20 Outubro 2016
Após três anos em queda, o número de homicídios no México voltou a subir, batendo recordes do período mais duro da guerra do governo contra o narcotráfico —ocorrida entre 2006 e 2012—, durante a gestão do conservador Felipe Calderón (PAN), e que terminou com um saldo de mais de 60 mil mortes relacionadas aos enfrentamentos entre Exército e cartéis.
A reportagem é de Sylvia Colombo, publicada por Folha de S. Paulo, 20-10-2016.
Segundo informe divulgado nas últimas semanas pelo governo de Enrique Peña Nieto, o número de homicídios vinculados ao crime organizado chegou a 13.217 nos primeiros oito meses deste ano, o que significa um aumento de 18% com relação ao ano passado.
Quando assumiu o poder, em 2012, marcando a volta do PRI (Partido Revolucionário Institucional) à Presidência após 12 anos, Peña Nieto anunciou mudanças na área de segurança. Em vez de um enfrentamento aberto e massivo contra o crime organizado, como havia feito o governo anterior, o novo mandatário anunciou que optaria por ações mais estratégicas, que envolvessem mais interação entre órgãos de inteligência, polícia e autoridades locais com as Forças Armadas.
Naquele momento, contando com capital político conferido pelas urnas, a promessa de uma reforma energética e fiscal, bons índices macroeconômicos e conquistando uma base de apoio da oposição com o chamado Pacto pelo México, Peña Nieto conseguiu fazer as reformas desejadas e logrou que os números da violência caíssem, com a colaboração dos governos regionais.
Foi essencial também a estratégia, criticada pela oposição, de associar-se, em alguns Estados, a milícias de cidadãos, as chamadas "autodefensas". O caso mais emblemático foi o do Estado de Michoacán, onde essas forças paramilitares atuaram junto aos soldados ou de forma independente contra os cartéis.
Porém, o atual desgaste político do presidente, quando faltam dois anos para o fim de seu mandato, tem feito com que perca apoio de governo locais, no Parlamento e junto à população — sua gestão tem apenas 26% de aprovação.
Entre os fatores que compõem a crise de seu governo estão a divulgação de casos de corrupção que envolvem funcionários próximos à cúpula, as versões contraditórias e não conclusivas sobre o desaparecimento dos 43 estudantes em Ayotzinapa, em 2014, e a desaceleração econômica do país devido ao cenário internacional.
Não ajudou muito a melhorar a imagem de Peña Nieto o convite feito a Donald Trump —candidato republicano norte-americano conhecido por seus comentários racistas e xenófobos em relação aos mexicanos— a visitar o país.
Com isso, a operação para conter a violência no interior também parece ter saído do controle do governo federal.
O caso do juiz assassinado na manhã desta segunda-feira (17) enquadra-se no que Peña Nieto chama de "crimes de alto impacto", ou seja, os relacionados ao narcotráfico que ganham manchetes mundo afora e são os mais nocivos à imagem do governo.
O juiz Vicente Antonio Bermúdez foi o responsável por emitir uma decisão suspendendo a extradição aos Estados Unidos do narcotraficante mexicano Joaquín "El Chapo" Guzmán, líder do cartel de Sinaloa.
Mas, como essa sentença era o que "El Chapo" almejava, é mais provável que o crime esteja associado a outras decisões do juiz —como a condenação à prisão de Abigael González Valencia, um dos líderes do cartel de Jalisco.
Segundo Miguel Ángel Osorio Chong, a disparada da violência tem a ver com aumento dos delitos regionais e estaria também relacionada a uma tentativa política de atingir o governo —Chong é dos mais cotados para ser o candidato à Presidência do país pelo PRI em 2018.
"Estamos recuperando zonas e territórios, o que nos devolverá logo a tranquilidade. E é preciso lembrar que, nas zonas fronteiriças, a violência vem caindo."
De fato, o norte do país, devido a ações das Forças Armadas, tem visto uma melhoria na área de segurança. O número de mortes aumentou mesmo foi nos Estados mais empobrecidos do país, ao sul, Guerrero e Oaxaca.
Ali, nos últimos dez anos, disseminaram-se as plantações de papoula para a produção de heroína —hoje uma das drogas mais exportadas pelo México aos EUA, segundo a própria DEA (agência anti-drogas americana).
Para os especialistas em violência, o desenho dos principais cartéis mexicanos vêm mudando nos últimos tempos. O cartel de Sinaloa, desde a prisão de "El Chapo", havia passado uns meses fora do noticiário, mas agora parece ter retomado com tudo sua atividade, sob a liderança de Aureliano Guzmán Loera, irmão mais velho de "El Chapo".
Isso estaria causando reação dos grupos rivais instalados no norte do país.
Para Ioan Grillo, britânico radicado no México e autor de "El Narco" e "Gangster Warlords", o segredo da perpetuação dos cartéis tem sido sua capacidade de reorganizar-se e manter-se em constante estado de mutação, fragmentando-se quando é necessário. "A tendência vem sendo que se transformem em pequenos cartéis, que se mudem de um lugar para o outro, que troquem de líderes e, assim, se o governo consegue prender um grande chefe da droga, não altera o negócio como um todo, que fica mais difícil de desestruturar".
Para Grillo, a estratégia do governo em concentrar a luta contra as drogas na prisão das principais cabeças dos cartéis, como fez com "El Chapo", ou com "La Tuta" —líder dos Cavaleiros Templários, também capturado— vem dando errado por conta dessa rápida resposta do crime organizado. A zona principal de atuação dos Templários, Michoacán, continua entre as mais sangrentas.
O novo relatório do governo também chama a atenção para certa mudança de padrão do aumento da violência. Além de os índices de homicídio terem subido em 20 Estados, regiões antes conhecidas como não-violentas, como Guanajuato, onde estão as plantas das principais indústrias automobilísticas do país, também registraram aumento de crimes de extorsão e alguns homicídios, relacionados ao narcotráfico.
O aumento das vítimas civis também se faz notar. No Estado de Veracruz, onde o ex-governador com acusações de ligações com os cartéis está foragido, o assassinato de dois sacerdotes católicos chocou a população. Veracruz é também o Estado com recorde de jornalistas mortos de forma violenta, segundo a ONG Artículo 19.
Outro cartel que se reorganizou foi o dos Zetas, agora conhecido como "los de la última letra". No início do mês, um grupo de voluntários que buscavam fossas coletivas no Estado de Coahuila, no noroeste do país, encontraram uma das que podem ser das maiores encontradas até hoje, com 56 mil metros quadrados e 4.600 fragmentos humanos. Por ora, o crime é atribuído aos Zetas, pelo fato de ser numa região onde esse cartel está muito presente.
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No México, Peña Nieto despenca, e violência do crime organizado sobe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU