19 Janeiro 2017
O bispo Raúl Vera escolheu suas palavras com cuidado, tentando não levantar a voz com raiva.
"Nós, do sacerdócio, somos parte da sociedade; estamos tão expostos como todo mundo", disse o bispo de Saltillo, uma cidade no estado de Coahuila, ao norte do México. "É triste ver como todos os setores da sociedade tornaram-se alvo da violência, e nós não somos exceção."
A reportagem é de Jan-Albert Hootsen, publicada por America, 17-01-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O Bispo Vera, um dos maiores e mais respeitados defensores dos direitos humanos do México, tinha acabado de dar um sermão entusiasmado em sua habitual missa do meio-dia de domingo, no dia 15 de janeiro, na catedral de Saltillo, após o assassinato do Rev. Joaquín Hernández Sifuentes. O corpo do sacerdote de 42 anos foi encontrado sem vida em 12 de janeiro, mais de uma semana depois de seu desaparecimento, no dia 3 de janeiro.
"Toda a questão do crime organizado é resultado de uma espécie de doença social", disse o bispo Vera após a missa em Saltillo. "Há mais insegurança a cada dia e os jovens estão buscando maneiras de dar as costas para a sociedade."
A vítima desapareceu pouco depois de celebrar uma missa de Ano Novo na sua paróquia, Sagrado Coração de Jesus, no bairro de classe média La Aurora. O Padre Hernández sairia de férias, mas amigos e colegas ficaram preocupados por ele não estar respondendo ao celular. De acordo com uma declaração da diocese de Saltillo, um frade visitou seus aposentos na paróquia e percebeu que Padre Hernández não estava lá, mas sua mala e alguns outros itens pessoais ainda permaneciam na residência.
Autoridades mais tarde revelaram à mídia mexicana que a vítima tinha sido espancada e estrangulada até a morte depois de uma briga na paróquia com dois homens desconhecidos, que foram vistos por testemunhas indo embora no carro do padre Hernández. Um porta-voz do escritório do procurador-geral do estado de Coahuila disse à America que dois suspeitos foram presos, mas se recusou a dar mais detalhes, visto que a investigação ainda está em andamento. O bispo Vera declarou à America que a diocese estava aguardando por mais informações das autoridades locais sobre o crime.
O assassinato chocou a comunidade católica de Saltillo. No dia 16 de janeiro, centenas de fiéis e quase 100 membros do clero local compareceram à Catedral de Saltillo para prestar suas últimas homenagens ao padre Hernández. Ainda mais pessoas já haviam ido ao seu velório no dia anterior, no seminário diocesano, nos arredores de Saltillo.
O assassinato do padre Hernández é mais um golpe para uma Igreja que se sente cada vez mais sitiada, em um país onde estima-se que mais de 100.000 pessoas tenham falecido nos últimos anos em uma onda implacável de violência criminal. Grande parte dessa violência começou em 2006, quando o governo do presidente Felipe Calderón começou a colocar os militares contra poderosos grupos do crime organizado. Os membros do clero não ficaram isentos. Desde que o sucessor de Calderón, o presidente Enrique Peña Nieto, tomou posse em 2012, pelo menos 16 padres foram assassinados.
Com três sacerdotes e quatro catequistas assassinados, 2016 foi um ano particularmente ruim para a Igreja no México. "O México é atualmente o lugar mais perigoso para o clero nas Américas", disse Bernardo Barranco, um sociólogo e um dos mais conceituados analistas da Igreja no país.
Em setembro passado, dois padres foram sequestrados, torturados e baleados no estado de Veracruz, a leste da costa do Golfo. De acordo com as autoridades estaduais, eles foram vítimas de roubo. Dois suspeitos foram presos pouco depois.
No mesmo mês, um padre também foi sequestrado e baleado, no estado central de Michoacán, possivelmente depois de uma discussão com dois suspeitos. Outro religioso foi sequestrado e torturado por agressores desconhecidos em novembro, em Veracruz, mas sobreviveu.
Parte da violência parece ser motivada pelo trabalho do clero. Em 2013, um padre foi atacado no norte do estado de Tamaulipas, um dos estados mais violentos do país, depois de ter supostamente se recusado a celebrar uma missa para membros do crime organizado.
A maioria dos ataques, no entanto, parecem seguir o padrão mais geral de um aumento da violência criminal em âmbito nacional e um desgaste do sistema de justiça, após anos de guerra declarada entre o Estado e o crime organizado. Como a violência já exauriu muitas comunidades e levou uma geração de jovens mexicanos a acostumar-se com a impunidade e o derrame de sangue, os padres não são mais intocáveis.
"Eu não acredito que nós sejamos alvos diretos. Este é mais um resultado da situação generalizada", disse José David Rosales, reitor do seminário de Saltillo e amigo pessoal do Padre Joaquín Hernández. "Nós somos tão vulneráveis quanto qualquer um."
"A figura do sacerdote foi dessacralizada," concordou Barranco. "A violência atingiu a Igreja."
Prevenir ou combater a violência específica contra o clero, no entanto, é difícil. Em resposta ao assassinato do padre Hernández, a Diocese de Saltillo instruiu seus padres, através de uma circular, a não viajarem sozinhos ou à noite, enquanto outras medidas ainda estão sendo consideradas, disse o Bispo Vera. No passado, Vera e outros líderes católicos no México rejeitaram medidas como a contratação de equipes de segurança para os padres, e continuam rejeitando-as agora.
Barranco acredita que contratar equipes de segurança para proteger os sacerdotes seria um erro. "Seria dar à Igreja uma espécie de status excepcional", disse ele, "o que não é o que ela precisa. A única solução real é criar laços mais fortes com a sociedade".
'O Bispo Raúl Vera concorda. "O que precisamos fazer é erradicar a violência enquanto doença. Precisamos ser uma Igreja mais ativista, [para] reforçar a evangelização", afirmou. "A sociedade foi abandonada pela política e pela economia; e não pode ser abandonada pela Igreja também."
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Outro assassinato a Padre no México levanta questões de segurança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU