Por: João Flores da Cunha | 19 Novembro 2016
A omissão e o silenciamento da presença negra na história do Rio Grande do Sul foram os temas principais da palestra do professor da Unisinos Jorge Euzébio Assumpção no IHU Ideias no dia 17-11. Ele apresentou a conferência intitulada Rompendo o silêncio: O negro na história e historiografia do Rio Grande do Sul.
De acordo com Jorge, ao contrário do que o senso comum por vezes faz parecer, “as relações raciais não são amistosas no Brasil”. Para o professor, “não vivemos em uma democracia racial”. O que há no país é um “racismo invisível”, que “se dá também na História”, segundo ele. Há uma “sonegação” e uma “omissão da participação dos negros na história do Brasil”, afirmou. Jorge ressaltou que os negros ou não estão presentes nos livros de História, ou aparecem como escravos.
Isso também é válido para a história do Rio Grande do Sul, segundo o professor. O negro é secundário ou não é citado, afirmou ele, citando um “racismo historiográfico”. A partir dessa perspectiva, o professor abordou a participação dos negros na Guerra dos Farrapos, a qual é “envolta em mitos” e romanceada, de acordo com ele.
Os negros constituíram o “alicerce do Exército” dos farroupilhas, assinalou o professor. “A infantaria dos farrapos era basicamente feita de negros”, afirmou. Indígenas e negros eram “bucha de canhão” nessa guerra, disse Jorge. Os negros que lutavam ao lado dos farrapos eram escravos do Império que haviam sido capturados pelos rebeldes, e houve um acordo entre as partes: “lutem por nós e vamos libertá-los” era o trato oferecido pelos líderes farroupilhas aos negros.
No entanto, os “farrapos nunca foram democráticos”, de acordo com o professor. Durante o conflito, armavam-se acampamentos diferentes, em que as raças não se misturavam, segundo ele. Igualmente, os farrapos “nunca foram abolicionistas”, e, caso eles tivessem derrotado o Império, a escravidão continuaria, pois “todos os líderes farrapos eram escravistas”, afirmou Jorge.
Em 1844, já ao final da guerra (1835-1845), os farrapos estavam vencidos, e os “negros lutando a seu lado eram um empecilho”, afirmou o professor. O Império, nas tratativas de paz com os rebeldes, não aceitava que eles fossem libertados, pois formariam uma “massa sem controle que não iria mais se submeter a um senhor”, notou Jorge.
Foi nesse contexto em que ocorreu a traição de Porongos, um “banho de sangue” em que os negros foram “vilmente traídos” pelos farroupilhas para que fosse feito o acordo de paz, segundo Jorge. Assim, os negros, “que deram alicerce aos farrapos, foram mortos” por ação deles. “Quem perdeu nessa guerra foram os negros. Esses fatos não são narrados quando contamos a história do Rio Grande do Sul”, afirmou o professor.
"Quem perdeu na Guerra dos Farrapos foram os negros" (Foto: Cristina Guerini)
O professor afirmou que a data de chegada dos primeiros negros ao Rio Grande do Sul é incerta, mas, considerando-se o início da colonização lusitana, em 1737, tem-se mais de 150 anos de presença negra escrava no estado (até a abolição da escravatura, em 1888). Ou seja, o Rio Grande do Sul tem “mais anos com presença de mão-de-obra escravizada do que sem”, disse o professor. Assim, “não é possível falar da história do Rio Grande do Sul sem falar dos negros escravizados”, segundo ele.
As ideias de que quase não havia negros e escravos no estado são uma “sonegação” e uma “inverdade histórica”, disse Jorge. O professor utilizou dados estatísticos retirados de fontes históricas para sustentar o argumento de que a mão-de-obra escravizada era fundamental para a economia do estado no século XIX. Os números de um censo realizado em 1814 revelam que o Rio Grande do Sul era composto por mais não-brancos – somando indígenas, escravos, negros libertos e recém-nascidos – do que por brancos.
À época, a economia do estado girava em torno de algumas cidades, “que dependiam da mão-de-obra escravizada”, afirmou Jorge. “Como negar a importância dos negros para a economia do Rio Grande do Sul?”, questionou o professor. “Esses dados nos deixam ver o que os livros não nos contam”, afirmou ele.
Em Pelotas, “a cidade mais rica e mais produtiva do Rio Grande do Sul graças às charqueadas”, os trabalhadores escravizados eram maioria, mostrou o professor. Os brancos não chegavam a 30% da população dessa cidade, que ficou conhecida como a “Atenas” do estado à época. Sua riqueza se devia ao charque, do qual “Pelotas vivia”, disse ele. No auge do charque, 85% das exportações gaúchas vinham das charqueadas, e quem trabalhava nelas eram os negros, afirmou Jorge. De acordo com ele, o homem livre, o gaúcho, que vivia na vadiagem e se sustentava com o contrabando, “não se sujeitava ao trabalho árduo das charqueadas”.
O professor concluiu sua apresentação afirmando que “nossa história tem cor, raça, classe e sexo”. Para ele, “nós normalmente contamos a história da elite e dos brancos”. “Há toda uma história por baixo do tapete que não é contada” e que derrubaria diversos mitos históricos do estado e do país, afirmou o professor.
Jorge Euzébio Assumpção possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), pós-graduação pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA) e mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1995). Atualmente é professor titular - Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, professor e pesquisador na Unisinos. Tem experiência na área de História, com ênfase em Escravidão, atuando principalmente nos seguintes temas: resistência, África, charqueada, negro e Rio Grande do Sul. É integrante do Neabi – Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Unisinos.
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O negro no Rio Grande do Sul: uma história de omissão e esquecimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU