06 Dezembro 2016
Para se registrar em um programa de proteção a alunos imigrantes sem documentos, os jovens tiveram de listar o nome e o endereço. Além do medo sobre se o programa irá continuar ou não, o padre jesuíta Paul Fitzgerald diz que os alunos agora se preocupam também em terem colocado em risco de deportação os pais e irmãos.
A reportagem é de Mark Zimmermann, publicada por Crux, 02-12-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Antes de reunir mais de 100 líderes de faculdades e universidades católicas dos EUA para assinar uma declaração de apoio a alunos imigrantes indocumentados, o padre jesuíta Paul Fitzgerald, presidente da Universidade de San Francisco, encarou o lado humano da questão da imigração.
Uma semana antes de assinar a declaração de 30 de novembro, o padre se reuniu com 15 estudantes indocumentados que frequentam a universidade e ouviu suas histórias.
Com seus pais, eles vieram da América Latina em idade muito jovem. Vários são católicos, e alguns sequer sabiam que eram imigrantes indocumentados até o momento em que começaram a cursar o ensino médio.
“São jovens maravilhosos, apaixonados pelos estudos”, disse em entrevista ao Crux. “Eles cursam enfermagem, direito e outros cursos. Querem dar um retorno a uma sociedade que tem sido tão boa com eles”.
O padre disse que, para ele, o encontro foi um “momento pastoral bem bonito. Para mim, foi muito emocionante”.
Mas havia um outro aspecto neste encontro com os estudantes, na esteira da campanha eleitoral em que o candidato Donald Trump prometeu construir um muro na fronteira americana com o México e começar deportar imediatamente alguns dos 11 milhões de imigrantes ilegais do país.
“Eu pude ver o medo nos olhos desses jovens. O medo não é por eles mesmos”, disse o presidente da universidade.
Fitzgerald explicou a situação terrível em que os 22 alunos se encontram no momento. Para se registrarem no programa Ação Deferida para Chegada Infantil – DACA, na sigla em inglês, eles precisaram registrar o nome completo e endereço. O programa DACA é administrado pelo Departamento de Segurança Interna; ele protege os alunos da aplicação da lei de imigração, permitindo-os continuar estudando e trabalhando no país.
Agora, além da incerteza sobre se o programa irá ter continuidade ou não, o padre falou que os alunos estão preocupados com o fato de eles terem colocado os pais e irmãos sob o risco de deportação, dado que o governo sabe o endereço da família e, provavelmente, o status imigratório de seus membros.
Para o sacerdote e os demais presidentes de universidades católicas que assinam a declaração de apoio aos alunos indocumentados, esta situação fornece o contexto para a iniciativa que tomaram.
“Nós nos importamos com eles (...) Estes jovens fazem parte da nossa comunidade”, disse Fitzgerald. “Faremos tudo dentro da lei para protegê-los e promovê-los”.
Fitzgerald esteve entre os 27 dos 28 presidentes da Associação das Faculdades e Universidades Jesuítas dos EUA que subscreveram uma declaração onde observam que as identidades católicas e jesuíticas de suas instituições – que orientam o compromisso delas de defender a dignidade de toda pessoa, de trabalhar pelo bem comum e de promover uma fé viva que atue por justiça – os obrigou a manifestar apoio pelos pobres e marginalizados, o que em seus campi inclui alunos imigrantes indocumentados. A declaração também foi assinada pelo presidente da associação, o padre jesuíta Mike Sheeran.
“A experiência mostrou que nossas comunidades são imensamente enriquecidas pela presença, inteligência e contribuições comprometidas de alunos indocumentados, bem como por professores e funcionários de todas as cores e de todas as tradições religiosas”, diz a declaração.
No texto emitido pelos líderes das universidades e faculdades jesuítas, eles se comprometem a apoiar, dentro da lei, alunos indocumentados em seus campi, promover a manutenção do programa DACA e apoiar os alunos, corpo docente e funcionários independentemente de suas crenças religiosas. Prometeram também preservar as liberdades religiosas do país.
Quando candidato, a certa altura Trump sugeriu que os muçulmanos deixassem de entrar no país e, mais tarde, disse que as pessoas de países afetados pelo terrorismo estariam sujeitas a um exame extremo.
Fitzgerald esteve entre as lideranças das instituições jesuítas que subscreveram também uma declaração emitida em 30 de novembro pela Associação das Faculdades e Universidades Católicas, assinada por mais de 100 líderes de instituições educativas de nível superior dos EUA.
Essa declaração pedia que os alunos, nas respectivas comunidades educativas que haviam sido enquadrados no programa DACA, tivessem a permissão de continuar os estudos sem interrupção, e que mais alunos venham a ter a mesma oportunidade de “contribuir com seus talentos em nossos campi”.
“Alunos indocumentados precisam de assistência no confronto da incerteza jurídica e financeira e na administração das ansiedades que os acompanha”, lê-se na declaração emitida pela Associação das Faculdades e Universidades Católicas.
“Comprometemo-nos a apoiar estes alunos – através dos serviços de aconselhamento em nossos campi e do apoio ministerial, através de recursos jurídicos dos campi com faculdades de direito e clínica geral, e através de quaisquer outros serviços que possamos ter ao nosso dispor”.
Ambas as declarações reconhecem as palavras e o testemunho do Papa Francisco, que enfatizam que os imigrantes são, como todas as pessoas, filhos de Deus e irmãos e irmãs uns dos outros.
A Associação das Faculdades e Universidades Católicas concluiu sua declaração nos seguintes termos: “Nós estamos comprometidos com a educação destes jovens, trazidos aos Estados Unidos por seus pais e que vieram a nossas universidades para construir um futuro melhor para si mesmos e para nós”.
O presidente da universidade católica entrevistado pelo Crux observou que as declarações não foram endereçadas ao presidente eleito Donald Trump em específico.
“Elas são para todos os legisladores e autoridades eleitos que possam tentar comprometer os membros mais vulneráveis da nossa sociedade”, disse Timothy Law Snyder, presidente da Loyola Marymount University em Los Angeles, outra instituição jesuíta. Ele subscreveu ambas as declarações.
Assim como Fitzgerald, Snyder foi um dos principais autores da declaração jesuíta, e falou que o texto produzido não se destina apenas a mostrar solidariedade para com os alunos sem documentos e encorajar os legisladores a continuar com o programa DACA, mas também educar o público geral – incluindo os mais de dois milhões de ex-alunos destas instituições jesuítas de ensino superior – sobre as questão em jogo.
“Estamos aqui para apoiar a justiça a estes jovens, e para garantir que eles tenham o mesmo acesso à formação como todo mundo”, completou Snyder.
O presidente da Loyola Marymount enfatizou aquilo que os alunos indocumentados oferecem não só para as universidades e faculdades, mas também para o país.
“Existem alunos que perseveram. Eles honram os valores americanos. Eles os reverenciam, orgulham-se deles. Estes jovens foram criados e formados aqui”, disse.
“Eles estão prontos a contribuir para a nossa economia de uma forma que irá beneficiar o país, isso vai contribuir para um país maior ainda”.
Depois da eleição de Trump, o presidente da universidade disse que alguns destes alunos estão com medo de que algo lhes aconteça e aconteça a seus entes queridos por causa do status imigratório que possuem.
“Imaginemos na hora de acordar e ficar preocupado com que a nossa família vai ser separada”, declarou Snyder.
O Mons. Franklyn Casale, presidente da St. Thomas University em Miami e presidente do conselho da Associação das Faculdades e Universidades Católicas, também sublinhou a importância de manter o programa DACA, que, segundo ele, assegura mais de 700 mil alunos em todo o país.
“Se o programa for cancelado, ele não só irá destruir a formação destes jovens, mas também muitas vidas”, disse. O padre também destacou o lado humano da questão. “São nossas pessoas. (…) São jovens de fé, que vêm aqui buscar ter uma boa formação católica”.
O religioso acrescenta ainda que os alunos são esforçados e muitos têm atitude de liderança. “A experiência formativa que estes jovens estão tendo é preciosa para eles”, disse. “Em certo momento, algo assim não lhes era possível. Eles realmente querem o sucesso”.
A St. Thomas University tem uma história ligada à imigração. Ela remonta suas raízes à Universidad de Santo Tomas de Villanueva, fundada em 1946 em Havana, Cuba. Depois da Revolução Cubana, os agostinianos que trabalhavam nessa universidade foram expulsos em 1961 e fundaram uma faculdade em Miami que, mais tarde, foi chamada de St. Thomas University.
Hoje, 50% dos seus 5 mil alunos são hispânicos, e o presidente da instituição disse que subscrever uma declaração de apoio aos alunos indocumentados reflete a história e a missão da instituição de ensino.
“Vem de um clamor dos nossos corações”, disse Casale. “Por favor permita-nos acolher estes alunos e dar-lhes uma ótima educação”.
Este ponto foi ecoado por Patricia McGuire, presidente da Trinity Washington University, que também assinou a declaração da Associação de Faculdades e Universidades Católicas. A Trinity conta com 45 alunas imigrantes sem documentos, a maioria vinda da América Central e do Sul.
“As alunas que temos aqui são magníficas. Estão entre as melhores”, disse, notando que entre elas há jovens mães que também trabalham, buscam sustentar suas famílias e construir uma vida melhor para si é os filhos.
McGuire observou que as alunas recebem bolsas estudantis de um programa chamado TheDream.US e da universidade, e que as alunas, hoje preocupadas com o que vai acontecer com o novo governo federal, tiveram a garantia de que a bolsa de estudos vai continuar.
A presidente da universidade disse também que é importante que todos os demais presidentes defendam as alunas e os alunos de suas instituições. “Esse é um tema católico. Ele tem a ver com o cuidado e preocupação com a dignidade humana”, disse ela.
McGuire espera que os legisladores vejam o lado moral deste aspecto da questão imigratória. “É um assunto realmente importante. Não importa qual lado político a pessoa está, devemos ser a favor de manter estes jovens estudando”.
John Garvey, presidente da Universidade Católica da América, disse que o apoio dos líderes educacionais católicos aos alunos indocumentados demonstra que a Igreja não está só preocupada com temas como pró-vida e a liberdade religiosa, mas também que se preocupa com o cuidado dos pobres e imigrantes.
O presidente da Universidade Católica disse esperar que as declarações enviem uma mensagem ao governo Trump e a outros líderes governamentais sobre a manutenção do programa DACA e sobre um trabalho para o tratamento justo aos imigrantes do país.
“Hoje, os republicanos controlam ambas as casas legislativas e a presidência. Então eu espero que eles se apresentem com uma visão convidativa, compassiva e generosa de acolhida destas pessoas, especialmente pessoas assim”, disse Garvey.
O governo por vir de Donald Trump assinalou, durante a campanha deste ano, tomar uma atitude de moderação em alguns temas polêmicos, e várias lideranças universitárias católicas entrevistadas pelo Crux manifestaram esperança de que a postura linha-dura contra a imigração expressa por Trump enquanto candidato venha a evoluir para diretrizes mais moderadas.
Por exemplo, o presidente eleito disse que não iria realizar a sua perseguição prometida contra Hillary Clinton por usar um servidor privado de email.
Em uma fala proferida no dia 31 de outubro em Phoenix, no Arizona, ainda como candidato, Trump disse que no primeiro dia de presidente, ele iria tomar medidas para mandar embora “pelo menos dois milhões de estrangeiros criminosos”.
Mas, ao mesmo tempo em que disse que “todo mundo que entrou nos Estados Unidos ilegalmente está sujeito a deportação” e prometeu derrubar as ordens executivas do presidente Obama concernentes à anistia a certos imigrantes, Trump nesse mesmo discurso falou: “Iremos tratar todos os que vivem ou residem no nosso país com dignidade. Iremos ser justos e compassivos com todos”.
O presidente da Universidade de San Francisco – que assinou as declarações em apoio aos alunos indocumentados após ouvir suas histórias – disse que se mantém firme na virtude cristã da esperança relativa ao futuro destes jovens. O padre jesuíta disse que nesse tempo de Advento importa lembrar que Jesus quando criança era, ele mesmo, um refugiado.
“Nós estamos esperando pelo Advento de Cristo, que vem a nós como um pobre que não consegue encontrar abrigo. É assim que Deus escolheu entrar na história humana”, diz Fitzgerald.
Essa história deve ser lembrada, conclui ele.
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EUA. Reitores de universidades católicas defendem alunos indocumentados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU