08 Novembro 2016
"Não desperdicem a vida no consumismo. Encontrem o tempo de viver para serem felizes", disse José "Pepe" Mujica aos estudantes que se encontraram com ele na última sexta-feira, em Roma. Oitenta e um anos, presidente do Uruguai de 2010 a 2015, Mujica está na Itália para uma série de conferências e para promover o livro de Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, Una pecora nera al potere [Uma ovelha negra no poder].
A reportagem é de Omero Ciai, publicada no jornal La Repubblica, 06-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Pepe" ficou famoso em todo o mundo porque, como presidente, renunciou a 90% do seu salário e preferiu continuar morando no pequeno sítio onde cultiva flores, em vez do palácio presidencial. No Vaticano, ele foi recebido pelo Papa Francisco, com quem compartilha os esforços diplomáticos pela paz na Colômbia e na Venezuela.
Presidente, o que o senhor espera da votação estadunidense? Também teme uma vitória do Trump?
Estou muito preocupado com uma eventual vitória de Donald Trump, porque o peso dos Estados Unidos no mundo é tal que os desastres combinados por um presidente estadunidense podem repercutir sobre todos nós. Mas também acho que o presidente dos Estados Unidos e, feliz e infelizmente, no fundo, tem poderes bastante limitados.
Menos poderes do que um presidente do Uruguai?
Sim, e vimos isso com a abertura de uma investigação do FBI sobre Clinton alguns dias antes da votação. Os contrapesos institucionais são um bem para a democracia, embora, neste caso, nos Estados Unidos, na realidade, se trata de órgãos, como a CIA ou o FBI, que ninguém elegeu. E que se comportam como instituições onipotentes.
O senhor se tornou um ideal político no mundo, porque viveu e vive como a parte mais pobre dos seus concidadãos e não como a mais rica. Pensa em ser uma exceção na política de hoje?
Certamente fui uma exceção até mesmo no meu país. Mas se trata, acima de tudo, de uma filosofia de vida. O problema é que vivemos em um mundo no qual se acredita que aquele que triunfa deve possuir muito dinheiro, ter privilégios, uma casa grande, mordomos, muitos servidores, férias superluxuosas. Entretanto, eu acho que esse modelo de sucesso é apenas um modo idiota de se complicar a vida. Eu acho que quem passa a sua vida acumulando riqueza está doente assim como um toxicodependente, deveria se tratar.
Ficar cada vez mais ricos é uma doença?
Eu conheci multimilionários, até mesmo muito idosos. E perguntei a muitos por que razão continuavam acumulando dinheiro se, no fim das contas, deveriam deixá-lo aqui. A resposta sempre foi que não podiam deixar de fazer isso, como uma doença.
O senhor teve uma reação pessoal, uma forma de depressão, quando deixou o poder. Já lhe aconteceu de pensar: "Que pena, não sou mais presidente"?
Não, não. Ao contrário, a verdade é que, no fim, também pode ser uma experiência decepcionante. Você consegue obter menos de um terço de todas as coisas que tinha se proposto a fazer. E é muito maior o número de sonhos que acabam em pó em comparação com aqueles que você conseguiu realizar como presidente. Também estou convencido de que a política não deve ser uma profissão. É um serviço, uma paixão. Quem quer enriquecer, que se dedique ao comércio, aos bancos, mas não à política. E, para uma sociedade saudável, também é necessário que se circule muito mais nas responsabilidades, especialmente naquelas que envolvem a representação dos interesses de todos.
Durante o seu mandato, foram aprovadas três leis revolucionárias até mesmo na América Latina: aborto, casamentos gays e legalização das drogas leves. O que mais o senhor gostaria de ter feito e não pôde?
No meu país, ainda há um percentual de indigentes. Mínimo, mas existe. E aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza são 9-10% da população. Isso não é aceitável no Uruguai, um país que produz alimentos para um número de pessoas igual a dez vezes os seus habitantes.
O senhor disse ser contrário à atribuição de um Prêmio Nobel da Paz?
Os Nobéis devem ser atribuídos aos cientistas, aos médicos. Em um mundo como o nosso, onde há guerras em todos os lados, atribuir o Nobel da Paz é uma piada. Uma burla. Sairemos da pré-história da humanidade única quando não houver mais armas e exércitos.
O senhor se opõe à globalização?
Não, não é possível. Seria como ser contrário ao fato de que a barba cresce nos homens. Mas a globalização que conhecemos até agora é apenas a globalização dos mercados. Que tem como consequência a concentração de riquezas cada vez maiores em pouquíssimas mãos. E isso é muito perigoso. Gera uma crise de representatividade nas nossas democracias, porque aumenta o número dos excluídos. Se vivêssemos de maneira sábia, os sete bilhões de pessoas no mundo poderiam ter tudo o que precisam. O problema é que continuamos pensando como indivíduos ou, no máximo, como Estados, e não como espécie humana.
O senhor é ateu, mas compartilha muitas ideias com o Papa Francisco, especialmente a crítica à sociedade consumista e ao capitalismo selvagem.
A minha ideia de felicidade é especialmente anticonsumista. Querem nos convencer de que as coisas não duram e nos levam a mudar todas as coisas o mais rápido possível. Parece que nascemos apenas para consumir e, se não podemos mais fazer isso, sofremos a pobreza. Mas, na vida, é mais importante o tempo que podemos dedicar ao que gostamos, aos nossos afetos e à nossa liberdade. E não aquele em que somos obrigados a ganhar cada vez mais para consumir cada vez mais. Não estou fazendo nenhuma apologia da pobreza, mas apenas da sobriedade.
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"Quem acumula dinheiro é doente. A riqueza complica a vida." Entrevista com José Mujica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU