14 Mai 2013
Após 125 anos da abolição da escravatura, o Brasil ainda está longe de ser uma nação livre de desigualdades raciais. Uma análise dos indicadores econômicos e sociais dos últimos 20 anos revela, no entanto, que o país tem avançado. Tabulações feitas em pesquisas do IBGE mostram, por exemplo, que a proporção de brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos no ensino superior dobrou em dez anos, saltando de 19% para 38%. Como resultado, cresceu o percentual de negros em quase todas as carreiras universitárias. Ao mesmo tempo, a distância que separa brancos de não brancos no país em termos de renda per capita também diminuiu.
A matéria é de Antônio Gois e Alessandra Duarte, publicada no jornal O Globo, 12-05-2013.
Uma das principais razões para o aumento de negros no ensino superior está na expansão do setor, que de 1995 a 2011 viu o número de estudantes quadruplicar, especialmente na rede privada, que concentra 80% das matrículas.
Uma análise dos Censos Demográficos de 2000 a 2010 mostra, no entanto, que este crescimento não foi igual em todas as carreiras. Em cursos de formação de professores, por exemplo, o percentual de recém-formados pretos e pardos já chega a 41%, próximo dos 51% registrados no total da população. Em Medicina, porém, são só 17%, apesar de mesmo nesse seleto grupo ter havido aumento de profissionais negros.
Professora da UFRJ, a antropóloga Yvonne Maggie afirma que a queda da desigualdade racial no acesso à educação teria sido resultado de um processo vindo nas últimas duas décadas. No entanto, a desigualdade só será de fato combatida, diz Yvonne, com melhoria da rede pública de educação básica. Para ela, com esse investimento na base, haveria menos violência, menos crise de mão de obra, e menos desigualdade.
"Está havendo uma mudança de perspectiva: há dez anos, pouca gente da classe trabalhadora almejava o ensino superior. Isso não é de hoje, porque não teria dado tempo para medidas mais recentes, como as cotas, terem tido efeito imediato. Isso é um processo de melhora que tem vindo nos últimos 20 anos, com a estabilização econômica e a melhora da qualidade de vida das pessoas e do próprio sistema educacional no período, com governos passando a enfocar o problema da reprovação, por exemplo", analisa Yvonne.
O professor Waldir Quadros, do Instituto de Economia da Unicamp, concorda com Yvonne sobre a necessidade de melhorar a qualidade da educação básica na rede pública, mas discorda na crítica à política de cotas.
— Nas carreiras mais bem remuneradas e visadas, as barreiras continuam mais sérias. Com os sistemas de cotas nas universidades e com o ProUni (programa federal de bolsas na rede privada de ensino superior), tem havido maior acesso da população negra ao nível superior.
Mas, mesmo assim, em universidades onde não há reserva de vagas e, sim, pontuação maior para a população negra, por exemplo, a alta relação candidato/vaga continua a desfavorecer os negros nas carreiras mais procuradas — diz Quadros.
A maior presença de negros no ensino superior e a diminuição da desigualdade racial em termos de renda se correlacionam também com a expansão da nova classe média (cuja renda média per capita varia entre R$ 291 e R$ 1.109), que se beneficiou da valorização do salário mínimo, do crescimento da economia e de programas sociais focalizados nos mais pobres.
Como resultado, em 2001, de acordo com um estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 31% da população preta e parda estava na classe média. Dez anos depois, já são 51%.
Nova classe média negra ainda desigual
Mesmo dentro deste segmento, no entanto, ainda há desigualdades, como revela um estudo do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da UFRJ. Nos estratos que estão entre os 10% mais pobres dessa nova classe média, o percentual de pretos e pardos é de 62%. No outro extremo, dos 10% mais ricos, o percentual cai para 39%.
Apesar dos melhores níveis de escolaridade e renda da população preta nas últimas décadas, a presença de pretos entre ocupações de menor renda persiste. Outro estudo do Laeser revela que, enquanto 20% das pretas e pardas são domésticas, entre brancas, o percentual é de 12%. Pretas e pardas ganham menos nesse serviço, em média, do que as brancas. Claramente marcado pela herança escravista brasileira, só em 2013 o trabalho doméstico passou a dar direito a horas extras e FGTS, garantidos a outros trabalhadores.
As estatísticas do IBGE também revelam avanços em comportamentos. Um estudo de Kaizô Beltrão (Ebape/FGV), Sonoe Sugahara e Moema De Poli (ambas da Ence/IBGE) mostra que os casamentos interraciais cresceram de 8% em 1960 para 31% em 2010. Entre esses casais estão Rafael Borges, 32 anos, e Mara Pereira, de 35. Eles contam que, quando o filho deles, Nestor, nasceu, há um ano e quatro meses, o enfermeiro do hospital demorou para achar no corredor o pai, mesmo Rafael sendo o único homem lá.
— Ficou muito claro que o enfermeiro nem considerou que o pai pudesse ser o Rafael e ficou procurando um homem negro. Até pediu desculpa quando viu que o pai era ele — conta, rindo, Mara.
Formada em Produção Cultural, com especialização e mestrado em História da Arte, Mara conheceu o marido, historiador e arqueólogo, no trabalho. Além do episódio na hora do parto, ela lembra de outros “estranhamentos” das pessoas.
— A sociedade ainda é assim. Mas não nos afeta porque somos muito tranquilos um com o outro — diz, afirmando que sente mais o preconceito em situações dela com o filho, que tem a pele mais clara e os cabelos mais lisos:
— Já perdi a conta das vezes em que me perguntaram se ele era meu filho.
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125 anos de Abolição: Maioria dos negros já é de classe média - Instituto Humanitas Unisinos - IHU