecimentos na cabeça dos robôs, como o deus de Descartes teria feito com as nossas almas, mas os tornam capazes de exercer funções sensório-motoras básicas que eles poderão, na sequência, complexificar, tornando-se ainda mais inteligentes.
A inteligência artificial mudou a representação que o ser humano tem de si mesmo?
Eu penso que sim, e mais no sentido de uma simplificação. Na época de Descartes pensava-se a inteligência em termos de conteúdo, com conhecimentos e ideias. A inteligência artificial dessubstancializou este conteúdo e acabou definindo a inteligência em termos de operações. No entanto, a inteligência não pode se limitar à resolução de problemas. Ela abrange diversas modalidades: auditiva, verbal, musical, comportamental, etc. É a teoria das inteligências múltiplas do psicólogo Howard Gardner.
A inteligência artificial não representa também uma oportunidade para o ser humano, permitindo-lhe que se liberte das contingências materiais?
Se quiséssemos nos limitar a considerar as nossas máquinas como meras ferramentas, poderíamos efetivamente pensar que a inteligência artificial estivesse a serviço da construção cultural, simbólica do humano. O recurso a um instrumento permanece opcional. Mas o problema com toda tecnologia é que ela quer ser hegemônica. E a alienação começa assim que começamos a perder a iniciativa. A inteligência artificial quer estar em todos os lugares, e, portanto, nos obrigar a interagir com ela: a escolha de recorrer ou não a um instrumento desapareceu. Por isso, somos forçados a nos comportar como máquinas. Chamei isso em um livro de “síndrome da tecla asterisco” (L’Homme simplifié). Somos forçados a responder às injunções abstratas e, portanto, não somos mais considerados seres inteligentes. Um neurobiólogo vai explicar isso dizendo que a interação com a máquina ativa as mesmas áreas do cérebro que a realização dos automatismos. A inteligência artificial em ação na internet produz o mesmo efeito: os buscadores e seus algoritmos levam você de um link a outro e afastam-no da reflexão. Nós não lemos mais, fazemos uma varredura, transformados em scanners.
A nossa relação com a memória foi transformada pela inteligência artificial?
Estas tecnologias têm o efeito de terceirizar a nossa memória. Esta estende, sem dúvida, assim como se enfraquece. A memória é propriamente humanizante, motivo pelo qual ela requer um processo de reflexão, de elaboração. Mas as máquinas nos dispensam de refletir e nos obrigam a reagir, mastigando o trabalho para nós e tornando desnecessário todo processo de pensamento profundo.
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"A inteligência artificial nos obriga a nos comportarmos como máquinas". Entrevista com Jean-Michel Besnier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU