01 Fevereiro 2017
"De forma persuasiva, ele sustenta que a nossa capacidade de conhecer o que quer que seja requer a existência de um universo que pode ser entendido e conhecido, e que se algo for realmente inteligível, então deve haver um contexto ulterior de inteligibilidade. Sobre a base deste contexto ulterior de inteligibilidade, podemos pensar que deva estar Deus. Não só há Deus, mas também podemos razoavelmente afirmar uma revelação especial através de Cristo levada adiante na história da Igreja Católica", escreve Dennis M. Doyle, professor de teologia na Universidade de Dayton, em Ohio. Seu mais recente livro intitula-se “What Is Christianity? A Dynamic Approach”, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 30-01-2017. A Tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
“Method in Theology” [Método em teologia, editora É Realizações, 2013] é a obra de um gênio, Bernard Lonergan, filósofo e teólogo jesuíta que viveu de 1904 a 1984. Eu primeiramente li seu texto como parte de minha pesquisa doutoral no início da década de 1980. A obra acabou se tornando no livro que teve a maior influência não só sobre o que penso como também na forma como penso. “Method in Theology” parte do livro anterior de Lonergan, “Insight: A Study of Human Understanding” (1957) [Insight: um estudo do conhecimento humano, editora É Realizações, 2015].
Em “Insight”, Logernan explora como a mente humana pode entender e conhecer as coisas, e como uma continuidade básica no processo de conhecer se estende pelas matemáticas, ciências, ciências sociais, metafísica, ética e crença religiosa.
Se lermos “Insight” com uma credulidade ingênua, Lonergan nos conduzirá na direção do pensamento crítico. Se um pensamento crítico nos levar a uma vala cética sem saída ou a um relativismo onde vale tudo, Lonergan irá nos tirar dessa vala ensinando-nos como nos afirmar como um conhecedor.
Ele vai pedir que demonstremos para nós mesmos que o entendimento e o conhecimento humano, embora limitados, são reais. O autor irá nos ajudar a reconhecer e a superar várias formas de preconceito. Convencer-nos-á de que os valores não são outra coisa senão puramente subjetivos. Far-nos-á cientes das várias formas de diferenciações em nossa própria consciência, e de como tipos diferentes de operações humanas levam a formas diferentes de expressão do conhecimento.
De forma persuasiva, ele sustenta que a nossa capacidade de conhecer o que quer que seja requer a existência de um universo que pode ser entendido e conhecido, e que se algo for realmente inteligível, então deve haver um contexto ulterior de inteligibilidade. Sobre a base deste contexto ulterior de inteligibilidade, podemos pensar que deva estar Deus. Não só há Deus, mas também podemos razoavelmente afirmar uma revelação especial através de Cristo levada adiante na história da Igreja Católica.
Embora produzido a partir da obra “Insight”, “Method in Theology” traz uma abordagem mais ecumênica destinada ao uso de teólogos de várias tradições. Mais que isso, Lonergan adiciona ao seu foco anterior sobre o raciocínio intelectual certas ênfases balanceadoras sobre o desejar e o amar. Se “Insight’, em retrospectiva, pode ser dito como sendo uma obra principalmente preocupada com o que Lonergan mais tarde chamará de conversão intelectual, “Method in Theology” expande o leque de preocupações para incluir também a conversão moral e religiosa.
A conversão intelectual acarreta entender o que fazemos quando estamos conhecendo. Percebemos que conhecer algo requer mais do que simplesmente olhar o que está aí fora de nós próprios. Também requer usar a nossa mente para entender e fazer juízos. E assim chegamos a entender como a realidade é muito mais do que apenas aquilo que vem ao encontro aos nossos olhos.
Porém ela é também mais do que as nossas simples ideias subjetivas. Lonergan explica como a objetividade é o resultado da subjetividade autêntica. Uma conversão moral envolve uma mudança em nossos critérios na tomada de decisão – do egoísmo a valores mais elevados. A conversão religiosa é um apaixonar-se por Deus.
Lonergan escreveu “Method in Theology” numa época em que a teologia ainda estava completando uma transição: de ser feita principalmente nos seminários apenas para ser feita também nas universidades. Por um lado, a teologia pertence realmente às universidades? Será que ela pode ser legítima em trazer perspectivas religiosas para dentro das salas de aula acadêmicas? Será que as universidades deveriam se confinar somente aos estudos religiosos acadêmicos? Por outro lado, os pesquisadores que estudam a Bíblia e a tradição somente com os métodos históricos pertencem a um departamento de teologia?
“Method in Theology” mostra como a teologia pode ser uma disciplina totalmente razoável e crítica enquanto, ao mesmo tempo, retém o papel tradicional de “fé em busca de compreensão”. Lonergan apresenta um plano organizacional básico para a disciplina acadêmica de teologia dividida em oito especialidades (ou subdisciplinas) funcionais.
As quatro primeiras especialidades – pesquisa, interpretação, história e dialética – operam de um jeito que é logicamente anterior à “conversão”. As quatro especialidades funcionais finais – fundamentos, doutrinas, sistemática e comunicações – requerem uma “conversão” como pré-requisito. Para Lonergan, lembremos, a conversão é tripla: religiosa, moral e intelectual.
Os estudiosos que trabalham dentro destas especialidades funcionais deveriam estar em diálogo entre si. Os que atuam em especialidades que convidam à “conversão”, por exemplo, não estão isentos dos cânones da razão que vinculam aqueles que trabalham nas especialidades pré-conversão. Eles estão, no entanto, especializando-se nas regiões intelectuais que pressupõem escolhas e decisões a favor de uma tradição religiosa particular.
A teologia assim entendida combina a razão e a fé de um modo tal que se beneficia grandemente do contexto de uma universidade que sustenta muitas disciplinas acadêmicas. Ela se edifica sobre estudos científicos, hermenêuticos, históricos e analíticos. Requer que muitas dimensões de sua própria disciplina sejam desempenhadas de um modo que esteja logicamente anterior a toda e qualquer posição religiosa.
Ao mesmo tempo, ela não impede os compromissos religiosos intelectuais, particulares do tribunal acadêmico. Uma universidade católica, por exemplo, pode abrigar teólogos e fomentar a pesquisa conduzida não só por católicos, mas por estudiosos de uma ampla gama de tradições religiosas de maneira que possa contribuir para uma perspectiva interna assim como externa.
“Method in Theology” apresenta a teologia como uma disciplina que faz a mediação entre uma religião e uma cultura. Por um lado, há algo bem tradicional em se tratando de teologia, pois o teólogo está fazendo uso de – e interpretando uma – tradição que existe antes de si próprio. Por outro lado, há algo bastante progressista – e mesmo criativo – em se tratando de teologia, pois o teólogo precisa se apropriar da tradição no contexto presente. Na medida em que o mundo de hoje se caracteriza pelo pluralismo cultural, existem muitos contextos particulares para dentro dos quais a tradição cristã precisa ser apropriada.
Também, além de honrar os critérios acadêmicos padrões associados com a ciência, as ciências sociais, a história e a filosofia, um teólogo necessita se apropriar da tradição cristã em harmonia com a conversão religiosa, moral e intelectual. Falar teologicamente de uma maneira autêntica exige não só juízos intelectuais razoáveis. Inclui também o desejo de ser verdadeiramente bom assim como o de estar em contato com o dom do amor com o qual Deus inunda os nossos corações.
Ajuda tremendamente se o teólogo participa de uma comunidade de fé que se esforça a viver a sua visão de uma maneira autêntica.
O que as oito funcionalidades de Lonergan nos oferecem é um tipo de mapa da teologia como uma disciplina acadêmica.
Um mapa, no entanto, não é o território. Há sempre algo de abstrato em se tratando de um mapa. Na vida real, a teologia nem sempre se enquadra perfeitamente nas oito categorias que se seguem umas às outras numa ordem particular. O livro “Method in Theology” de Lonergan não apresenta uma receita que deve ser seguida com medidas precisas em passos ordenados.
Recentemente, no entanto, passei um período numa universidade alemã como professor convidado. Em uma palestra inicial onde expliquei as oito especialidades funcionais de Lonergan, alguns membros da faculdade teológica católica argumentaram que uma tal abordagem abstrata, embora útil de certo modo, não descrevia de fato o que eles fazem.
Em uma segunda palestra, no entanto, nomeei muitos membros do corpo docente e expliquei onde suas subdisciplinas se enquadram no mapa de Lonergan. O professor de estudos bíblicos que enfatiza a crítica textual está conectado com a pesquisa e interpretação. O professor de história da Igreja está conectado com a história. O professor de teologia filosófica está conectado com a dialética. O professor de teologia fundamental está conectado com os fundamentos. O professor de dogmática está conectado com as doutrinas e a teologia sistemática. Os professores de pedagogia religiosa e teologia moral estão conectados com as comunicações.
Infelizmente, a maioria das pessoas que participaram da palestra não se fez presente na outra. Os que estiveram presentes nas duas, no entanto, deixaram de sugerir que o mapa não se lhes aplicava. É provável que um tal exercício não funcione tão bem nas universidades americanas, onde as faculdades de teologia não são tão tradicionalmente estruturadas.
“Method in Theology” realiza um serviço valioso ao explicar como a teología pode se enquadrar dentro de um ambiente universitário. Numa época em que poucas pessoas concebem a teologia como uma disciplina unificada com muitas partes interagindo entre si, este pode ser o momento para um reavivamento desta obra. Às vezes, parece como se os departamentos de teologia atuais fossem habitados principalmente por pessoas tão centradas em suas subdisciplinas que não fazem ideia de que deveriam estar colaborando com os seus colegas em um projeto unificado mais amplo chamado teologia.
Além do mapa da teologia, entretanto, “Method in Theology” estabelece dentro de um quadro coerente uma visão geral encapsulada do pensamento maduro de Lonergan concernente à consciência humana, ao significado, à sociedade, religião, filosofia, história, fé, revelação doutrina e comunidade.
Se você é uma pessoa que não gosta de pensar, definitivamente deverá ficar longe deste livro. Caso contrário, por favor não se sinta intimidado. O livro é de uma leitura fácil e produz muitos frutos mesmo em uma primeira passagem. No entanto, é também o tipo de livro que não iremos esgotar em uma única leitura. Podemos extrair sempre mais dele a cada leitura. Afinal, é uma obra de gênio.
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Bernard Lonergan traçou um mapa da teologia para uma nova era - Instituto Humanitas Unisinos - IHU