04 Novembro 2016
O segundo dia de trabalho do 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares começou com um reconhecimento e uma homenagem a todas as pessoas que perderam a vida em suas lutas e justas causas. Neste sentido, esteve muito presente a ativista Berta Cáceres, assassinada por sua defesa do meio ambiente em Honduras e que participou da primeira edição deste encontro. Ato contínuo, começou o painel Território e Natureza.
A reportagem é publicada por Encuentro Mundial de Movimientos Populares, 03-11-2016. A tradução é de André Langer.
Participaram deste painel a Dra. Vandana Shiva, da Navdanya Trust (Índia); Rosalina Tuyuc, da Coordenação Nacional de Viúvas (Guatemala); Mónica Crespo, da Federação de Papeleiros e Recicladores (Argentina) e Te Ao Pritchard, da Pacific Panthers Network (Nova Zelândia). A coordenação deste painel esteve a cargo de Nohra Padilla, da Associação de Recicladores de Bogotá (Colômbia), e Ana de Luco, da Sure We Can (Estados Unidos).
Na introdução ao debate, Ana de Luco citou as palavras de Francisco para destacar como principal tarefa a defesa da Mãe Terra. Neste sentido, o painel pretende dialogar sobre os diferentes aspectos e perspectivas na recuperação, respeito e cuidado da Terra.
Na primeira intervenção, Dra. Vandana Shiva, reconhecida ecofeminista, assinalava que “todos os que defendem a natureza e os direitos dos povos são perseguidos”. Com estas dificuldades a mais, Shiva assinalava a importância de “viver como pediu o Altíssimo, respeitando a terra e a criação”. Cada um de nós “é Terra. Não estamos separados dela. Os poderosos constroem uma separação, o que chamo de ecoapartheid: em nossa consciência e na realidade, criando pessoas sem casa e sem terra. A revolução é retornar à nossa ‘casa comum’, a Terra, como disse o Papa. Mas, uma vez em casa, devemos respeitá-la”.
Shiva continuou dissertando sobre o papel da ciência, da economia, da tecnologia para concluir que hoje é prioritário o respeito e o cuidado da criação. Neste sentido, denunciou a destruição das espécies por parte da indústria comercial em mais de 35% nos últimos anos, “fizemos da agricultura uma arte de vender veneno”, disse. Em sua intervenção, apontava um desafio: “todas as Igrejas e instituições confessionais deveriam transformar-se em um santuário de sementes”. Manifestou-se contra os acordos TTIP (Acordo de Associação Transatlântico para o Comércio e o Investimento) e CETA ao considerar que “arruínam a nossa vida”. E, finalmente, fez uma aposta na agroecologia. “A Terra é dada a todos para que vivamos nela, vivamos, pois, bem”.
Continuando com o painel, interveio Rosalina Tuyuc: “falar da Mãe Terra, da mãe natureza, é pensar na vida” em toda a sua integridade, em toda a sua globalidade. Pensar na vida, nos impulsiona à “necessidade de defender e responder a qualquer ameaça”. Para Tuyuc, o papel das mulheres nesta tarefa “protetora” é fundamental que não pode ser moeda de troca diante do “oferecimento de crescimento e de desenvolvimento” realizados pelas empresas. Nossos povos – acrescenta Tuyuc – não aceitam nenhum oferecimento em troca da morte: “somos a continuidade da vida, por isso a necessidade de ver que a água, a terra, e a semente, são elementos de vida e não elementos de mercado e de morte. Quando os filhos da Mãe Terra são atacados, devemos trabalhar em unidade”.
Em seguida, foi a vez de Te Ao Pritchard. Ele fez suas reflexões a partir do grupo chamado “As Panteras do Pacífico”, que incorpora as populações nativas e migrantes, intergeracional, daquelas latitudes. Falou sobre diferentes temas, mas com um denominador comum: o cuidado da criação. A experiência de Ao é fundamentalmente de ação: “nos preparamos para responder ao problema do comércio de armas. Também com a solidariedade e a colaboração de outros povos indígenas desenvolvemos muitas ações. Além disso, incorporamos a defesa da soberania alimentar em nossas atividades. Temos navios de guerra em nosso território que afetam as nossas águas. Manifestamo-nos com as nossas embarcações tradicionais para fazer valer os direitos dos povos indígenas. Pertenço a uma tribo e devemos agir também junto a tribos vizinhas. Quero insistir na importância da formação dos jovens e na luta contra suas vulnerabilidades. Dizemos a eles que não devem se esgotar em uma última ação, mas seguir em frente e dialogar para fora, mas, sobretudo, entre iguais para definir uma posição comum”, concluiu.
A última intervenção esteve a cargo da carrinheira argentina Mónica Crespo. Representando seus companheiros e companheiras, apresentou o trabalho que estão realizando e “as conquistas que tivemos através da luta. Nossos companheiros, além do mais, são perseguidos e deslocados. Somos um povo que aprendeu que a reciclagem é importante para o cuidado do planeta, como disse o Papa”.
Desta experiência assinala que “conseguimos que o Estado apóie o nosso trabalho e que o serviço de reciclagem fique com os carrinheiros e não com as empresas. Um reconhecimento muito importante para o trabalho e as melhorias das condições, com salário, transporte, etc.”. Esta persistência na defesa dos direitos trabalhistas levou-os a colocar em prática uma proposta concreta é “a lei do empacotamento”, uma iniciativa que pretende impulsionar a reciclagem no âmbito das empresas. Desta forma, além de cuidar da casa comum, “se conseguiria que os trabalhadores e as trabalhadoras tenham melhorias nas condições de trabalho”.
Neste sentido, os papeleiros e papeleiras têm demonstrada capacidade para atender esta necessidade de reciclagem na sociedade. “Somos os trabalhadores e trabalhadoras que saímos faça sol ou faça chuva para reciclar e cuidar da Mãe Terra (...) Alegra-nos ver que em vários países se está lutando pela reciclagem, pela não contaminação. Para ajudar este processo é importante que não se persiga os trabalhadores da reciclagem, porque são os cuidadores do meio ambiente”.
O painel termina com as palavras de Nohra Padilla, que faz uma chamada para “estabelecer uma soberania alimentar, uma soberania trabalhista, uma soberania popular. Se queres algo, luta por ela”.